Em Pauta

GOVERNO BOLSONARO: O IMPACTO DOS 100 DIAS NO MERCADO DE CAPITAIS

A entrada de um governo liberal foi mais que bem recebida pelo mercado de capitais. As expectativas de mudança na política econômica levaram o Ibovespa a bater recorde após recorde e flertar com os 100 mil pontos no dia 18 de março (99.993 pontos), quando atingiu uma alta de cerca de 13% no acumulado do ano. Exatamente um mês depois, o índice encontrava-se nos 94.578 pontos, uma queda de 5,42% frente ao recorde. A volatilidade do principal índice da Bolsa, que chegou a cair para 91.903 pontos no dia 27 de março, demonstra que a cautela dos investidores com o governo não é à toa.

Enquanto as expectativas eram de que o choque liberal acontecesse rapidamente, o novo governo assumiu e o movimento de mudança foi mais lento que o imaginado. Houve o “bate-cabeça”, típico de quem recém assume um governo, mas ainda pior, pois as crises enfrentadas foram criadas dentro do próprio governo, pelas declarações do próprio presidente, de seus filhos, de seus ministros, e até de outros aliados. “O governo de Jair Bolsonaro apresenta o pior índice de aprovação de um presidente recém-eleito, desde Collor”, avaliou o doutor em sociologia, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Augusto Prando, durante o Fórum Veja Exame - 100 dias de governo.

Ele destacou a falta de liderança do governo e o problema da sobreposição da ideologia à estratégia. “Houve um governo sem líder, um presidente e ministros mais ligados às posições ideológicas do que capazes de governar com estratégia. Esses 100 primeiros dias foram ruins”, disse. Para que haja uma mudança de percepção, Prando acredita que Bolsonaro deverá assumir as rédeas de seu governo para que outros não o façam.

O último episódio, que também tem as mídias sociais como epicentro, foi o vídeo postado no canal do YouTube de Bolsonaro que trazia o astrólogo Olavo de Carvalho traçando críticas aos militares. O vídeo foi retirado rapidamente, mas a polêmica já estava instaurada e o porta-voz do presidente, general Rêgo Barros, foi obrigado a ir a público reconhecer que as declarações “não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento de objetivos propostos no projeto de governo”.

“Os primeiros 100 dias deixaram clara a inexperiência do presidente em fazer um relacionamento harmonioso com o Congresso. O PSL parece perdido em termos de liderança. A Bolsa bateu 100 mil pontos - mas não confirmou, pois para confirmar é preciso ter motivos de que realmente estão indo no caminho certo”, avaliou o presidente da Associação dos Analistas do Mercado de Capitais (Apimec), Ricardo Tadeu Martins.

Fatos como este e outros que ocorreram nos primeiros 100 dias reduzem a força do governo e ofuscam a agenda liberal. “Foram 100 dias com turbulência, mas o avião passou no meio da turbulência perfeita”, definiu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) durante o Fórum. Em sua opinião, o presidente da República, Jair Bolsonaro, “começou a compreender melhor o que é governar o Brasil e o que é o Parlamento”. As declarações ocorrem depois de passados os atritos entre Maia e Bolsonaro, que afetaram os ânimos dos investidores ao final de março, quando o próprio parlamentar disse que o presidente estava “brincando de governar”.

Tido como uma das peças chaves para a aprovação da Reforma da Previdência, Maia foi alfinetado pelo presidente em redes sociais, o que desestabilizou a confiança de que a proposta realmente passaria na votação. As mudanças nas regras previdenciárias são vistas como o primeiro, e mais importante, passo de muitas reformas que precisam vir daqui para frente para restabelecer as condições macroeconômicas do Brasil. “A Reforma da Previdência é o que destrava tudo”, destaca Edmar Prado Lopes Neto, presidente do Conselho de Administração do IBRI.

No ano passado, segundo dados do governo o déficit somado do INSS, dos Regimes Próprios dos Servidores Públicos (RPPS) da União, além do sistema dos militares, atingiu R$ 290,297 bilhões. O principal objetivo da reforma é reduzir a velocidade com que as despesas com a previdência vem ocorrendo. Para isso, irá lançar mão do aumento da idade média de aposentadoria e elevar as receitas com uma taxação progressiva dos salários dos contribuintes, entre diversas outras medidas.

Inicialmente, esperava-se que a proposta, se aprovada em sua totalidade, resultasse em uma economia acima de R$ 1 trilhão em dez anos. O medo do mercado, entretanto, é do esvaziamento da Reforma, o que a tornaria quase inócua. Segundo o economista, José Roberto Mendonça de Barros, fundador da MB Associados, a culpa é do próprio discurso desencontrado do presidente na forma como a reforma da Previdência está sendo apresentada.

“Primeiro, ele disse que preferia não fazer a reforma, agora, a regra para aposentadoria rural e o BPC - Benefício assistencial ao idoso e à pessoa com deficiência - já estão praticamente fora antes de começar a tramitação. É um problema, pois acaba com o discurso de que todo mundo vai dar sua cota de sacrifício”, afirmou Mendonça de Barros. A terceira questão listada é o fato de o governo propor uma reestruturação da carreira militar junto com a reforma para os militares.

O economista ressalta que, se a economia fiscal da reforma for reduzida para menos da metade, o Brasil não volta a crescer. Caso fique mais próxima do estimado, ao redor de R$ 800 bilhões, é possível que os investimentos retornem e o crescimento chegue a crescer 3% no próximo ano. Ele estima que a Reforma deve levar todo o ano para ser aprovada no Congresso.

A Previdência é vista como uma das principais causas do aumento do endividamento público, hoje em torno de 80% do PIB, percentual alto até para os padrões de economias emergentes. Nos próximos anos, será preciso encontrar 4% do PIB brasileiro, cerca de R$ 300 bilhões, para fechar as contas públicas e sair do déficit para o superávit.

Prado Lopes faz uma avaliação cautelosa do novo governo, porém, positiva. “Ainda estamos vivendo as dificuldades naturais de um partido pequeno e de um ideário novo. O governo ainda está encontrando sua forma e seu equilíbrio de forças. Há um ideário novo de centro-direita em termos econômicos com menor presença do estado. A comunicação e articulação está aquém, mas há sinais de que o governo vai caminhar no sentido de manter o programa apresentado”, resume ao acrescentar que a agenda de reformas vai avançar.

Enquanto isso, o mercado de capitais tende a se manter volátil, como no ano passado, durante as eleições. “O balanço dos 100 dias do governo Bolsonaro é tumultuado, mas temos um movimento liberal na agenda econômica, mesmo que lento. O grande receio é que o presidente tem uma enorme dificuldade política de ser moderado. As visões são muito extremadas. Ele não consegue se controlar”, observa o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Rodrigo Vale.

Na avaliação do presidente da Apimec, desde as eleições, houve um cenário mais favorável para o mercado de capitais como um todo. “Havia a expectativa do retorno dos IPOs e do dólar se manter mais comportado, pois Bolsonaro teve condições de montar uma equipe econômica reconhecida e inspiradora”, avalia. No entanto, a própria postura do presidente começou a gerar ruídos e influenciar o comportamento do mercado. “Não precisa nem de oposição se o próprio consegue gerar a briga interna. O presidente não se mostra preparado e precisa de um guru na comunicação”, comenta.

Liberal ou não liberal?
Ainda não é possível saber o resultado do choque entre alas do governo Bolsonaro. “O programa do Paulo Guedes é muito mais do que um programa liberal, ele tenta fazer uma revolução liberal, mas o presidente não é liberal”, destaca Mendonça de Barros. Esta é a grande dicotomia do governo atual. Enquanto o ministro defende o estado mínimo e as privatizações, ainda há um conservadorismo que prejudica a agenda econômica proposta.

“Se ele escutar o Guedes, há chances de a reforma liberal ocorrer. Vai demorar e não dá para esperar uma grande revolução liberal. Isso só acontece quando o presidente tem essa visão. Seria preciso ter um Reagan ou uma Thatcher à frente do processo, o que não é o caso. O Bolsonaro é conservador em todo seu histórico. De qualquer forma, há uma posição clara da equipe econômica de levar a agenda para frente”, complementa Sergio Vale.

O caso clássico de confronto de ideários foi o do reajuste de preços da Petrobras. No dia 11 de abril, a estatal havia anunciado um aumento de 5,74% no preço médio do diesel vendido nas refinarias. No dia seguinte, por determinação de Bolsonaro, voltou atrás. A ingerência do presidente na questão fez o valor de mercado da companhia despencar mais de R$ 30 bilhões em apenas um dia.

O ministro da economia interveio, Bolsonaro escutou e o reajuste ocorreu. “A Petrobras é realmente independente para estabelecer o preço de petróleo”, disse Guedes. Com o dedo do ministro no meio, a estatal anunciou um reajuste de R$ 0,10 centavos, um pouco abaixo do anterior, mas que foi bem recebido no mercado. No entanto, o áudio vazado do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, no qual afirmava que o governo deu “uma trava na Petrobras”, deixou desconfiança, pois a mensagem foi em um grupo de WhatsApp de lideranças dos caminhoneiros, ainda no final de março, bem antes da confusão.

O episódio da suspensão do aumento pode ser visto como prova da inviabilidade do casamento entre Bolsonaro e Guedes na visão do sociólogo Demétrio Magnoli. Ele definiu a aliança como um “pacto profano” e um “Frankenstein”. “É inviável, é óleo e água, a doutrina liberal não se mistura com a nacional-populista. Esse governo já foi marcado, nos 100 dias, por crises permanentes entre nacional-populistas, promotores da guerra cultural, e os liberais”, declarou durante o Fórum. “O discurso da guerra cultural não é um discurso que cerca o presidente, é um discurso do próprio presidente e seu clã familiar”, afirmou.

Para o mercado, entretanto, a principal mensagem que ficou é de que o governo atual, ao contrário da gestão Dilma, reconhece seus erros. “O presidente teve uma decisão muito equivocada, mas parece ter entendido o que significa o tipo de intervenção que ele fez, bem semelhante à do governo Dilma. O mercado faz a leitura de que o Bolsonaro causa a turbulência, mas volta atrás em seguida. O caso da Petrobras foi sintomático. A Dilma não arredava o pé, mas Bolsonaro entendeu que não é por aí. Neste sentido, esta postura é positiva porque ele acatou as opiniões do Guedes, o que é positivo para o mercado e a economia”, analisa Vale.

IPOs
No início do ano, projeções davam conta de que o número de ofertas iniciais de ações (IPOs) poderia ser multiplicado por 10 ou mais em 2019 em relação à 2018 (estimativa da B3). Todavia, o mercado permanece no chamado otimismo cauteloso, com os estrangeiros ainda afastados do Brasil. Mesmo assim, a operação da Centauro (CNTO3) foi um sucesso com forte demanda. A Vamos Locação (VAMO3), é outra companhia que segue o mesmo caminho, assim como a farmacêutica Blau, a Tivit, Agibank, BB DTVM (Gestora do Banco do Brasil), entre outras. “São demonstrados alguns sinais positivos para o mercado, como o IPO da Centauro. É um IPO diferente, voltado pelo investidor local”, diz Prado Lopes Neto.

São os investidores nacionais que têm dado liquidez ao mercado acionário. A bolsa praticamente atingiu o número recorde de 1 milhão de CPFs e um volume de aplicações de R$ 4,6 bilhões, o maior dos últimos 13 anos. A alta do número de investidores foi de cerca de 50% em um ano. A tendência é de que este montante siga em crescimento diante da baixa taxa de juros, que estimula a diversificação dos portfólios e das novas tecnologias que facilitam o acesso dos investidores.

As pessoas que investem em ações no Brasil representam apenas 0,48% da população do país, muito abaixo da média de emergentes: 6%. “A liquidez está sendo dada pelo investidor local que é outro fato novo, pois o investidor estrangeiro espera pragmaticamente as reformas andarem”, observa o presidente do conselho do IBRI.

Privatizações
O governo espera arrecadar mais de US$ 20 bilhões com as privatizações. Até agora, a venda de ativos da Petrobras, desinvestimentos da Caixa Econômica Federal e concessões na área de infraestrutura somaram US$ 3,433 bilhões. De acordo com o secretário de Desestatização e Desinvestimentos do Ministério da Economia, Salim Mattar, o Brasil conta com 434 estatais. Destas, 134 estão sob o controle do governo federal e podem render US$ 490 bilhões para a União. As chamadas joias da coroa - Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e Petrobras - não devem entrar no programa. No caso da CEF, haverá a redução da participação do Estado através da abertura de capital de quatro subsidiárias na B3 e na Bolsa de Valores de Nova York.

Outro passo importante do governo está na concessão de aeroportos. A licitação do serviço de administração aeroportuária de doze terminais no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, primeira operação grande porte do novo governo, obteve ágio médio de 986% nos valores de outorga, pago pelas vencedoras, em relação aos preços mínimos do edital. Outros aeroportos, como Congonhas e Santos Dumont encontram-se na lista. “Empresas internacionais vão entrar na concessão de aeroportos. Há um interesse maior de estrangeiros e o governo deve entrar em áreas antes não mexidas, como BR Distribuidora, fazer a abertura de capital da Caixa e privatizar Eletrobras”, diz Vale. Ele complementa que os estrangeiros terão um papel importante no processo, mas tudo dependerá de uma certa garantia de crescimento, segurança jurídica e estabilidade política, o que está sendo entregue, em parte, hoje.

Muita calma
Logo na posse do novo governo, esperava-se um crescimento mais rápido da economia. Agora, o mercado e as projeções voltam à realidade. Destravar a economia e movimentar os investimentos em uma agenda liberal levará tempo e o crescimento econômico ainda será pífio. “Nos próximos dois anos, o crescimento do PIB vai ser medíocre ainda. A agenda leva tempo e não é da noite para o dia. A questão é ter um pouco de calma para ver a repercussão na economia”, destaca Vale.

No início do ano, o Boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central, estimava um incremento do PIB para este ano de 2,53% (dado de 04/01/2019). Agora, a mediana é de 1,71% e tem se mostrado em queda semana após semana. “O custo já está pago, infelizmente. Agentes econômicos estão revendo para baixo o avanço do PIB deste e dos próximos anos, o mercado de trabalho não deve melhorar e as empresas vão continuar tendo dificuldades com isso”, alerta Mendonça de Barros.

Para Prado Lopes, o mais importante é a mudança de política econômica. “Como a gente fica muito ligado à notícia do dia, perde um pouco este fato. Já se sabe que o crescimento do PIB vai ser baixo, mas isso faz parte do jogo. De qualquer forma, há um pano de fundo importante: quando houve a transição do PSDB para o PT saímos da centro-esquerda para a centro-esquerda. Agora o Brasil está vivendo uma alternância de poder para a centro-direita que a gente não tinha visto após a redemocratização”, explica.

Mercado
Se as perspectivas são de volatilidade no curto prazo, no longo a tendência é de que o mercado de capitais passe a desempenhar seu papel de financiador da economia no longo prazo. Além dos juros baixos, que estimulam a diversificação dos investimentos, provendo mais liquidez ao mercado, a mudança de postura do governo viabiliza esta questão. O BNDES deixa de ser o grande financiador e setores que precisam de grande volume de capital, como a infraestrutura, devem passar a recorrer mais frequentemente aos investidores privados.

“Se não há o BNDES como grande financiador, todo o financiamento de infraestrutura vai depender de mecanismos de mercado fora do setor público. Então um mercado de capitais ativo é essencial para desenvolver os investimentos no segmento. Dado que o setor de infraestrutura é ganhador nos próximos anos com incentivos muito claros por parte do governo, o casamento é perfeito”, afirma o economista chefe da MB Associados.

Nos últimos 15 anos, o valor investido em infraestrutura correspondeu a apenas 2% do PIB, o que somente cobriu a depreciação do capital. Segundo a consultoria Oliver Wyman, seria necessário duplicar o investimento no setor pelos próximos 25 anos para atingir a universalização dos serviços básicos com o mínimo de qualidade. “A taxa de investimento no setor é pequena e o potencial é enorme. Se você está falando em dobrar o investimento em infraestrutura, ao redor de 2% do PIB, que está na casa dos R$ 3 trilhões, há 120 bilhões a mais de investimentos anuais sendo adicionados na economia, o que é significativo para estimular o mercado de capitais”, resume Vale.

Nos últimos anos, o BNDES foi tido como um dos grandes concorrentes do mercado. “O foco atual é o que ele deveria ter tido no passado, ou seja, de dar crédito àqueles que o segmento privado não tem interesse ou àqueles em que eventualmente ele vai ter ganhos sociais maiores do que os custos de entrar no segmento. O Joaquim Levy está caminhando neste sentido. A saída do setor público é intensa e vai ser suprida pelo mercado de capitais. Há uma chance de ter um bom crescimento da economia no futuro e o mercado vai se beneficiar deste crescimento. Vejo um cenário bem positivo nos próximos anos. É preciso paciência e temperança”, diz.

Volatilidade e RI
Diante do cenário atual, o profissional de RI precisa redobrar sua atenção ao lidar com os investidores. A volatilidade está presente no Brasil faz tempo diante do compasso de espera e o processo de comunicação, a empresa deve focar nos seus fundamentos. “Primeiramente é preciso ter transparência sobre como a empresa responde a um ou outro cenário. A questão é entender que ainda há água para passar por debaixo desta ponte. O cenário não está definido. Pode haver um cenário em que não há avanço das reformas o que levará a perdas na Bolsa e o RI precisa demonstrar que a empresa está preparada para o cenário que virá”, recomenda o presidente do Conselho do IBRI. Como a empresa consegue se manter neste quadro? Como o mercado fica. Enquanto há um nível de incerteza alto com a influência da agenda política na economia, o mercado de capitais conviverá com a volatilidade.


Continua...