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Em Pauta

O IMPACTO DOS FATORES EESG NO MERCADO DE CAPITAIS

Hoje os investidores globais estão cada vez mais focando seus investimentos em empresas que atendem e exercem as boas práticas Econômicas, Ambientais, Sociais e de Governança. Neste sentido, será cada vez mais difícil a captação de recursos – seja dívida ou equity - para aquelas empresas que, alem da teoria, não adotarem a agenda EESG em seus propósitos, objetivos e modelos de negócios. Neste cenário, em 23 de junho último, um grupo de administradores de 29 grandes fundos de investimentos europeus, norte americanos e asiáticos, que gerenciam ativos em torno de US$ 3.7 trilhões, enviaram carta aberta às embaixadas brasileiras em 8 países, manifestando preocupação com o desmatamento na Amazônia, alertando que a biodiversidade e as emissões de carbono representam um risco sistêmico aos seus portfólios, o que poderia dificultar a volta do investimento estrangeiro para o Brasil.

Depois da pandemia do coronavírus, o mundo nunca mais será o mesmo. O refreamento dos negócios, a urgência provocada na área social e de saúde - e o repensar na forma de trabalhar, de ir ao supermercado e até de abraçar um parente próximo, obrigaram-nos a ver e rever conceitos e atitudes. Ativos tangíveis e sentimentos intangíveis se misturam. Mais recentemente a carta de Larry Fink, da BlackRock (maior gestora de ativos no mundo), destacando que a Sustentabilidade deve ser o novo padrão de investimento, e o Fórum de Davos (discutindo a economia planetária) colocaram o conceito EESG no centro das discussões. A economia, associada a gestão ambiental e social e governança, são hoje temas mandatórios e é preciso andar rápido, antes que seja tarde demais. Neste sentido, os três maiores bancos privados do país - Bradesco, Itaú e Santander não perderam tempo: deram-se as mãos para ajudar a Amazônia.

“O mundo hoje tem aversão a riscos. E a vida importa muito”. Dentro de tais premissas o Bradesco segue prestigiando as “empresas pró-planeta”, afirma Leandro de Miranda Araújo, diretor executivo e de Relações com Investidores do banco. O aquecimento global, depósitos de plásticos no mar e trabalho escravo estão aí, deformando o nosso tempo e é preciso dar um basta nisso. “Assim, o Bradesco só trabalha com empresas que tenham propósito, que não aumentem o risco por desleixos na governança ou na gestão socioambiental. Toda nossa operação, serviços ou análise de crédito passam por isso”, destaca ele, acrescentando: “empresas sustentáveis, que têm produtos e serviços demandados, são mais rentáveis”.

E não é apenas o investidor que preza por uma companhia com propósito. O colaborador também, avalia Leandro Araújo, argumentando que “o capital humano é hoje o mais valioso, pois é ele que gera os outros ativos da instituição”. E destaca: “os nossos maiores ativos sobem e descem de elevador todo dia. E nós precisamos conquistá-los diariamente, porque hoje as pessoas trabalham nas empresas em que acreditam, onde são respeitadas e se sentem bem”.

Amazônia
A pandemia gerou um processo de mudança brusca no mundo, como fazem as guerras e grandes crises sanitárias, como essa que estamos atravessando. Com isso vêm as dores e, na sequencia, as reflexões. “Os bancos têm papel primordial na economia brasileira e neste momento de dificuldade buscamos refinanciar os clientes e fortalecer nossas posições, além do compulsório recolhido”, relata o diretor do Bradesco.

Além da situação de seus clientes, as instituições se sensibilizaram e passaram a discutir as questões mais urgentes do país. Então, algo improvável até pouquíssimo tempo aconteceu: altos executivos do Bradesco, Itaú e Santander sentaram-se à mesa e iniciaram rodas de conversas, em sintonia com investidores internacionais e grandes empresas brasileiras, que tem demonstrado desconforto com mo efeito da questão ambiental sobre a economia brasileira. . E não demorou para chegarem à Amazônia como uma questão urgentíssima a ser resolvida. O montante do socorro a este gigantesco bioma brasileiro, reunindo uma das maiores biodiversidades do mundo (espalhadas por 5 milhões de km2), ainda não está fechado, mas os banqueiros já arregaçaram as mangas e estão botando a mão na massa. Uma comissão paritária foi formada (Bradesco, Itaú e Santander), em nome da salvação e da sustentabilidade desse tesouro.

Os três bancos, já propuseram ao Poder Executivo um tour de force em prol da causa comum, desenvolvendo a bioeconomia da região Amazônica, criando condições objetivas para a sustentabilidade e a garantia de direitos para a população local. “Nós temos credibilidade, o capital e a capacidade administrativa, mas não podemos fazer leis e nem temos poder de polícia, daí precisarmos agir de forma harmoniosa com o governo”, destaca. Com essa ação propositiva, o Bradesco acredita que diminuirá o risco-país: “Não custa lembrar que uma organização sustentável tem custos três vezes menores e múltiplos quatro vezes maiores que os demais”, complementa Araújo.

Neste sentido, os bancos anunciaram a composição do Conselho Consultivo Amazônia por renomados especialistas em Sustentabilidade. São eles: Adalberto Luís Val, biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); Adalberto Veríssimo, pesquisador associado e co-fundador do Imazon; André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), co-facilitador da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, gerente de projetos do Banco Mundial e também dirigiu entidades como o Instituto BioAtlântica (IBio) e Imazon; Carlos Afonso Nobre, cientista destacado principalmente na área dos estudos sobre Mudanças Climáticas e Amazônia e atual responsável pelo projeto Amazônia 4.0, de fomento à Bioeconomia e Bioindustrialização; Denis Minev, diretor-presidente das Lojas Bemol, co-fundador da Fundação Amazonas Sustentável, do Museu da Amazônia e da Plataforma Parceiros pela Amazônia, foi secretário de planejamento e desenvolvimento econômico do Amazonas entre 2007 e 2009; Izabella Teixeira, bióloga e doutora em Planejamento Ambiental pela COPPE/UFRJ, ex-ministra do Meio Ambiente (de 2010 a 2016) e Teresa Vendramini, pecuarista e socióloga, é presidente da Sociedade Rural Brasileira. O Conselho se reunirá a cada três meses com o objetivo de trazer reflexões sobre as dinâmicas da região e desafiar os bancos quanto à efetividade do impacto das ações propostas.

"O conceito foi escolher um grupo de pessoas de alta qualificação e notório saber que são comprometidas com a ciência, com a defesa do meio ambiente e com a vida. Estamos bastante seguros que as diferentes visões e formações dos membros do Conselho darão substância e massa crítica ao trabalho de propor e orientar medidas que envolvem o futuro da Amazônia. São desafios não só ambientais, mas também sociais e econômicos", afirma o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior.

"Estamos muito satisfeitos por termos conseguido reunir este grupo altamente qualificado e que conhece profundamente os desafios do Brasil na área ambiental e, mais especificamente, na Amazônia. A colaboração dos conselheiros consultivos será fundamental para que nossa atuação na região seja efetiva e gere os impactos positivos que buscamos", afirma Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco.

"O conselho funcionará com um grupo de especialistas renomados, responsável por dar o respaldo necessário às nossas propostas para o desenvolvimento sustentável da região Amazônica. Para além disso, esses líderes excepcionais utilizarão sua vasta experiência acumulada em áreas de conhecimento complementares para nos ajudar a subir a régua, propondo ações e metas desafiadoras, que provem ser possível gerar riqueza para o País e beneficiar a população local sem sacrificar nossa biodiversidade e recursos naturais", diz Sérgio Rial, presidente do Santander Brasil.

O Plano Amazônia inclui 10 medidas que foram construídas a partir de três frentes de atuação identificadas como prioritárias para a região: conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia; investimentos em infraestrutura sustentável; e garantia dos direitos básicos da população da região amazônica.

Infraestrutura
Apontando os gargalos da infraestrutura como uma boa oportunidade de investimentos a ser analisada, o CEO da BlackRock no Brasil, Carlos Takahashi, conversou com a Revista RI, enfatizando as políticas EESG das companhias. E fez referência à famosa carta de seu CEO internacional, Larry Fink, destacando a sustentabilidade. “Trata-se de uma longa e árdua jornada mas, sem dúvida, cada vez mais podemos observar o nível de consciência sobre o assunto aumentando. A carta do nosso CEO/Chairman e fundador foi incisiva ao trazer o alerta relacionado às mudanças climáticas e seus impactos, e no Fórum de Davos este foi o tema tratado como o de maior probabilidade de ocorrência e gravidade”.

Em tempos de pandemia, Takahashi assinalou: “ao contrário do que muitos imaginavam, mesmo com a tragédia ocasionada pela pandemia da Covid-19, a necessidade de seguirmos atentos às boas práticas ambientais, sociais e de governança, adquiriram força ainda maior na agenda corporativa. Evidências cada vez mais claras sobre as consequências das alterações climáticas, enquanto risco evidente de um significativo e persistente impacto no crescimento econômico e prosperidade, não somente se tornaram mais conscientes, como também passaram a ser incorporados na precificação dos riscos, demonstrando o quanto estamos próximos de uma mudança estrutural nas finanças tradicionais”.

O gestor também faz questão de destacar a questão reputacional e os fatores EESG, sublinhando: “Aspectos sociais, relacionados ao tratamento de colaboradores, clientes e sociedade, também adquiriram enorme transparência e visibilidade, ocasionando danos materiais e reputacionais. A estes fatores, some-se um outro de grande importância que vem se elevando notadamente: a postura dos investidores que cada vez mais incorporam os fatores EESG em suas decisões de alocação de recursos”. 

Depois de destacar que, como gestora de recursos de terceiros, o papel da BlackRock (com uma carteira de US$ 7,2 trilhões) é ter a responsabilidade de tomar as melhores decisões objetivando melhor atender as necessidades de seus clientes para o bem-estar financeiro, o Takahashi pontua: “Acreditamos que as empresas que incorporam os fatores EESG são mais resilientes e criam mais valor no longo prazo e, portanto, nosso engajamento junto às empresas, em torno da Sustentabilidade, está diretamente associada ao nosso princípio fiduciário”. E finaliza, comentando o que mais atrai o investidor estrangeiro em nossas terras: “O Brasil é um país de inúmeros potenciais. Para uma gestora internacional como a BlackRock, o ambiente macroeconômico, com taxas de juros estruturalmente baixas e perspectivas de manutenção por longo-prazo, somada a uma agenda favorável ao mercado, abrem as perspectivas para o investidor buscar uma maior diversificação de seus investimentos no exterior. Da mesma forma, esses fundamentos podem propiciar uma agenda voltada para o incentivo à economia real e a aceleração de diversas necessidades que temos, como os gargalos da infraestrutura, por exemplo, atraindo investidores estrangeiros”. 

Fundos de Índices
Recente estudo divulgado pela BlackRock, destaca que os fundos de índices - ETFs com perfil EESG (investimento sustentável) atrairão fortemente o público de varejo fazendo o seu volume global, hoje na ordem de US$ 220 bilhões, quintuplicar para US$ 1,2 trilhão até 2030.

Em agosto último o Banco Itaú anunciou a criação de um fundo EESG de R$ 1 bilhão. O banco já conta com dois fundos de índices (ETFs) que seguem os parâmetros do ISE e do Índice de Governança Corporativa da B3.

Hoje no Brasil, 65 assets, fundos de pensão e family offices são signatários dos Princípios de Investimento Responsável, apoiado pelas Nações Unidas. No mundo inteiro, esse grupo - que já conta com mais de 3.200 signatários - representa mais de US$ 100 trilhões em ativos.

Agente Laranja
Os mais velhos terão memória, sem consultar site de busca, e os mais novos, engajados, já passaram pelo tema (ainda que en passant). Então vamos direto ao “agente laranja”, composto químico produzido pelos Estados Unidos para destruir as florestas do Vietnã, durante a guerra naquele país (de 1955 a 1975).

“Se considerarmos a Guerra do Vietnã e a Revolução Silenciosa (livro de mesmo nome, publicado em 1963 pela bióloga norte americana Rachel Carson, que deflagrou movimento contra pesticidas sintéticos), verificamos que o tema sustentabilidade não é propriamente novo”, assinala Carlo Pereira, secretário executivo da Rede Brasil do Pacto Global. Valendo-se de alguns recortes, ele arrisca dizer que a questão EESG começou a ser discutida desde o surgimento do “agente laranja”, nas décadas de 60 e 70 do século passado. E, claro, a discussão foi avançando e virou o século, não sem antes passar pela ECO-92 e a criação do próprio Pacto Global, no ano 2000.

O que a sociedade espera das empresas? ele pergunta e, na sequência, responde: “A sociedade quer engajamento e as últimas cartas do CEO da BlackRock, Larry Fink, por exemplo, estouraram a bolha – no sentido positivo”. E este estouro a que se refere tem reflexo igualmente no Brasil. As companhias começam a estruturar políticas EESG e movimentos da sociedade civil vão pipocando. “Nós mesmos, do Pacto Global, estamos em um movimento com ABAG, IPA e Abiov, em prol do biodiesel brasileiro e do agronegócio em geral. É preciso ficarmos atentos e atuantes porque a Nordea Asset Management já começa a desinvestir – inclusive em empresas brasileiras – e a Natura diz que nunca teve tão poucos investimentos”. Esse movimento reúne pouco mais de 70 empresários e está conversando com investidores (nacionais, primeiro), com o vice presidente Hamilton Mourão, o deputado Rodrigo Maia e os ministros Tóffoli e Barroso (no Judiciário e no Legislativo lhes foi sugerida a criação de grupos de trabalho), além dos governadores cujos estados integram a Amazônia. Em sua visão, a questão EESG ainda carece de amadurecimento no país e pede mais protagonismo dos dirigentes empresariais, “porque nesse novo desenho o CEO hoje tem um papel quase de estadista”.

Protagonismo
O banco americano BNY Mellon apresentou pesquisa realizada com 335 profissionais de Relações com Investidores em 41 países, durante a Web Summit - Relações com Investidores & Mercado de Capitais, ocorrida na semana de 24 de agosto último. De acordo com o banco são os acionistas que estão levantando as questões sobre o EESG dentro das companhias, tanto que os investidores foram a 83% de suas últimas reuniões com empresas acompanhados de especialistas na matéria. Ainda pelo mesmo levantamento, a diversidade do Conselho e a eficiência energética são itens sempre checados.

Mas não são apenas os investidores que pretendem o protagonismo. Os contadores também se mobilizam, no Brasil. Em recente artigo assinado por seu presidente Zulmir Breda, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) demonstra claramente sua preocupação com a gestão ambiental e os riscos dela decorrentes, não só em termos de imagem, mas também o financeiro – inclusa aqui a precificação de ações. Em um de seus parágrafos, destaca: “Diante dos potenciais efeitos calamitosos das mudanças climáticas, a carta “Convergência pelo Brasil”, assinada por ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central e divulgada em julho último, também traz a preocupação com a estabilidade financeira. Os riscos climáticos, não apenas no Brasil, já estão sendo incluídos em análises macroeconômicas de Bancos Centrais, enquanto mercados financeiros estão reconhecendo e precificando, de forma transparente, esses riscos de longo prazo. Nessa carta, também é citada a reprecificação dos ativos mais expostos às mudanças climáticas, com impactos esperados na poupança privada e no mercado de capitais”.

Na opinião de Breda, ao inserir a contabilidade nessa análise, vê-se que, atualmente, “as demonstrações contábeis não expressam, de forma explícita, os riscos climáticos aos quais uma entidade está sujeita, mas há vários relatórios de sustentabilidade que descrevem ações das empresas para conter seus impactos no meio ambiente”.

O CFC formou dois Grupos Técnicos (GTs) para a elaboração de uma minuta de Norma Brasileira de Contabilidade (NBC) sobre Relato Integrado (RI) e sobre asseguração do RI. A minuta já passou por análise de comissão constituída pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e deverá ser colocada em audiência pública conjunta em breve.

“Em relação à reprecificação de ativos mais expostos às mudanças climáticas, a contabilidade tem instrumentos para refletir isso. Em geral, os ativos estão sujeitos a alterações de valores quando da evidência de perda permanente da capacidade de recuperação do investimento, como por obsolescência, redução do valor justo ou outros, sendo que o fato gerador desses eventos pode ter qualquer origem, inclusive, a ambiental. Contudo, hoje ainda não existe a prática de distinguir essas origens”, diz o presidente do CFC, para finalizar em seguida: “O Conselho Federal de Contabilidade está disposto não apenas a participar do debate, mas a contribuir para que o país possa chegar a uma regulação que reconheça os créditos de carbono e, também, que encontre técnicas de mensuração aceitáveis para identificar e mensurar os benefícios ambientais gerados pelos recursos sob responsabilidade de uma entidade, assim como os seus impactos ao meio ambiente”.

Verdade Inconveniente
Em 2006, Al Gore lançou o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, no qual alertava para o aquecimento global com uma rica exposição de gráficos, mostrando que o desastre ambiental já estava em marcha. Ele que foi vice de Bill Clinton (1993 a 2001, por dois mandatos) e posterior candidato à presidência, em 2000, nos Estados Unidos, tornou-se uma voz importante quando o assunto é mudanças climáticas, tendo em 2007 recebido o Prêmio Nobel da Paz, que ele dividiu com os membros pesquisadores do Painel de Mudanças Climáticas das Nações Unidas.

E se há praticamente 15 anos o assunto é debatido, ganhando maior relevância hoje, este é um claro sinal de que não é apenas o “tema da moda”. O raciocínio, transparente, é de Sonia Favaretto, também jornalista como Al Gore, é presidente do Conselho da GRI Brasil, VP do Conselho Técnico do CDP LA, SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e foi recém-convidada para compor o Conselho do BNDES. Ela destaca que há exatamente um ano o tema ganhou especial atenção com o Business Roundtable (encontro de importantes CEOs, nos Estados Unidos), sendo reforçado pela carta do CEO da BlackRock e pelo Fórum de Davos.

 “Na realidade, a pandemia colocou o EESG no topo. A partir do momento em que quase todo mundo fica em casa, afetando duramente a economia, algo de urgente estava acontecendo e precisava ser discutido. Além disso, fica claríssimo que as questões ambientais e sociais são intrínsecas ao negócio”, diz ela, acrescentando que no país a Fama Investimentos, Constellation, Mauá e a XP, mais recentemente, ocupam-se desse enfoque junto a seus investidores.

Favaretto mostra-se otimista com a evolução do EESG no Brasil, arriscando que os vários movimentos em favor dessas práticas irão convergir. E finaliza: “Licença para parafrasear o Daniel Darahem, presidente do Morgan Stanley no Brasil: Vamos sair do anexo?”

Vivemos um momento de transição; agora muitos dos que estavam pra trás começam a correr. A constatação é de Roberto Gonzalez, sócio-diretor da iBluezone Governança Corporativa e membro do Conselho de Administração do CDP Latin America. Segundo ele, vai acabar o “embromation” em que algumas empresas fingem adotar certas práticas mas quando expostas a uma análise técnica criteriosa logo descobre-se que não o fazem. “A exemplo da qualidade no século passado, a sustentabilidade ficará assim: ou você tem, ou não tem”. Gonzalez lembra que Vladimir Rioli e Roberto Terziani já “levantavam a lebre” ao final dos anos 1970 e 80, na então Abamec (hoje Apimec).

Em relação ao incentivo e acompanhamento das práticas sustentáveis pelas companhias brasileiras, ele faz uma crítica: “A verdade é que os grandes fundos nunca estiveram engajados; hoje é que a Abrapp mostra-se preocupada, porque daqui a 20 anos seus associados precisarão pagar muitas pensões e necessariamente precisam estar lastreados em companhias de boa gestão e reputação”.

Impactos
A empresa precisa ser responsável em suas ações, reconhecer os impactos que gera e relatar. A receita, aparentemente simples, é do GRI - Global Reporting Initiative. E na condição de receita, se na preparação algo for esquecido ela desanda. Por isso existem tantos cuidados para que nada de incompleto aconteça. Aliás, cuidados que parecem um pouco exagerados por vezes, como os itens que tratam de saúde e segurança no padrão GRI, ao pedir dez itens de reportes para cada, reconhece Gláucia Térreo, head do GRI no Brasil.

De fala calma e articulada, ela mostra um raciocínio simples para ilustrar o que significa exatamente o termo “reconhecer seus impactos” por uma companhia: “Se um funcionário é afastado e fica no INSS, na prática somos todos nós que estamos pagando essa conta. É justo?”.

Para quem se incomoda em “escrever muito” quando faz um relatório no padrão GRI, Gláucia dá um recado: “O que se pede é o necessário. Uma interpretação pessoal não ajuda o investidor, daí a necessidade de indicadores”, diz a diretora, completando adiante: “O objetivo do GRI é que haja base de comparação e nós precisamos subir um pouco a régua e influenciar as empresas a acompanhar esta evolução”.

O EESG - prossegue - é sinônimo de uma gestão robusta. E não faz sentido nenhum tratá-lo como algo apartado. Governança, para o GRI, é mandatória, pontua Glaucia, incitando as companhias a conhecer e entender os indicadores para suprimir ou mitigar riscos. Ela lembra que a intenção de se melhorar indicadores de desempenho é uma luta antiga, com o Ibase, Ethos, o próprio GRI e o SASB (Sustainability Accounting Standards Board) e que se for vista a linha do tempo há que se ter otimismo, pois “a coisa melhorou muito do que era”.

PRI
Os Princípios para o Investimento Responsável (sigla PRI, em inglês) reúnem-se em uma entidade lançada em 2006, em parceria com a Unep Finance Initiative e o UN Global Compact. No Brasil uma parceria com a Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais) tem dado resultados. Nos últimos cinco anos a associação realizou debates junto aos associados e mercado, de uma forma geral, para discutir EESG. “Agora vamos debater ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), junto com o PRI, porque o mercado é dinâmico. Veja por exemplo que o analista sell side começa a levar o assunto para o seu mindset agora”, explica Eduardo Werneck, vice presidente e diretor de Sustentabilidade da Apimec Nacional.

Segundo Werneck, nos últimos dois anos os candidatos à certificação passam por prova de conhecimento sobre sustentabilidade. “Itaú, Bradesco, Santander e pequenas assets estão se abrindo para este mercado e o analista precisa estar atualizado”, comenta, adiantando que a partir daqui todos os investimentos serão norteados pelos ODS. “Qual o futuro do petróleo? Essa é só uma das perguntas que devemos fazer, porque o óleo deve sumir do cenário principal de discussões, não por falta de extração, mas por falta de demanda”, exemplifica. Um dos mais experientes analistas de Sustentabilidade do mercado nacional defende também o pensamento integrado. Mas alerta: “Não o pensamento juntado, combinado, mas o pensamento integrado em sua essência”.

O conceito e práticas do EESG crescem no exterior já faz algum tempo, mas somente agora a onda bateu na terra brasilis. “O gestor brasileiro acordou! O investidor estrangeiro pressiona e as famílias de alta renda do país querem investir mas nem sempre encontram produtos”, constata Gustavo Pimentel, diretor executivo da Sitawi. O mercado, portanto, está em plena expansão. Mas nem sempre foi assim: “Muitas assets tentaram acelerar no passado, mas sempre morriam na praia. Resultado: portfólios com 90% de títulos públicos...”

Hoje as companhias listadas na bolsa estão à frente nessa corrida, diz Pimentel, aduzindo que dos 15 fundos que já tem EESG na carteira, 10 deles já espelhavam o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial da bolsa brasileira). “Se existem mais de dois milhões e meio de CPFs na B3, buscando renda variável, por que não avançarmos com produtos EESG ?”, pergunta, para adiante argumentar que a precificação das ações de companhias que privilegiam a governança e a gestão socioambiental ainda está sendo maturada. “O analista está entendendo isso ainda, porque você pode fazer preço mas não é isto que determina a performance”. Para o diretor da organização que carrega no nome Sitawi - Finanças do Bem, é preciso olhar toda a evolução do mercado e, assim, enxergar possibilidade, como é o caso dos green bonds também.

Greenwashing
A expressão greenwashing - que em linguagem popular poderia ser traduzida como “sustentabilidade pra inglês ver” – faz parte do vocabulário do mercado. Uns a utilizam como referência para explicar algo, outros com ojeriza. Mas o fato é que está aí, para sintetizar uma prática (superficial) que vem sendo deixada de lado, pouco a pouco. “O mercado está em franca evolução e “talvez”, eu grifo a palavra, o greenwashing faça parte desse aprendizado”, pondera Fábio Coelho, presidente da AMEC (Associação de Investidores do Mercado de Capitais), entendendo que os “erros genuínos” devem ser relevados.

Para ele, é importante que todas as empresas estejam convencidas do reporte – e o façam! , defende a necessidade de padronização de informações mas opina que ainda é cedo pra se definir uma métrica específica. “Precisamos discutir um pouco mais isso”, diz, considerando importante a concentração da divulgação em único documento: “Precisamos simplificar a “sopa de letrinhas” e facilitar a vida de todos. Vamos pelo simples. Entendo que a eleição do Relatório Anual como instrumento para se disponibilizar informações é perfeitamente factível, até porque o investidor já está acostumado”. O presidente da AMEC vê as empresas como agentes de transformação e acredita que, se estas forem cobradas pelos investidores institucionais, o serão.

Rentabilidade
Para muitos, a discussão sobre as práticas EESG parece que começou hoje, mas não é verdade. Diferentemente dos mercados da Europa e dos Estados Unidos, os investidores que estavam quietos agora vocalizaram suas preocupações com o mercado brasileiro. “E isso é muito natural, porque não existem três mundos”, raciocina Fábio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos.

O gestor lembra que até uns dois anos a mídia não tratava de EESG, como faz agora. E recorda que em 2018 a discussão mais forte era sobre EVA, ocorrendo, na sequência do tempo, o desastre de Brumadinho (MG), incêndios na Amazônia, vazamento de óleo nas praias brasileiras e, em 2020, a carta de Larry Fink e o Fórum de Davos que colocaram o tema na pauta internacional, com força, além, é claro, da pandemia.

Sobre precificação, afirma que muitos fatores influenciam o valor das ações. E cita Vale e JBS como exemplos de precificação piores. Em sua visão o Brasil precisa avançar mais na questão EESG e criar massa crítica: “Senão vejamos, nos Estados Unidos a discussão já é bem avançada e por isso o investidor pode escolher entre os 2.000 fundos à disposição”. Alperowitch garante que um fundo EESG tem menos risco e performance melhor, exemplificando com o que criou, na Fama, há 27 anos: “Temos rentabilidade de 21% a.a. contra 14% do ibovespa”. Enfático, ele dispara: “EESG não é métrica, não é um “puxadinho”, é um conceito que precisa contemplar todos os stakeholders, não apenas os shareholders”.

Sociedade
A chamada sociedade civil organizada está cada vez mais atuante em relação à governança e às questões sociais e ambientais que permeiam essa discussão. “A cobrança será cada vez maior e eu não tenho dúvidas que os investidores têm papel da maior relevância nisso”, comenta Marcelo Siqueira, head da Sumaq, empresa de comunicação financeira. Para ele, o despertar para as questões sustentáveis dão um novo alento à própria civilização.

Quem também se organiza melhor para estudar e debater essas questões é o IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores), que acaba de criar uma Comissão EESG. Para coordenar o grupo, integrado por 13 profissionais de diferentes companhias, foi indicado Rafael Mingone (Gerdau), tendo como subcoordenadora Natasha Utescher (Duratex).

De maneira sincronizada, os Institutos Akatu; Ethos; Clima e Sociedade; Democracia e Sustentabilidade; Escolhas, ISPN, CDP, Centro Brasil no Clima, Observatório do Clima, Rede Ação Política pela Sustentabilidade, Rede Advocacy Colaborativo e WWF atuam em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, para influenciar no que designaram de Reforma Tributária Sustentável, consubstanciada em nove propostas (http://estafaltandoverde.org.br). Da mesma forma lutam por um país que entendem mais adequado, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento), Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem) e a Única-União da Indústria de Cana-de-Açúcar, entre outros. Enfim, a discussão é longa e espera-se que seja produtiva.

Blended Finance
Existem US$ 350 trilhões de ativos financeiros sobrevoando nossas cabeças, pelo mundo. Se alcançarmos 1% desse valor, ao ano, até 2030 teremos o suficiente para financiar todos os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável). A conta, rápida, é de Eliane Lustosa, economista e PhD em finanças, que define o Blended Finance como um ato de somar.

 “Interessante é esse mundo pós-Covid, que refreou o frenesi do dia a dia e nos fez perceber a grande desigualdade social que existe no mundo e, em particular, no Brasil”, destaca ela. E acrescenta: “A isto some-se o uso indevido dos recursos naturais. É um absurdo tudo isso, mas a sensação é que ninguém olhava antes...”

Em razão de tais constatações, a ex-diretora do BNDES entende que iniciativas baseadas no Blended Finance poderiam se apresentar como solução. “Precisamos de projetos sustentáveis, pois muitas vezes estes morrem por falta de fôlego financeiro”, relata, ao propor a discussão de se misturar capitais, de filantropia e de mercado de capitais mesmo. E isto não é propriamente novo, pois já existem iniciativas dentro do modelo.

Dotar as comunidades de infraestrutura, por exemplo, pode ser um desses projetos. “Às vezes o risco de execução é alto, o projeto pode demorar, mas acho que valeria a pena. E quando o risco for alto, o BNDES pode entrar para mitigá-lo”. Estabelecer um modelo de negócio, “empacotar o produto” e trabalhar dentro do blended pode se tornar atrativo para o mercado absorver melhor, avalia a economista.

As atitudes da sociedade, através dos stakeholders, vêm mudando rapidamente, e propiciando um novo e saudável ambiente nos negócios. Adotar as práticas EESG não é um limitador. É sim, uma oportunidade de bons e sustentáveis negócios, refletindo para o bem de toda a sociedade.

O Brasil e as práticas EESG
Procuramos ouvir uma fonte do Ministério da Economia sobre o tema EESG. A assessoria do ME prontamente nos atendeu, respondendo as questões abaixo.

RI: A economia internacional, tem privilegiado a prática de EESG - Economic, Environmental, Social, and Governance em suas organizações. Como o governo enxerga isto? Há uma política de incentivos pela maior transparência e práticas sociais e ambientais e de governança, de parte da iniciativa privada e de entidades públicas?

Ministério da Economia (ME): O governo entende que a prática de incorporar os critérios EESG em análises de risco e retorno dos investimentos e atividades corporativas é bastante positiva para o País, na medida que possibilita uma avaliação mais completa da performance financeira futura de estratégias empresariais ou mesmo de um investimento no mercado de capitais. Da parte do governo não há uma política de incentivos, mas sim um conjunto de regulações do Conselho Monetário Nacional que versa sobre o tema, entre as quais: Res. CMN 4.327/2014, que dispõe sobre as diretrizes que devem ser observadas no estabelecimento e na implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; Res. CMN 4.661/2018, que estabelece às aplicações dos fundos de pensão a observância, sempre que possível, dos aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos; e Res. CMN 4.769/2019, que estabelece às aplicações dos fundos das sociedades seguradoras e de capitalização bem como das entidades abertas de previdência complementar e dos resseguradores locais a observância, sempre que possível, dos aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos.

RI: A questão de "Títulos Verdes" também vem ganhando importância no mercado internacional. Como o Ministério se posiciona? Haverá algum incentivo para os créditos de carbono ou se espera que o mercado se autorregule?

ME: O Ministério da Economia (ME) entende que o mercado de Títulos Verdes no Brasil precisa ser desenvolvido pois é capaz de atrair recursos de investidores com mandato direcionado a aplicações / investimentos sustentáveis do ponto de vista ambiental. Importa salientar que esta tendência internacional é crescente e em especial a investimentos em mercados emergentes como o Brasil pois além de garantir a observância de critérios ambientais dos investimentos, permite a estes melhor governança devido ao próprio processo em que são submetidos, como certificação, rating ou segunda opinião. Recentemente foi publicado o Decreto 10.387/2020, em que garantiu o fast-track do processo de aprovação de projetos de infraestrutura para que possam emitir debêntures verdes no âmbito da Lei 12.431/2011. Em relação a incentivos para a existência de créditos de carbono, a pergunta pode ser melhor encaminhada pela SEPEC, responsável no ME por estudo para criação do mercado de carbono. 

RI: O EESG traz, em sua essência, as questões ambiental e social. Como resolver a desconfiança do investidor internacional, que cobra políticas mais agressivas do governo em relação à proteção da Amazônia, para aportar seu capital ?

ME: Sobre a alegada desconfiança do investidor internacional em relação à proteção da Amazônia, ela foi promovida em grande parte pela manifestação, assinada em carta aberta ao Brasil em junho deste ano, de um grupo de 29 investidores contra o desmatamento na Amazônia. Dentre as preocupações, foi citado o PL 2633 (inicialmente uma Medida Provisória), que legaliza ocupações em áreas públicas sobretudo na Amazônia e a atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Faz-se necessário, portanto, endereçar as dúvidas e questionamentos feitos por estes investidores globais no intuito de eliminar ruídos causados na comunicação com os investidores. Dados e informações sobre esse tema podem ser obtidos na Nota Informativa sobre Preservação Ambiental e Investimento Direto Estrangeiro elaborada pela Secretaria de Política Econômica. Ela está disponsível no seguinte link: www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/estudos-economicos/2020/nota-informativa-preservacao-ambiental-e-investimento-direto-estrangeiro/view

RI: Relativamente à questão social, como equalizar o desequilíbrio que temos no País? O Renda Brasil conseguirá isso? 

ME): Neste momento, o Ministério da Economia não irá se pronunciar sobre o assunto.

RI: E, por fim, qual a posição do Ministério em relação ao estouro do teto de gastos públicos? A Pasta será sensível a uma negociação com o Congresso, por exemplo?

ME: O Ministério da Economia esclarece que não existe perspectiva que implique em alterar o teto dos gastos. Pelo contrário, o teto vai ser cumprido e observado, pois é a âncora da solidez fiscal do país.


Continua...