AMEC | Opinião

TEMPORADA DE ASSEMBLEIAS 2021 SERÁ TERMÔMETRO DA GOVERNANÇA NO PÓS-PANDEMIA

A temporada de Assembleias Gerais Ordinárias que se aproxima será um termômetro da maturidade da governança corporativa no Brasil após todas as adaptações necessárias na dinâmica empresarial por ocasião do conturbado ano de 2020.

O vírus transformou a dinâmica das assembleias, que no último ano foram postergadas em até 3 meses, e permitiu um grande aprendizado sobre a dinâmica de conclaves totalmente digitais. Depois de casos societários que não deixarão saudades e de um aquecimento nas ofertas iniciais, o que esperar em 2021? Deixo aqui alguns pontos que estarão no radar dos investidores.

Engajamento de investidores institucionais
Para praticar o que chamamos de engajamento com empresas investidas é necessário que os investidores participem das decisões estratégicas nas assembleias das empresas, o que infelizmente ainda não é algo consolidado no Brasil. No entanto, acredito que um dos aspectos positivos da Pandemia para o mercado de capitais será a ampliação da interação dos investidores com empresas alvo, dentro do espírito de discussão ESG, permitindo que Conselheiros, executivos e acionistas gerem maior interação. Tudo isso se insere na construção das práticas de Stewardship no país.

A emergência das Assembleias Digitais
As Assembleias em formato digital devem se consolidar neste ano. A pandemia forçou essa migração e as companhias tiveram que acelerar as mudanças. Recebemos muitos relatos de que o ambiente digital reduziu o número de viagens para cobertura de Assembleias de empresas, permitindo que houvesse uma interação maior. Entre os investidores, há um certo consenso de que os modelos híbridos deverão ser a opção mais adequada, abrindo a possibilidade para também haver encontros presenciais se as condições sanitárias permitirem. Isso se mostrou necessário sobretudo em empresas com bases acionárias mais dispersas ou que já foram alvo de discussões mais acirradas sobre temas na pauta. Vale lembrar o caso da Petrobras em 2020, onde a reunião se estendeu até a madrugada.

Empresas pós IPOs
A temporada 2021 será o momento em que as novas entrantes na bolsa terão suas estruturas de governança testadas pela primeira vez. Estimuladas pela oportunidade e urgência da captação de recursos, muitas dessas companhias não se prepararam adequadamente para a abertura de capital e chegam ao mercado ainda com cultura familiar. O relacionamento dos investidores com essas empresas será fundamental para que haja aprendizado rápido.

Governança em empresas Estatais
A alta concentração de propriedade das empresas de capital aberto no Brasil, marcada pela presença ainda relevante de acionistas do setor público e de controle familiar, é recorrentemente apontada pela literatura como vetor de ineficiências no mercado de capitais local e pode desencorajar acionistas minoritários a adotarem uma postura mais ativa nessas reuniões. Em episódios recentes com o Banco do Brasil e Petrobrás, tivemos uma indicação de que o governo, na condição de acionista controlador, ainda demonstra certa dificuldade para entender que empresas listadas prestam contas também para outros investidores, e que, portanto, não podem se submeter a decisões monocráticas sem a devida discussão em seus fóruns de governança.

Diversidade de Gênero nos Conselhos
Uma pesquisa do capítulo brasileiro do 30% Club, movimento que visa ampliar o equilíbrio de gênero no comando das empresas, mostra que mulheres ocupavam apenas 11,2 por cento dos vagas nos conselhos das empresas que realizaram IPOs até setembro último. O conselho de apenas uma empresa era presidido por uma mulher e oito das estreantes não tinham sequer uma mulher no board. A situação é mais preocupante ao se pensar que, no IBRX 100, índice que compila as 100 maiores empresas da bolsa brasileira, a proporção de mulheres no board é ainda menor: somente 10 por cento. Nesse contexto, as próprias agências de proxy voting já estabeleçam a recomendação de rejeição de chapas de conselho exclusivamente masculinas. Em 2021 esse deve ser um dos principais temas em debate.

Sofisticação das áreas de RI
O ambiente de juros de longo prazo estruturalmente baixos nos últimos anos gerou profundas mudanças no mercado de capitais brasileiro e, entre elas, o aumento do número de investidores pessoa física na base acionária das empresas listadas. Com isso novas demandas por parte dos acionistas, que precisam utilizar os canais institucionais para instigar as empresas a promover mudanças. Por sua vez, os departamentos de Relação com Investidores das empresas precisam estar prontos a fornecer as respostas apropriadas para cada caso. Esta relação ainda precisa amadurecer no mercado brasileiro e acreditamos que as AGOs de 2021 devem marcar uma etapa importante no processo.

Responsabilidade socioambiental e de governança seguem no holofote
Temas que estão repercutindo no exterior também devem estar no radar dos investidores institucionais brasileiros. Entre eles, o aumento de práticas envolvendo princípios de responsabilidade socioambiental e governança deverão ganhar ainda mais visibilidade nas AGOs. De maneira geral, os investidores brasileiros ainda estão aprendendo a incorporar esses temas em seus processos de investimento e práticas de engajamento, com raras exceções de assets com efetiva experiência. Isso significa que há um enorme espaço para neste ano empresas e investidores encontrem um caminho possível para discussão desses assuntos, estimulando a criação de comitês de sustentabilidade e fortalecendo a transparência com a divulgação de dados e relatórios sobre o tema.

Em resumo, vemos 2021 ainda como um ano de transição e de normalização, apesar dos crescentes riscos de novos lockdowns nas grandes cidades brasileiras. Há grande expectativa para que as assembleias sejam mais previsíveis do que aquelas de 2020, mas certamente ainda estamos distantes do que pode se chamar normalidade (ou novo normal). A busca por um mercado de capitais mais sólido e inclusivo dependerá fortemente do sucesso dessas reuniões, afastando lembranças desagradáveis do ano que insiste em não terminar.


Fábio Henrique de Sousa Coelho
é presidente da Amec - Associação de Investidores no Mercado de Capitais e ex-superintendente da Previc.
fabio.coelho@amecbrasil.org.br


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