Em meio a todo o atordoamento vivido pelos agentes  econômicos hoje em dia, a sua nomeação representa uma novidade importante. Não  estamos falando aqui da sua visão econômica. Ou da escola onde se formou. Nem  tampouco da familiaridade com as questões do sistema financeiro. Pela primeira  vez em muitos anos temos no governo um especialista em microeconomia. E é sobre  isso que gostaríamos de falar.
Não  precisamos gastar tinta ou – mais valioso – o seu tempo relatando a atual  situação no mercado de capitais brasileiro. Você a conhece como poucos. Conhece  seu papel para o desenvolvimento econômico, para o financiamento de nossas  empresas, para a criação de empregos e para o aumento da transparência e da  formalização dos diversos setores de nossa economia. Não precisamos lembrar que  o mercado de capitais tem um papel social, que é canalizar a poupança privada  para financiar o setor produtivo.
E  isso não está acontecendo. Em 2014   a Amec contabilizou 13 operações de fechamento de  capital ou assemelhados (OPAs, aumentos de participação, saída de segmentos de  listagem, reestruturação, etc). Houve apenas um IPO. Ah, sim, houve também uma  importante operação de follow on, de triste lembrança. Isso sem contar  com inúmeras transações de recompras de ações e de “compras estratégicas”,  muitas vezes a preços superiores ao de mercado, que representam um enxugamento  das ações em circulação. Ronda novamente entre nós o fantasma dos fechamentos brancos  de capital.
Começamos  2015 com a notícia de mais dois fechamentos de capital. Uma das empresas, Souza  Cruz, se dispõe a encerrar um período de 69 anos como empresa aberta no Brasil.
Ministro:  algo muito errado está acontecendo. Não se trata de um problema de perspectivas  econômicas ou risco político. Não precisamos apelar aos acadêmicos de Chicago  para dizer que num mercado em bom funcionamento essas perspectivas se ajustam  nos preços dos ativos, e afetam todos os participantes – compradores e vendedores.  Não deveriam, portanto, ser determinantes para a ausência de aberturas de  capital, e para a debandada de empresas da BMF Bovespa. Markets clear.
Vivemos  um problema institucional. O mercado não está funcionando. E o problema é  microeconômico – não macro. A Amec tem debatido esse assunto à exaustão desde  sua fundação, e gostaria aqui de oferecer 4 frentes para entender – e quiçá  reverter - a deterioração do nosso mercado: (1) esgarçamento de valores; (2)  desrespeito aos direitos dos minoritários; (3) dificuldades de enforcement das proteções existentes; e (4) percepção de problemas de políticas públicas.
Os  valores a que fazemos referência dizem respeito à integridade da instituição  ‘mercado de capitais’. Um local de confiança e transparência, onde investidores  podem empenhar sua poupança com segurança, e de acordo com os riscos que deseja  assumir. O combinado não sai caro. Mas esses valores foram se perdendo nos  últimos anos. O pragmatismo tomou o lugar da visão. Viabilizar a ‘próxima’  operação é mais importante do que preservar os pilares do sistema. Conflitos de  interesse são rotineiramente jogados a escanteio – ‘para posterior análise’ –  enquanto investidores são reduzidos a pó em tenebrosas transações. Princípios  de alinhamento de interesse tais como o one-share, one-vote – pilar  essencial do Novo Mercado – passam a ser considerados preciosismos de gente  ingênua. Se tínhamos problema com as preferenciais de dois terços do capital,  agora temos a SUPER PREFERENCIAL, que vale 70 vezes mais que a ação com direito  a voto e permite alavancagem antes inimaginável dos acionistas controladores.
E  tudo com a concordância – às vezes entusiástica – daqueles que deveriam ser os gatekeepers de nosso mercado. Veja, Ministro, como agem os agentes... há que se refletir  sobre os incentivos que atuam sobre eles.
Já  o desrespeito aos minoritários é evidente numa matemática simples. Ao se  comprar 1% de uma empresa, é natural que o investidor deseje ter 1% de seu  fluxo de caixa. Esta é a premissa básica ao se calcular um fluxo de caixa  descontado e dividir pelo número de ações. Mas por mais tautológica que esta  premissa se pareça, ela é uma ficção no Brasil. Evidência A: os elevados  prêmios sendo pagos a detentores de lotes “estratégicos” em companhias de  capital aberto. Claro que a lei não proíbe que isso aconteça. Mas, como já  exploramos neste espaço, se alguém está disposto a pagar um prêmio por um lote  de ações, seguramente espera ser compensado por isso. Se a empresa vale 100 e  alguém compra 10% por 20, os 90% restantes automaticamente devem valer 80. Não  há mágica; não há máquina de fazer dinheiro. O valor sai do mesmo lugar, que é  a empresa. E os minoritários ficam não apenas com o valor depreciado, mas mais  ainda com uma incerteza de quanto é esse valor, pois depende da agressividade  das estratégias utilizadas para canalizar valor para os “estratégicos”.
Os  repetidos casos de prêmios pagos pelas mais diversas razões mostram um mercado  doente. Na década de 90 fomos capazes de reduzir essa assimetria de percepção de  valor através de instrumentos como o tag along e o Novo Mercado.  Infelizmente, esses instrumentos envelheceram e são hoje uma sombra do que já  representaram no passado. É preciso uma nova leva de reformas microeconômicas  para garantir que os minoritários sejam tratados com equidade – ou pelo menos  com dignidade.
Isso  só ocorrerá quando tivermos uma estrutura de enforcement eficaz. Apesar  dos hercúleos esforços de seus funcionários, a CVM não tem conseguido  corresponder às (talvez infladas) expectativas dos participantes do mercado. O  próprio presidente da autarquia já mencionou a necessidade de mais poderes e  maiores punições. Mas nada disso terá muito impacto até que se estabeleça  definitivamente a prevalência da essência sobre a forma. Doutos juristas utilizam-se  de labirínticas normas e procedimentos para tornar ineficazes os mais básicos  direitos de acionistas consagrados na Lei 6.404 – que o diga o velho tag  along. O mesmo pode ser dito para a estrutura autorregulatória, que muitas  vezes foca nas vírgulas enquanto passam manadas de abusos que ferem os  investidores. E o insider trading segue na percepção dos investidores  estrangeiros como sendo um câncer do mercado brasileiro, sem que consigamos  extirpá-lo de maneira eficaz.
Por  último, o mercado sente-se abandonado. Muitas vezes esquecido, outras vezes  maltratado como ‘dano colateral’ em determinadas políticas deliberadas no  Planalto Central. O mercado não precisa ser o foco das políticas públicas –  isso não faria nenhum sentido. Mas que as consequências sobre ele sejam  sopesadas e mensuradas já seria um grande avanço. Um primeiro passo seria  buscar uma harmonia na direção e na comunicação das políticas. O segundo – o  estancamento da dramática destruição de valor nas empresas de economia mista.
Ministro,  seguramente um de seus maiores desafios macroeconômicos é colocar ordem nas  contas públicas. Certamente, se o mercado de capitais renascer, ele pode  colaborar fortemente a atingir esses desafios.
E  não estamos falando de estímulo – apenas em deixar o mercado sobreviver.
(*) A AMEC publica mensalmente na Revista RI  - artigos a respeito de posições importantes para a associação. O objetivo é  facilitar o reconhecimento da Amec como referência em discussões a respeito do  nosso mercado de capitais, e difundir as ideias defendidas pela associação para  o público em geral.
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