Relações com Investidores

RI: NOVOS TEMPOS, NOVOS RELACIONAMENTOS

O trabalho do profissional de Relações com Investidores (RI) nos próximos semestres será árduo e inglório. Sabemos que, pelas condições do mercado, isso está garantido. Foi-se o tempo em que o “piloto automático” de divulgação de resultados, conferências e roadshows davam conta do recado. Temos um quadro de companhias com excelentes executivos, bons planos estratégicos, mas completamente assoladas pelos descalabros macroeconômicos advindos do Planalto. Milagre não dá para fazer. E a cada dia que olhamos o desempenho do mercado acionário entendemos melhor a razão do desânimo. Portanto, a luta agora é contar a história de como se está preparado - ou se preparando - para a reviravolta.

Impossível falar com gestores internacionais - alguns sempre os mesmos - e não fugir de estereótipos, ou tipificação básica da companhia. Partindo da Santíssima Trindade de “Região, Setor e Market Cap”, podemos (e devemos) falar que a narrativa a ser preparada é evitar por vezes o contágio geral. Como numa espécie de sinédoque, onde a parte aparenta ser o todo, numa forte metonímia. Divago, porém sobre o filme Sinédoque New York, escrito e dirigido por Charlie Kaufman em 2008, possibilita uma boa ideia sobre o que me refiro. Ou seja, para o bem ou para o mal, sua companhia é única e exclusiva, e o roteiro de conversas com potenciais novos gestores tem que partir desse princípio.

Voltando aos estereótipos brasileiros, fiquei muito surpreso com alguns dados de um estudo recente do setor de Recibos Depositários do Deutsche Bank sobre o quadro de nossas ADRs. Reza a lenda, verdadeira, que somos o país exportador de commodities por excelência. No entanto, se observarmos o peso e distribuição de investimento setorial de ADRs, não parece que os gestores se preocupam somente com a “fama”, mas fazem uma análise mais arguta e diferente. O maior peso de investimento em setor vem primeiro em “Utilities” com 22%, “Consumer” com 17%, “Basic Materials” com 15%, “Financials” com 13% e “Industrials” com 11%. Nesse caso a percepção ficou com a medalha de bronze.

Outro dado interessante do mesmo estudo, é a curva do que chamaria de “negative inflows” (explicando uma queda por assim dizer), que data desde 2011. Ou seja, se compararmos esse dado com o comportamento do Ibovespa, percebe-se uma aposta no estrangulamento do capital privado promovido (por ação, omissão ou comissão – sem trocadilho) pelas políticas macro implementadas pelo governo. Sendo justo, sim com pitada de marolas internacionais. Mas e daí? Outros se prepararam melhor na parte macro. O Brasil é conhecido por seus surfistas big-riders, de ondas grandes. A desculpa não cola. Foi a gestão.

A questão do relacionamento entre investimento e política tributária (IOF) é batata. Como nota o estudo, os arbitrageurs saíram de cena e, com a remoção em 2013, houve uma ligeira guinada de volta no ponteiro. O governo teve que entrar onde o capital privado estava sentado no financiamento de empresas via equity. Falamos aqui do casamento entre entes tributários e fiscais. Não fiz um cálculo, mas se não fosse a sandice dessa tentativa de capitalização tributária pífia, poderíamos ter um quadro fiscal melhor via captação e apetite para follow-ons e IPOS, sustentável, partindo do princípio das expectativas. Mas o ioiô com o IOF institucionaliza o “crowding out” do privado. Podemos aferir por tabela. Em 2013, por exemplo, o crescimento do “placement” global de ADRs cresceu 35%! O Brasil responde por 12% de todos os recibos depositários globais, e 85% dos regionais da América Latina. Se o “placement” fosse proporcional, muito de nossos colegas em “corporate access” de bancos não estariam desempregados. Dilma “1.0” protegeu setores, mas o profissional do setor de serviços, na importante “indústria” de capitalização de atividades e empresas é demonizado como se fosse um faraó ou marajá. Ele também vai ao supermercado, paga seu carro parcelado, e por aí vai. E, pelo que consta, tem uma boca, duas orelhas e um nariz.

A narrativa deve se ater então para o famoso “cherry picking”, ou seja, para ser a cereja escolhida da vez. Outras tendências são um pouco mais auspiciosas. A aferição do último trimestre do ano em relação ao “Institutional Capture Rate” (ICR) demonstra uns dados também surpreendentes. O ICR é um barômetro de grande valia desenvolvido pela Ipreo que mede a “captura” - ou maior investimento - de gestores institucionais de longo-prazo. Contrapondo-se aos alternativos, ou hedge, pode-se inferir muita coisa.

A maior convergência entre o investimento entre “large cap” e “small cap” está mais para um arrefecimento do trading eletrônico de alta frequência (HFT). Ou seja, menos impacto em large caps dada a volatilidade do setor de energia e petróleo, mas com estabilidade institucional para mid-caps. Ao contrário do estudo do Deutsche, onde a metáfora da parte do todo cabia, aqui trabalhamos com o extremo oposto. Analisamos então uma captura institucional global para depreender algo. O volume cresceu muito. Curiosamente, mas não de todo surpreendente, o trading teve um peso grande de energia e materiais básicos, precisamente pela incerteza e volatilidade. Os setores de consumo e tecnologia ficaram mais estáticos.

Mas o diabo está nos detalhes. O ICR captura as duas pontas da transação. Um fato curioso do mercado norte-americano exemplifica melhor uma tendência pouco auspiciosa. Mas que deve servir para calibrar e sintonizar ainda mais a narrativa do profissional de relações com investidores. Das transações do S&P 600, uma em cada dez veio de três companhias. Arch Coal, AK Steel e Penn Virginia. E essa concentração absurda levou a uma média de ICR de 17.5% em energia e materiais básicos. Esse percentual nunca tinha ficado abaixo de 20% desde a crise de 2008. Ou seja, um cenário norte-americano mais incerto no lado de equities, com a Espada de Dâmocles do aumento de juros no pescoço do planeta, torna a tarefa mais difícil. Haja criatividade no “story-telling”.

Estaremos assim todos a reboque de variações de humor do mercado por prognósticos feitos quanto a medidas macro, e seus efeitos pontuais neste ou naquele setor. Mas o profissional da companhia aberta não é ministro nem secretário executivo de políticas. O trabalho continua, a criatividade será imprescindível, e o (real) conhecimento traduz-se em poder. O grande desafio é sempre separar o joio do trigo. Mas hoje em dia, chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. Muito joio está sendo visto como trigo e vice-versa. Sabemos que hedge é hedge. Impedir os ganhos nas apostas negativas torna-se mister. O que não deixou de ser um fato é que os canais estão muito abertos. A hora é de muito trabalho. E não de desanimar, olhando a banda passar...



Fernando G. Carneiro
é Managing Director para a América Latina da Ipreo.
Fernando.Carneiro@ipreo.com


Continua...