Mercado de Capitais

INVESTIDORES: PREDILEÇÃO HISTÓRICA PELA RENDA FIXA

Artigo recente, do jornal Valor, apresenta uma série de números sobre a participação dos investidores coletivos na Bolsa, que realmente são alarmantes! Desconfiávamos que o quadro não era definitivamente brilhante, mas a realidade superou minhas modestas expectativas.

Senão vejamos:

  1. As ações locais nos fundos de investimento vêm diminuindo desde 2011.
  2. Ao final de 2014 era de 11,73%, tendo atingido o último pico em 2010 com 17,99%.
  3. Entre 2013 e 2014 o valor aplicado em ações pelos Fundos diminuiu em R$ 28,4 bilhões e o valor registrado foi praticamente de R$ 300 bilhões, o menor valor desde 2009.
  4. A renda fixa, leia-se operações comprometidas e investimentos em títulos públicos, nesses 4 últimos anos atingiu 62,96% do patrimônio total dos Fundos de R$ 2,6 trilhões.
  5. Nesse mesmo período o total aplicado em títulos privados passou de 19,3% para 22,3%!
  6. As letras financeiras nesse período passaram de 6,43% para 10,66% na carteira dos Fundos.
  7. Isso implica que a renda fixa avançou de 81,74% em 2010 para 88,15% em 2014 nos portfólios!
  8. A última vez que a Ibovespa liderou os ganhos para os investidores foi em 2009. De lá para cá, nos últimos 4 anos, ficou na rabeira, em último lugar na rentabilidade para aplicadores.
  9. O investidor de varejo, inclusive o setor de alta renda, fechou 2014 representando 15% do total. Dez anos atrás esse percentual era de 31%!
  10. As carteiras administradas por 2 grandes bancos foram as que mais cresceram entre as pessoas físicas de menor patrimônio. No entanto, esse crescimento está sendo basicamente direcionado para os fundos DI e de curto prazo.


Constato que ainda sofremos a síndrome do “curto prazismo” e da garantia da renda fixa, fato esse que, nos meus mais de 50 anos de mercado, não conseguimos superar!

Esse comportamento nos acompanha desde sempre e foram se consolidando ao longo do tempo. As cadernetas de poupança certamente ocupavam posição de maior relevância nessa predileção. Anos de altíssimas taxas de inflação encontraram na CP um instrumento como a correção monetária que lhes protegia do desgaste da moeda e que ao mesmo tempo oferecia ao investidor um ganho real!

Mesmo com diferentes tipos de incentivos para estimular a alteração do comportamento do investidor, os resultados alcançados foram bem modestos, apesar de em alguns momentos mostrarem que estávamos conseguindo alguns avanços na diversificação dos “portfólios”.

O quadro abaixo, baseado em levantamentos feitos pelo Instituto IBMEC, mostra que entre 1980 e 1990, o valor de mercado das empresas listadas em Bolsa não ultrapassava 3% do PIB. O bem sucedido Plano Real criou certas condições para uma contribuição relevante do Mercado de Capitais para o desenvolvimento, conforme se pode verificar abaixo:

Indicador  2002  2007
Capitalização de Mercado (%PIB) 29,7 93,1
Volume diário de negócios (U$$ milhões) 165,9 2170
Número de IPOs 2 62
Número de Follow-on 2 8
Índice Bovespa 11,3 63,9

No entanto, o que vimos até agora vem reiterando o comportamento do passado. Essa predileção é agravada pela forte presença dos títulos públicos, oferecendo retornos bem acima da expectativa de inflação e com maiores taxas reais praticadas em diferentes mercados.

Enquanto os chamados países “desenvolvidos” operam hoje com taxas de juros negativas, isto é, as aplicações com renda fixa não cobrem a inflação, aqui vivemos situação exatamente oposta. A ele se acrescenta um cenário de baixo ou não crescimento na economia e com as variáveis macroeconômicas sinalizando números bem pouco animadores.

Evidentemente não se poderá esperar dos investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros, comportamento como aplicadores, diferente do que se pode constatar.

No entanto, não podemos nos conformar com essa situação. É certo que existem aspectos culturais já salientados que explicam esse tipo de comportamento, agravado como dissemos por um cenário desestimulante para o investidor de renda variável!

Portanto, entendendo e adiantando que esse quadro terá que ser alterado para que país supere a situação atual, campanhas educativas nos mais diferentes níveis deverão continuar sendo patrocinadas e incentivadas.

A esse propósito está sendo programada a 2ª Semana Nacional de Educação Financeira – ENEF (Estratégia Nacional de Educação Financeiro) em março. O tema será: Educação financeira nas escolas. A 1ª Semana ENEF, realizada em maio de 2014, contou com mais de 170 ações, entre palestras, cursos, workshops, gincanas e concursos culturais, promovidas por diversos segmentos da sociedade.

Este ano, a proposta do Comitê Nacional de Educação Financeira – CONEF, coordenador do evento, é incentivar a participação das escolas. Afinal, a escola é o espaço ideal para promover a educação financeira, aplicada como tema transversal e dialogando com as diversas disciplinas do sistema de Educação do Ensino Médio e Fundamental. É um ambiente onde estudantes aprendem não somente os conhecimentos cognitivos, mas também o que lhes proporciona capacidade de administrar sua vida em sociedade, onde possam aprender a fazer escolhas e a sonhar, e descobrir formas de realização desses caminhos que foram traçados. Desenvolver educação financeira em sala de aula, portanto, é uma importante contribuição para um futuro financeiro melhor para os estudantes e para o fortalecimento da cidadania.

Sobre a ENEF - A Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) é uma política pública lançada em 2010, com a finalidade de promover a educação financeira e previdenciária da população, bem como contribuir para o fortalecimento da cidadania, a eficiência e solidez do sistema financeiro nacional e a tomada de decisões conscientes por parte dos consumidores.

A iniciativa da ENEF, lançada em 2010, , merece integral apoio e já tem o suporte de vários Ministérios, do Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários, PREVI, SUSEP, ANBIMA, BM&FBovespa, CNSeg e Febraban.

Concluindo, em momentos difíceis como esses que estamos vivendo, não devemos desanimar e sim aproveitar para lançar as bases de um desenvolvimento sustentável para o mercado de capitais.



Roberto Teixeira da Costa
economista, foi o primeiro presidente da CVM,
e um dos responsáveis pela organização e instalação
da Comissão de Valores Mobiliários no Brasil.
roberto.costa@sulamerica.com.br


Continua...