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MERCADO DE AÇÕES: A DIFÍCIL CONCORRÊNCIA COM A RENDA FIXA

No final de 2014, com a acirrada disputa eleitoral, o mercado de capitais reagia com preocupação à possibilidade de reeleição da Presidente Dilma, dando a entender que torcia para oposição. A própria campanha da candidata enfatizava este fato, insinuando que defender a independência do Banco Central era entregar o País aos banqueiros, gerando privilégios aos ricos em detrimento dos mais pobres.

Passado um ano do novo governo, o mau humor do mercado de capitais persiste e vem contaminando outros setores da economia, que, diante de um cenário de recessão, juros altos, inflação persistente, contabilizam prejuízos, corrosão de renda real, aumento do desemprego, etc.

O presente texto tem objetivo propor algumas reflexões sobre o quanto a atual política econômica contribui para as preocupações dos participantes do mercado de capitais, passando pela análise das possíveis causas das elevadas taxas de juros no Brasil, pela análise de o quanto a política de juros reais elevados é um obstáculo para o direcionamento da poupança interna para mercado de capitais e pela comparação dos ganhos obtidos pelos investidores no mercado acionário brasileiro em relação à renda fixa.

Um Crime Quase Perfeito
Sempre que o Comitê de Política Monetária – COPOM eleva os juros, a imprensa repercute junto aos setores da economia a decisão, havendo protestos, quase unânimes, entre os representantes da indústria, comércio, agricultura e dos trabalhadores, reclamando pela prática da austeridade monetária e seus efeitos sobre o consumo, o investimento, o crédito agrícola e o desemprego.

Esses protestos poderiam ser divididos com representantes da administração pública, tais como o Ministro da Fazenda e o Ministro do Planejamento, sem esquecer dos responsáveis pelas pastas da infraestrutura e educação, cabendo ainda incluir o Congresso Nacional. Ocorre que quando o Banco Central lança mão da austeridade monetária para combater choques inflacionários, ele está fazendo o seu papel de defender a moeda.

Numa análise da economia brasileira, é possível verificar que as causas do descontrole inflacionário iniciado a partir de 2012, pode ser justificado pelo descontrole das contas públicas implementado gradativamente a partir de 2009, com uma ampla gama de desonerações fiscais e aumento de gasto público para enfrentar a crise de 2008. Tal movimento de relaxamento de metas fiscais se agravou bastante nos períodos seguintes, principalmente quando combinados com calendários eleitorais, chegando ao ápice em 2014 e 2015.

A equipe econômica demorou para admitir o exagerado descontrole fiscal. De outro lado, teve dificuldades em propor e implementar um plano que contemplasse um rápido ajuste, seja pela falta de convicção ou pela absoluta incapacidade de construir uma base de sustentação parlamentar coesa. Para agravar o quadro, os inomináveis equívocos na gestão da Petrobrás, impedem que a economia se aproprie da queda do preço do barril de petróleo. A consequência dessa gestão ineficiente levou à geração de déficits crescentes, elevação do endividamento público, perda de grau de investimento, elevação do custo de captação externa e desvalorização do real frente ao dólar – combustível à inflação.

Em síntese, é possível concluir que a política do Banco Central é consequência de fatores estruturais da economia e que culpar o Banco Central pelas altas taxas de juros parece uma análise simplista. Seria mais razoável exigir mais responsabilidade fiscal e eficiência no gasto público, bem como a construção de parcerias público privadas, capazes de melhorar a infraestrutura do Brasil. Além disso, os legisladores precisam pensar no longo prazo e colocar na pauta a reformas para reduzir o custo Brasil.

Porque Correr Riscos
Os fundamentos do processo de poupança e investimento pressupõem que o mercado financeiro tem como principal objetivo conectar de forma eficiente os demandadores e ofertadores de recursos, permitindo que os agentes superavitários obtenham remuneração pelo capital ocioso, mitigando riscos compatíveis com suas necessidades de liquidez. Já os agentes deficitários acessam capital para antecipar satisfação e/ou investir o capital emprestado de forma a gerar retornos superiores ao custo de capital, mitigando à exposição ao risco.

Já dentro da teoria da racionalidade das decisões dos investidores, se assume que a alocação dos recursos e a expectativa de retorno está diretamente associada aos riscos envolvidos – assumindo como conceito de risco, a probabilidade de perdas. Em termos práticos, o processo de escolha dos investidores ocorre a partir da hipótese de que os indivíduos não assumem riscos adicionais sem que recebam remuneração compatível com o risco, de forma que as alternativas estão hierarquizadas em termos de risco x retorno.

Nesta hierarquia, os títulos públicos federais são considerados, dentro do país de emissão, os ativos livre de risco, pois o tesouro nacional tem o poder de credor de última instância, significando que qualquer outro ativo tem mais risco que os títulos do governo, e, por consequência, deve oferecer rentabilidade superior aos títulos federais.

No caso brasileiro, o frágil equilíbrio fiscal, combinado com as dificuldades históricas em controlar a inflação e a pesada dívida pública, faz o Brasil conviver com elevadas taxas de juros reais por longos períodos, conforme quadro:

SELIC ANUAL X INPC ANUAL  
Data SELIC INPC Ganho Real
1988 1.057,7 993,3 5,9%
1989 2.406,9 1.863,6 27,7%
1990 1.153,2 1.602,0 -26,4%
1991 536,9 475,1 10,7%
1992 1.549,1 1.161,5 30,7%
1993 3.059,8 2.515,0 20,8%
1994 1.153,6 929,3 21,8%
1995 53,1 22,0 25,5%
1996 27,4 9,1 16,8%
1997 24,8 4,3 19,6%
1998 28,8 2,5 25,7%
1999 25,6 8,4 15,8%
2000 17,4 5,3 11,6%
2001 17,3 9,4 7,2%
2002 19,2 14,7 3,9%
2003 23,3 10,4 11,7%
2004 16,2 6,1 9,5%
2005 19,0 5,0 13,3%
2006 15,1 2,8 11,9%
2007 11,9 5,2 6,4%
2008 12,5 6,5 5,6%
2009 9,9 4,1 5,6%
2010 9,8 6,5 3,1%
2011 11,6 6,1 5,2%
2012 8,5 6,2 2,2%
2013 8,2 5,6 2,5%
2014 10,9 6,2 4,4%
2015 13,3 11,3 1,8%
MÉDIA     10,7%

Fonte: Economática


A análise do quadro indica que, numa amostra compreendida entre 1988 e 2015 a taxa de juros real média oferecida pelos títulos públicos brasileiros atingiu 10,7% ao ano, sendo que no período entre 1991 e 2000 essa média anual chegou a 19,9%. Em 6 períodos da amostra, em 1989, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1998, a taxa de juros real superou os 20% e em 1992, supera 30%.

Pode-se constatar também que esta taxa apresentou uma tendência declinante a partir do ano 1994, em razão da implementação do plano de estabilização da economia, bem como das medidas de longo prazo para o equilíbrio fiscal, dentre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Regime de Metas de Inflação, a privatização de bancos estaduais e a consolidação da dívida de estados e munícipios. Cabe ressaltar que as dificuldades de implementar mudanças estruturais na qualidade do gasto público afetou a velocidade de queda dos juros.

Após a crise de 2008, o governo foi fragilizando o equilíbrio fiscal e monetário como forma de atenuar os impactos da crise – num movimento anticíclico, acenando que seria um movimento pontual para evitar uma recessão mais profunda, fato que acabou não acontecendo, conforme anteriormente discutido.

Considerando que a taxa SELIC é a taxa livre de risco da economia, qualquer outro ativo precisa oferecer um prêmio de risco adicional, elevando assim as exigências dos investidores em termos de retorno e o custo de capital para os agentes econômicos.

Em síntese, a concorrência dos títulos públicos federais, que proporcionam remunerações elevadas com baixo risco e alta liquidez, representa um obstáculo para que os investidores direcionem suas poupanças para o mercado de capitais, que, naturalmente, oferece mais risco e exige prazos de maturação maior.

Mercado de Ações
Em razão das elevadas taxas de juros oferecidas pela renda fixa associadas à instabilidade macroeconômica, torna-se difícil atrair investidores de longo prazo para o mercado de ações brasileiro de forma consistente. Os investidores acabam pegando carona nos fluxos de capitais internacionais, que surfam ondas de curto prazo, aproveitam os ciclos curtos de crescimento e, em seguida vão embora, gerando volatilidade excessiva e baixos rendimentos, quando comparados com o mercado de renda fixa. O quadro a seguir analisa o desempenho do IBOVESPA comparado à SELIC no período acumulado entre 1988 e 2015. 

 
IBOVESPA x SELIC          
Data IBOVESPA SELIC INPC IBOV
REAL
SELIC
REAL
1988 2.548,68 1.057,74 993,29 142,3% 5,9%
1989 1.762,49 2.406,86 1.863,56 -5,1% 27,7%
1990 308,28 1.153,24 1.602,03 -76,0% -26,4%
1991 2.315,96 536,88 475,11 320,1% 10,7%
1992 1.015,65 1.549,15 1.161,55 -11,6% 30,7%
1993 5.437,20 3.059,80 2.515,00 111,7% 20,8%
1994 1.059,65 1.153,63 929,32 12,7% 21,8%
1995 -1,26 53,09 21,98 -19,1% 25,5%
1996 63,76 27,41 9,12 50,1% 16,8%
1997 44,83 24,79 4,34 38,8% 19,6%
1998 -33,46 28,79 2,49 -35,1% 25,7%
1999 151,93 25,59 8,43 132,3% 15,8%
2000 -10,72 17,43 5,27 -15,2% 11,6%
2001 -11,02 17,32 9,44 -18,7% 7,2%
2002 -17,01 19,17 14,74 -27,7% 3,9%
2003 97,34 23,35 10,38 78,8% 11,7%
2004 17,81 16,25 6,13 11,0% 9,5%
2005 27,71 19,05 5,05 21,6% 13,3%
2006 32,93 15,08 2,81 29,3% 11,9%
2007 43,65 11,88 5,16 36,6% 6,4%
2008 -41,22 12,48 6,48 -44,8% 5,6%
2009 82,66 9,93 4,11 75,4% 5,6%
2010 1,04 9,78 6,47 -5,1% 3,1%
2011 -18,11 11,62 6,08 -22,8% 5,2%
2012 7,40 8,49 6,20 1,1% 2,2%
2013 -15,50 8,22 5,56 -19,9% 2,5%
2014 -2,91 10,90 6,23 -8,6% 4,4%
2015 -13,31 13,27 11,28 -22,1% 1,8%
MÉDIA GEOMÉTRICA       8,9% 10,1%
ACUMULADO NO PERÍODO       980,1% 1394,8%

Fonte: Economática


No período analisado o IBOVESPA acumulou ganho de 980,1%, enquanto que a SELIC acumulou 1.394,8% em termos reais, representando uma média geométrica de 8,9% e 10,1% ao ano, respectivamente. Em apenas 10 períodos, o IBOVESPA fechou ganhos acima da SELIC. O último período de expressiva valorização foi entre 2003 e 2009, quando o mercado de ações brasileiro se beneficiou com o ciclo de alta das commodities, embalado, dentre outras coisas, pela queda nas taxas de juros e pelo forte crescimento mundial. Este período foi marcado pela entrada de capital externo, obtenção do grau de investimento do Brasil e consolidação da estabilidade econômica, resultando em aumento do número de IPOs, aumento do número de investidores pessoas físicas, crescimento do mercado de private equity e dos fundos imobiliários, etc.

O clima de otimismo deste período esfriou a partir de 2010, quando a política econômica deu sinais de que os fundamentos de longo prazo, que fizeram com que o Brasil chegasse até ali, estavam sendo substituídos por uma política econômica desalinhada dos interesses dos investidores de longo prazo. Assim, otimismo foi sendo substituído pela desconfiança, que finalmente foi substituído pelo pessimismo. 

Risco de Voltar ao Passado
É lamentável, que após o mercado de capitais brasileiro experimentar, por um curto espaço de tempo, momentos excepcionais, aumentando a confiança nas empresas e na economia brasileira, o mercado seja novamente exposto a políticas econômicas equivocadas, capazes de ameaçar as conquistas obtidas durante os anos 90.

O Brasil precisa fazer os ajustes necessários para reequilibrar as contas púbicas, implementar as reformas necessárias nas áreas previdenciária, tributária e de infraestrutura para aumentar a eficiência do gasto público e aumentar a produtividade e competitividade do Brasil para que se consiga reduzir de forma consistente a taxa de juros oferecidas pelos títulos públicos e, então, melhorar a competitividade do mercado de capitais brasileiro.

Caso contrário, será muito difícil aumentar o número de investidores dispostos a comprar ações como instrumento de poupança de longo prazo, aumentar a quantidade de companhias de capital aberto, bem como aumentar o volume negociado no mercado de ações.


Marco Antonio dos Santos Martins
é diretor técnico da APIMEC-Sul.
mmartins@jminvest.com


Continua...