Em Pauta

A POSSÍVEL FUSÃO: BM&FBOVESPA & CETIP É CONVENIENTE PARA O MERCADO?

Na atual conjuntura de recessão econômica e instabilidade política, surge a possibilidade de formação de um grande marketplace de títulos e valores mobiliários no Brasil. Desde o final do ano passado, a BM&FBovespa (BVMF3) já fez duas ofertas para fusão com a Cetip (CTIP3), que opera balcão organizado de ativos e derivativos, hoje, considerada a maior depositária de títulos privados de renda fixa da América Latina. A união das duas companhias resultaria em uma “megabolsa” de mais de R$ 38 bilhões de valor de mercado.

A primeira proposta da BM&FBovespa, de R$ 39 por ação - sendo metade do valor pago em dinheiro e o restante em ações, foi rejeitada pelo Conselho de Administração da Cetip em dezembro do ano passado sob a argumentação de que não representava o valor justo.

A Cetip também não aceitou a segunda oferta que foi melhorada pela bolsa e feita em fevereiro deste ano, de R$ 41 por ação, avaliando o negócio em R$ 10,8 bilhões. Neste caso, as condições seriam diferentes, 75% em dinheiro e o restante, em participação acionária. O montante em dinheiro estaria sujeito à correção pela taxa do CDI, contando da data de aprovação em assembleia da Cetip até a efetivação da operação, o que levaria de seis a nove meses. A resposta negativa da Cetip, que não se satisfez com as novas condições, veio em nota ao mercado no início de março.

Porém, segundo analistas, as tratativas não devem se encerrar. O negócio prossegue com grande chance de ser firmado. “Acredito que a proposta está próxima de agradar a Cetip, que abriu negociação exclusiva. Vemos espaço para a BM&FBovespa aumentar o valor e ainda ser um negócio atrativo”, ressalta Gesley Henrique Florentino, analista da Gradual Investimentos. De acordo com ele, a Cetip pode estar trabalhando com a expectativa de que a partir de abril, a bolsa andará mais, isto é, haverá intensificação do denominado “rally dos ativos” diante da possibilidade de mudança de governo. Por sua vez, o valor de mercado da depositária pode vir a ultrapassar R$ 41 por ação.

Do lado da BM&FBovespa há conforto para efetuar uma transação dessa magnitude. A companhia tem baixíssimo grau de alavancagem. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda (geração operacional de caixa) é de apenas 0,08 vezes. A dívida líquida é de R$ 136 milhões. A bolsa conta com o dinheiro em caixa obtido com a venda de 20% de sua participação no CME Group. A BM&FBovespa reduziu a participação no grupo americano de 5% para 4% e se beneficiou com a alta do dólar no Brasil.

Pelos trâmites, além do aval dos acionistas das empresas, caso o Conselho de Administração da Cetip seja favorável a uma nova proposta da bolsa, a operação ainda precisaria ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Uma fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip geraria uma sinergia anual antes de impostos da ordem de R$ 152 milhões, conforme cálculos da Equity Research Desk para a Empiricus, casa independente de análise de investimentos. “Isso representa aproximadamente 5% do Ebitda das duas companhias”, contabiliza Florentino da Gradual.

Fonte: Economática

Há praticamente unanimidade entre os analistas de que a junção geraria valor aos acionistas, devido ao ganho de escala, complementariedade de estruturas e serviços e, também, possibilitando reduções de custos pela nova companhia.

Entretanto, nem sempre o que pode ser bom aos acionistas em um primeiro momento, representa a receita adequada na avaliação de outros agentes de mercado.

Risco de Monopólio?
O casamento entre as duas empresas, de acordo com os contrários a esta operação, dificultaria ainda mais a entrada de concorrentes no país nas transações em bolsa, bem como, no mercado organizado de balcão. Para Thomás Tosta de Sá, presidente do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), mercados monopolistas são menos eficientes do que os competitivos. “Temos que observar o aspecto macro da relevância do mercado de capitais para o desenvolvimento econômico sustentável do país. O monopólio vai contra essa visão”, destaca Thomás. O governo federal, mediante sua preocupação de ajustar as contas, tem limitado recursos para financiamentos de atividades empresariais e de infraestrutura. Desta forma, o mercado de capitais tem importância estratégica para a retomada dos investimentos. O Brasil precisa de instrumentos e veículos eficientes para alocação da poupança privada.

O presidente do Instituto Ibmec ainda avalia que logo que a situação política melhorar e ocorrer a retomada da atividade econômica, haverá chances de o país contar com outras bolsas. “É um erro se aproveitar de um momento complexo e, em função disso, patrocinar um processo de concentração no mercado”, alerta Tosta de Sá.

O presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord), Caio Weil Villares, ressalta que há preocupação de que a fusão da BM&FBovespa com a Cetip implique em aumento de custos operacionais aos intermediários e aos investidores. “Hoje já existe monopólio em cada segmento de atuação das companhias. Essa situação que é desfavorável, pode piorar”, afirma Villares. Ele criticou o fato de a bolsa ter repassado a taxa de custódia às corretoras. “A bolsa não cobrava essa taxa e passou a receber. As exigências de margens também aumentaram”. Villares diz que a concorrência é um caminho positivo para o fortalecimento do mercado de capitais porque as relações entre os players tenderiam a ser mais equilibradas e a autorregulação mais eficiente e plural. “Mais prestadores de serviços representam segurança sistêmica. O risco é maior quando todas as atividades são feitas em um ambiente único”, acrescenta.

Em 2007, quando a então Bovespa deixou de ser uma associação civil sem fins lucrativos e tornou-se uma empresa de capital aberto com ações negociadas em seu próprio ambiente, a CVM deixou claro que queria que houvesse concorrentes, ressalta Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora. No ano seguinte, em 2008, a Bovespa anunciou o início do processo de fusão com a BM&F, surgindo a BM&FBovespa.

Entretanto, foi logo depois do IPO da Bovespa que vieram à tona grandes problemas que inibiram ou dificultaram a entrada de outros participantes, primeiramente a turbulência na economia mundial que teve como epicentro a crise do subprime nos Estados Unidos. Recentemente, o processo de agravamento da crise política brasileira. Para Magliano Neto, a possível fusão da BM&FBovespa com a Cetip será mais um obstáculo à entrada de bolsas internacionais. A concentração de mercado pode atrasar o desenvolvimento de novos produtos e de estratégias, alerta ele. “Aquele modelo que vigorou no passado de empresas monopolistas, as campeãs nacionais, não dá certo. A competitividade fortalece o mercado, traz inovações”, argumenta Magliano.

Quando a economia brasileira se recuperar, haverá espaço para novas bolsas, prevê Tosta de Sá, do Ibmec. Essa também é a expectativa de Caio Weil Villares, presidente da Ancord. A margem Ebitda da BM&FBovespa está na base de 62% e da Cetip, de 70%. “Será natural uma grande atração por uma parte dessa rentabilidade estelar. Isso em relação aos investidores de fora com visão de longo prazo, não fixados em uma situação de momento. Eles podem até retardar investimentos, mas não deixarão de fazê-los”, avalia Villares.

Bolsa forte
Na visão de Luiz Leonardo Cantidiano, advogado e ex-presidente da CVM, a possível união da BM&FBovespa com a Cetip não é prejudicial. Ele acredita que a eventual fusão não afetará os custos dos usuários porque, mesmo hoje, não há competição entre as duas. “Será como a união da Bovespa com a BM&F. Agora, discute-se negociação com a Cetip. Nada impede a formação de uma bolsa mais forte, que tenha segmentos complementares, que açambarque o mercado inteiro”, comenta. Ele acredita que não é o número de bolsas que determina o desenvolvimento do mercado. “O nosso mercado já teve competição, mas só passou a crescer quando foi estruturada apenas uma bolsa mais forte e capitalizada”, afirma Cantidiano. Ele fez referência ao passado quando existiam outras instituições operando de forma independente no país como a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e a Bolsa de Valores do Extremo Sul. Nos últimos anos foram diversas tentativas de entrada de bolsas estrangeiras, porém, as condições foram desfavoráveis. “Seria muito difícil para elas se sustentarem economicamente”, explica.

Tentativas: uma delas segue firme
A ATS Brasil (Americas Trading System Brasil), uma joint venture entre a ATG (Americas Trading Group) e a NYSE Euronext, informou à Revista RI que continua firme com o seu objetivo de lançar uma nova bolsa de valores no mercado brasileiro. Por motivos estratégicos, a empresa não quis abrir mais detalhes sobre o andamento do processo. A ATS Brasil está apresentando documentos e prestando esclarecimentos aos órgãos reguladores.

Em 2013, a ATS Brasil, que é do segmento de electronic trading, havia dado entrada no pedido de autorização à CVM para lançar a bolsa no ano seguinte, o que não se concretizou. Desta vez, a companhia não detalhou o cronograma, mas reforça que mantém o projeto de atuar na área de negociação de ações no país. O Grupo ATG detém 80% do controle da ATS Brasil e os 20% restantes pertencem à NYSE Euronext.

Entre 2011 e 2013, as americanas Bats e Direct Edge demonstraram interesse de atuar no mercado brasileiro. Especificamente em 2013, as duas companhias confirmaram o acordo de fusão entre si, manifestando de forma contundente a intenção de entrar no Brasil. Porém, até a efetivação da fusão em 2014, com aprovação completa dos órgãos reguladores dos Estados Unidos, o projeto se esvaziou. Até o momento, não foram divulgadas mais notícias.

Da mesma forma que a BM&FBovespa, a Cetip é uma corporation, isto é, não possui controle definido. Os papéis são pulverizados. A principal acionista da Cetip, com 12,1% do capital social é a americana ICE (Intercontinental Exchange). Inclusive, nos bastidores, diversos analistas chegaram a indicar inicialmente a ICE como potencial interessada em adquirir a Cetip. Depois, essa possibilidade passou a ser desconsiderada devido aos elevados dispêndios em aquisições que essa bolsa americana efetivou ao longo de 2015. A ICE segue calada. E, quando questionada pela Revista RI sobre a possível união da BM&FBovespa com a Cetip, a ICE respondeu que não pode se manifestar.

Fusão BM&FBovespa e Cetip: um assunto para análise do CAF

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) se manifestou sobre a possível fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip. A entidade encaminhou, em novembro do ano passado, logo após a primeira proposta feita pela bolsa, uma carta aos presidentes dos conselhos de administração das duas companhias sugerindo que a operação fosse submetida ao Comitê de Aquisições e Fusões (CAF).

“Seria muito positivo que esses conselhos seguissem as orientações do CAF, que funcionaria como uma espécie de árbitro nesse processo de fusão”, diz Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Amec. A associação ainda não teve respostas das companhias.

O CAF iniciou suas atividades em agosto 2013 com objetivo de assegurar condições equitativas entre acionistas nas ofertas públicas de aquisição de ações (OPAs), incorporação, fusão e cisão envolvendo as companhias abertas, a partir de um modelo de autorregulação voluntária. Esse comitê conta com apoio da Amec, da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e da própria BM&FBovespa, que figuram como mantenedores da Associação dos Apoiadores do CAF, a ACAF. O órgão conta com apoio institucional da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O comitê brasileiro teve como inspiração o Takeover Panel do Reino Unido, uma instituição que existe desde 1968. Segundo Walter Mendes, diretor-executivo do CAF, o órgão realiza avaliações das operações para que sejam adequadas, se antecipando a possíveis problemas e evitando conflitos. Estudos recentes demonstram que em relação às OPAs, por exemplo, enquanto no Reino Unido, o nível de litígios envolvendo essas operações é de 0,1%, nos Estados Unidos, onde não há esse tipo de instituição (Takeover Panel), 34% dos casos geram conflitos que chegam aos tribunais.

As companhias abertas brasileiras podem fazer adesão voluntária ao CAF, incorporando o código de boas práticas elaborado pela instituição aos seus estatutos. No entanto, existem outras duas formas de engajamento. As empresas podem aderir ao mecanismo de consulta prévia do CAF, antes que as operações venham ao mercado, ou seja, solicitar parecer técnico em relação ao negócio. A consulta prévia é sigilosa, consiste em uma troca de ideias para a formatação da transação, evitando-se dúvidas e pontos de divergências. Há ainda as consultas realizadas quando as operações já estão em andamento, nestes casos, o desafio é maior porque já houve divulgação aos agentes de mercado. Após as avaliações, o CAF concede selos de qualidade às operações.

A atuação do CAF visa o desenvolvimento do mercado ao diminuir litígios, garantindo maior grau de segurança aos investidores. Para as empresas, a adesão ao código do CAF é uma chancela adicional em termos de governança corporativa. Por sua vez, a modelagem bem elaborada agiliza as operações.

Com menos de três anos de atuação, o CAF ainda é pouco demandado, conforme Mendes. O órgão está realizando um trabalho de divulgação de seu código entre empresas, bancos de investimentos e investidores. A Azul - Linhas Aéreas Brasileiras, havia feito adesão voluntária ao código do CAF, no entanto, decidiu posteriormente não abrir capital. A BM&FBovespa assinou compromisso pré-adesão, mas ainda não finalizou o processo, informa o diretor-executivo do CAF. “Há um ritual interno a ser seguido. A adesão ao CAF tem que ser aprovada pelo conselho e passar por assembleia geral. Por questões de tempo, a bolsa ainda não aderiu”, comenta.

Como defensora do CAF, a Amec também havia sugerido às administrações da Souza Cruz e da BR Properties que considerassem submeter às avaliações do comitê as operações de fechamento de capital das duas empresas (OPAs). Nenhuma dessas companhias tomou essa iniciativa. Naquela época, as operações de aquisição dos papéis em circulação já estavam em curso. A partir de então, a Amec passou a encaminhar cartas semelhantes recomendando orientação do CAF a todas as companhias que anunciaram intenção de realizar OPAs.


Continua...