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O NOVO NORMAL DOS INVESTIMENTOS: QUANDO ECONOMIA & MEIO AMBIENTE SE ENCONTRAM

A definição do título deste artigo partiu de várias perguntas. O Novo normal existe? O que estamos percebendo agora já não vinha acontecendo antes? Precisamos, entretanto, perguntar o que avaliar e o que acontecia antes. Não será isso reflexo do descaso da Economia com o Meio Ambiente? De uma forma bem específica podemos ver isso bem retratado na política fiscal do Brasil. Mas antes vamos viajar um pouco no tempo.

Uma leitura do contexto histórico da evolução política, social e econômica mostra como a madeira foi importante para o ciclo de navegação associado à primeira fase da globalização. Dessa forma, as florestas foram parte fundamental das descobertas até o século XIX. A descoberta do Brasil começou com o desmatamento da Mata Atlântica para prover tinta para indústria têxtil da época, que teve o Pau Brasil como fonte. Depois foi o desmatamento para viabilizar a cultura da cana de açúcar matéria prima essencial para a primeira indústria brasileira, do álcool e açúcar.

O que está por trás desse tipo de cultura é o direito que o pensamento humano criou, de explorar a natureza baseado no entendimento de que ela gera riqueza para os negócios. Assim pensava Francis Bacon, um filósofo inglês do século XVII, muito influente, considerado o pai da ciência moderna e que defendia o uso da natureza para fins científicos, chegando a citar metaforicamente que “a natureza deveria ser torturada até o limite de mostrar seus benefícios”. Defendia que se parasse de estudar a filosofia grega das palavras para se dedicar à filosofia das obras. Apesar do conteúdo metafórico influenciou a criação da ciência econômica. Teve forte influência junto à corte inglesa da época na formação da mentalidade de discriminação de gênero, situação ainda vivida até o presente através da discriminação salarial e de outras formas. (Para uma leitura mais profunda, “The Death of Nature – Women, Ecology and Cientific Revolution; Merchant, Carolyn, 1990).

Descartes, no mesmo século XVII, deu sua contribuição separando o Ser Humano da Natureza, defendendo que o comportamento dos elementos do Universo poderia ser explicado pela matemática e pela mecânica. Sua famosa frase “Penso, Logo Existo” separou assim o Homem da Natureza e estabelecendo as bases para o pensamento racional.

Finalmente, a triste marca da escravidão de índios e negros, a destes formalmente abolida em 1889, mas ainda presente nos dias de hoje sob diversas formas.

A ciência econômica começou com a influência dos fundamentos filosóficos do século XVII valorizando a riqueza e a renda dos fatores, agregando a teoria do crescimento como base de toda a sua evolução. De um lado, intensificou-se a pressão sobre o uso dos recursos naturais, sem considerar o valor de não uso de recursos naturais estratégicos. De outro lado criou um pensamento social incompatível com a escravidão, sendo de certa forma responsável pela sua abolição.

Estamos assim falando de fundamentos cultivados há muitos séculos, mas ainda relacionados a questões presentes: o uso de recursos naturais, o desmatamento indiscriminado, a escravidão, discriminação de gênero, entre outros.

Podemos ainda acrescentar a falta de interesse político na solução de questões críticas como a do saneamento que evolui no modus “stop and go”. Depois da incorporação do BNH (que administrava o Plano Nacional de Saneamento – Planasa) pela Caixa Econômica em 1985, o Brasil parou nesse setor. Foram 45 anos de ações esparsas.

Voltamos ao século XXI e vamos nos ater à questão ambiental, deixando para um próximo artigo uma avaliação da questão social, à luz dos números dos gastos totais médios no período 2016-2019, no quadro abaixo:

Orçamento Fiscal e de Seguridade Social
Média 2016-2019

Setores*  Gasto Médio % Gasto
Médio Total
  R$ bilhões 2016/2019
Saúde 106,32 3,27
Educação 96,77 2,98
Ciência &Tecnologia 6,33 0,19
Meio Ambiente 2,33 0,07
Saneamento 0,53 0,02
Sub-total 212,27 6,53
Previdência Social, Estatutária e Assistência Social 712,60 21,93
Serviços da Dívida Interna e Refinanciamento da Dívida interna 1.436,40 61,40
Gastos Totais 3.250,00 100,00

* Foram selecionados alguns setores importantes para a comparação com o Meio Ambiente.
** 72% representam Serviços da Dívida Interna e Refinanciamento da Dívida Interna

Observamos que os recursos alocados ao Meio Ambiente e Saneamento expressam a importância que os fundamentos históricos têm nos tempos atuais. Dos gastos totais do período analisado, a soma desses dois setores de governo não chega a 0,1%. Ter uma política de preservação da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado com esse nível de recursos faz nos perguntar qual o senso de prioridades da Política econômica e Fiscal, quando falamos em Meio ambiente? Será que o Meio Ambiente é parte integrante das políticas de governo considerando-se a necessidade de fiscalizar mais de 4 milhões de km2? Qual o valor de não uso das partes ainda preservadas, já que as mesmas florestas têm um papel vital no equilíbrio do clima.

Como resolver o problema do Saneamento com a União participando com apenas R$530 milhões? O Governo aprovou o marco regulatório do setor, será uma grande oportunidade de negócios para o setor privado, mas será difícil prescindir de participação do Setor Público Federal, dadas as dificuldades de recursos dos Estados e Municípios.

O Brasil é uma Potência Ambiental e tem que preservar essa condição pois gera enormes oportunidades de negócios nos setores farmacêuticos, cosméticos, agri-business florestal mantendo a floresta em pé. É a Bioeconomia defendida pelo cientista Carlos Nobre.

O ano de 2020 está sendo um Tsunami global. Primeiro, o Presidente mundial da BlackRock Larry Fink declarou, em Janeiro, que “Estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças. As evidências sobre o risco climático estão forçando os investidores a reavaliar os pressupostos básicos sobre as finanças modernas” (CEO da BlackRock divulga carta e coloca sustentabilidade no centro dos Investimentos – Sergio Tauhata, 14/01/2020, Valor Econômico). Já em 2019, o mesmo Larry Fink em sua carta anual já chamava a atenção para a teses de que “O propósito une diretores, funcionários e comunidades. Gera comportamento ético e cria um controle importante em relação às ações contrárias aos melhores interesses das partes interessadas.........proporciona uma estrutura para tomadas de decisões consistentes e........ajuda a sustentar retornos financeiros de longo prazo para os acionistas da empresa” (carta de Larry Fink aos acionistas da BlackRock, 2019).

O Mundo está vivendo mudanças culturais e não deve retroceder, pelo contrário. A Marfrig está lançando o compromisso de Desmatamento Zero com um sistema de rastreamento de todos os fornecedores. A Natura está comprometido com esse objetivo. Itaú, Bradesco e Santander estão propondo o lançamento de um Plano conjunto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Seguindo o tsunami de 2020, surgiu o novo Coronavirus Sars-Cov-2. Estamos em um período crítico. A solução para não repetir a tragédia da gripe espanhola foi parar a economia, tal como aconteceu em 1918. E mais uma vez a agressão ao Meio Ambiente entra como possível causa. Em recente painel promovido pelo CEBRI, o cientista Paulo Artaxo, membro do IPCC, chamou a atenção para o provável impacto biológico do desmatamento sobre o ser humano nessas sucessivas pandemias.

A Pandemia não só chamou a atenção da preservação ambiental como também ressaltou o papel da Ciência & Tecnologia, apontando para a falta de atenção para essa área que vai ter um maior protagonismo não apenas na área da saúde como no mundo dos negócios. A Vacina está prevista para sair em tempo recorde. A Industria não pode mais depender de suprimento externo de produtos estratégicos. A revisão será profunda se o momento não for esquecido.

É preciso esperar os resultados da Política Fiscal de 2020, mas é certo que no longo prazo, falando de 2030, o serviço da dívida vai reduzir, caso a política de austeridade continue. É importante que recuperemos a capacidade de investimentos do setor público, permitindo a revitalização das PPP, que o Meio Ambiente junto com Saneamento entre de fato com recursos relevantes não inferiores a 1%. Seriam R$ 32 bilhões anuais.

O novo normal de Investimentos vai exigir uma forte mudança de paradigma do Brasil. Um “turning point”. Vai exigir uma nova visão do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, da Educação, da Saúde, dos Direitos Humanos com novos conceitos sem escravidão e discriminação de gênero.

O Novo Normal de Investimentos vai exigir protagonismo do setor privado com maior atenção aos princípios ESG como parte integrante dos fundamentos de decisão e aos objetivos ODS como referência.

As novas debêntures terão novos nomes mais presentes no dia a dia dos negócios: Green Bonds, Blue Bonds, Transition Bonds, Sustainable bonds, ODS Bonds, Sustainable linked Bonds, ASG pré e pós fixado, LCI e LCA verdes. Talvez estejamos construindo referências em excesso, mas o tempo vai ajustar isso ao entender os inevitáveis cruzamentos desses títulos. A cesta de índices de sustentabilidade, hoje composta pelo ISE e ICO2, vai ser ampliado com o recém criado índice CDP elaborado pelo CDP em parceria com a Resultante que vai medir o desempenho das empresas avaliadas pela ótica do clima.

O Novo normal vai demandar a revisão da visão quantitativa dos modelos, isto é, abrir mão da visão cartesiana baseada na matemática. Será necessário revisar o modelo de dados que desenvolvemos baseados em preços, informações contábeis e dados macroeconômicos, tudo mais constante. Com tudo isso, analistas, gestores e outros profissionais de investimentos farão parte desse “turning point”. O mercado baseado na variação de preços vai dar espaço a modelos que visam recomendar empresas com padrões não apenas microeconômicos mas que contribuam para uma nova visão macro com o meio ambiente transversal em todos os segmentos.

A Apimec promoveu durante 5 anos a Conferência ESG junto com o PRI. O Congresso de 2021, que seria em 2020 vai continuar a discutir esses temas. Teremos muito o que debater.

A natureza é um conjunto de elementos materiais e imateriais muito complexo para “torturarmos” sem propósito, aliás Bacon, acima referido defendia essa exploração em nome da ciência, desconhecendo que o tempo da natureza é diferente do tempo da economia.

É hora de virarmos a página da história que pensávamos que já tinha virado. Talvez estejamos virando agora...  

Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Nacional.
eduardo.werneck@apimec.com.br


Continua...