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IBGC Comunica

BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA A SERVIÇO DAS PRIVATIZAÇÕES

Privatização é um tema que, não raramente, suscita intensos debates e muitas paixões, numa polarização que em seu limite contrapõe quem defende a venda de todas as empresas controladas pelo Estado e os simpatizantes de uma estrutura integralmente estatal. Ocorre que, particularmente no caso brasileiro, as abordagens tendem a ser baseadas em dados esparsos e avaliações de natureza político-ideológica e, em geral, não envolvem todos os agentes interessados no assunto. A dinâmica é muito menos baseada em evidências e técnica do que deveria, com potenciais prejuízos para as empresas, o Estado e a sociedade.

A fim de propor um roteiro mais seguro e eficaz para essas negociações e contribuir para um entendimento amplo sobre um assunto árido, o IBGC lançou recentemente a publicação Governança em Privatizações. Trata-se de conteúdo relevante, construído por um grupo respeitável de estudiosos, e especialmente oportuno para o atual momento, em que a crise econômica e social pressiona as contas públicas e recoloca a agenda de privatizações no radar.

Princípios e boas práticas de governança — cuja adoção por empresas privadas já tem eficácia amplamente reconhecida — podem ser de enorme valor para os processos de privatização de empresas públicas e de sociedades de economia mista (aquelas nas quais um ente estatal detém o controle, tendo acionistas privados como sócios). A busca por transparência e por alinhamento de interesses, em torno do bem comum, ajudam a criar um clima de confiança entre diferentes atores e a superar a velha dicotomia entre estatismo e privatismo.

A publicação do IBGC pode servir, na prática, como um guia para os gestores públicos encontrarem as melhores formas de conduzir o processo decisório de uma privatização, a modelagem da operação e os cuidados necessários para que os resultados desejados sejam, de fato, alcançados.

A privatização, embora seja um caminho legítimo no ciclo de vida de uma estatal, não é uma escolha óbvia. Em primeiro lugar, deve-se verificar se a empresa candidata à privatização atende ao interesse público para o qual foi criada – “imperativos da segurança nacional” ou “relevante interessante coletivo”, nos termos da Constituição Federal. Um segundo passo é avaliar vantagens e desvantagens do eventual atendimento desses mesmos objetivos sociais pelo setor privado. Tudo isso de forma objetiva e transparente.

É de se esperar que as motivações da decisão de privatizar incluam, no mínimo, o aumento da eficiência na alocação de recursos públicos e da qualidade dos serviços prestados à população. Como diz o documento do IBGC, “na passagem do controle público para o controle privado podem ocorrer externalidades negativas, assim como os adquirentes das estatais podem não ter incentivos adequados para atingir objetivos sociais definidos por lei ou por políticas públicas”. A atuação das agências reguladoras será suficiente para mitigar eventuais conflitos e desequilíbrios?

Caso os custos sejam maiores que os benefícios, simplesmente manter a estatal como está não é a única saída. A publicação do IBGC sugere esgotar outras possibilidades para uma estatal ineficiente que não pode ser vendida, como o encerramento de suas atividades, a venda de parte dos ativos ou sua absorção por outras estruturas da administração pública.

Já para uma privatização que se mostre benéfica, a modelagem recomendável envolve três aspectos fundamentais: legalidade, eficiência e integridade, tanto do ente público vendedor quanto do agente privado que assume a operação. A observância desses princípios contribui para o entendimento e a harmonia entre as partes afetadas, podendo evitar contestações pós-venda e judicialização.

Integram esse rol de stakeholders a sociedade civil, a empresa estatal e seus funcionários, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, as agências reguladoras, o Ministério Público, os órgãos de controle (como os tribunais de contas e as controladorias gerais), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e os investidores privados, por exemplo. Nessa conciliação de interesses, deve ser garantido o cumprimento de objetivos tanto sociais, de ordem e interesse públicos, quanto econômicos, como a maximização de receitas e boa relação custo-benefício, consideradas as especificidades setoriais.

Também merecem atenção medidas como a escolha de técnicas de resolução consensual de conflitos, a adoção de postura cooperativa entre os envolvidos e adequação da governança corporativa da empresa para esse período de transformação. Quanto a esse último ponto, vale a pena lembrar a importância do fortalecimento dos programas de compliance e do comprometimento dos administradores com o plano de privatização. Conselheiros e diretores precisar estar engajados para a efetividade do processo.

A governança não termina na privatização. Especialmente para as empresas de serviços públicos, de maior impacto no bem-estar da população, deve haver mecanismos de monitoramento do desempenho da empresa no atendimento dos objetivos sociais pactuados, assim como consequências para desvios e falhas no cumprimento desses acordos.

Privatizações são processos bastante complexos, que envolvem variáveis, circunstâncias e atores diversos. Sem orientações claras e razoavelmente organizadas, as vendas de empresas tornam-se ainda mais desafiadoras — além de mais suscetíveis às indesejadas inclinações político-partidárias e a interesses que nada ou pouco têm a ver com as situações reais das empresas e as necessidades da sociedade.

É fundamental, portanto, aplainar posições antagônicas para a formatação de privatizações menos sujeitas a longas e custosas contestações. Mais do que isso, trabalhar para o desenrolar de processos com maior fluidez, transparência e harmonia, com benefícios para todos os stakeholders das empresas estatais.

Danilo Gregório
é gerente de Advocacy do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
comunicacao@ibgc.org.br

Valeria Café
é diretora de Vocalização e Influência do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
comunicacao@ibgc.org.br


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