Educação Financeira

RUMO AO RISCO

Na virada do século, no Brasil, existiam mais presidiários do que investidores na bolsa. Éramos apenas 70 mil brasileiros com ações em seu portfólio de investimentos. Em julho de 2020, a B3 divulgou que já contava com 2.648 milhões de contas de pessoas físicas ativas em seus registros. É um crescimento considerável, porém o mais interessante é que esse número aumentou, de fato, somente nos últimos dois anos.

Na primeira década do século 21, o número de investidores cresceu significativamente. Chegamos a 2010 com 610 mil investidores, mas depois começamos a encolher. Em 2016, éramos apenas 564 mil. Então recomeçou o crescimento: 619 mil em 2017, 813 mil em 2018, 1,681 milhão em 2019 e, em junho de 2020, já tínhamos 2,648 milhões de contas na B3. Nesse ritmo, devemos dobrar o número de contas em 2020.

Ou seja, mesmo com a crise desencadeada pela pandemia, a migração para a bolsa não parou, como costumava acontecer no passado.

Em maio, 400 mil pessoas tinham conta em mais de uma corretora; em junho, a bolsa não divulgou essa informação. Se mantida a mesma proporção, devemos ser 2,2 milhões de investidores com cadastro na B3. É muito pouco – apenas 1% dos brasileiros tem ações em sua carteira – mas eu prefiro olhar o dado pelo lado otimista.

Acredito que quatro fatores contribuíram para esse crescimento:

  1. Queda da Selic;
  2. Plataformas de investimentos e corretoras digitais;
  3. Melhoria na governança corporativa nas empresas;
  4. Educação financeira dos brasileiros.

Queda da Selic
Sem dúvida, o principal fator que vem impulsionando a procura pelo risco é a queda da Selic e, por conseguinte, do CDI. Durante muitos anos, podia-se ganhar dinheiro facilmente, sem riscos, aplicando em títulos pós-fixados. Com a drástica queda na taxa livre de riscos, os brasileiros estão sendo empurrados para investimentos mais sofisticados, sob pena de perderem até da inflação em suas aplicações.

Plataformas de investimentos e corretoras digitais
Pode parecer estranho para quem é novo no mercado, mas, durante muito tempo, todas as corretoras operavam com corretagem tabelada pela antiga Bovespa, e elas não eram nem um pouco amigáveis com os investidores iniciantes.

As corretoras digitais e as plataformas de investimento baratearam e simplificaram enormemente o processo de investimento. Só para efeito de comparação, a corretagem de um investimento de R$ 5 mil custava, pela antiga tabela Bovespa, R$ 50,21. Hoje, em algumas instituições financeiras, esse valor é zero. Em minutos, é possível abrir uma conta gratuita em uma corretora, e o investidor iniciante passa a ter livre acesso a ferramentas de negociação que custariam uma fortuna até muito pouco tempo atrás.

Melhoria na governança corporativa nas empresas
Governança corporativa é tratar o menor e o maior acionista da mesma forma. Até bem pouco tempo atrás, práticas lesivas ao pequeno investidor eram corriqueiras no mercado brasileiro. Atualmente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem sido muito mais ágil e efetiva em combater o desrespeito aos minoritários. Além da CVM, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e a própria imprensa especializada, como a Revista RI, têm lutado pelo fortalecimento das boas práticas no mercado de capitais brasileiro.

Educação financeira dos brasileiros
Aqui vou me alongar, já que tenho dedicado os últimos 20 anos da minha vida profissional para este objetivo.

O Brasil viveu longos anos sob a égide da inflação extremamente elevada. Naquele tempo, boa gestão financeira era ser ágil para se livrar do dinheiro o mais rapidamente possível, já que o valor da moeda derretia diariamente.

Em 1994, veio o Plano Real. Inicialmente, esse plano parecia ser apenas mais um para se somar aos inúmeros e fracassados planos anteriores. Felizmente, não foi o que aconteceu, e o brasileiro, finalmente, pôde voltar a confiar em sua moeda.

Passamos a conviver com uma inflação civilizada. No início, poucos se deram conta de que os hábitos antigos não estavam mais funcionando.

Cinco anos após o Plano Real, vimos o lançamento do primeiro livro de educação financeira do Brasil, “Seu futuro financeiro: você é o maior responsável”, do pioneiro da área Louis Frankenberg. No ano seguinte, tivemos o lançamento, no Brasil, de um grande best seller internacional, “Pai rico, pai pobre”, de Robert Kiyosaki e Sharon Lechter. Hoje, a quantidade de livros de educação financeira é enorme.

O mesmo Louis Frankenberg liderou um pequeno grupo de pessoas, do qual me orgulho de ter feito parte, para formar o Instituto Brasileiro de Planejadores Financeiros (IBCPF), atual Planejar. Lembro-me de algumas reuniões de que participamos, em que as pessoas não conseguiam entender quais poderiam ser as atribuições de um planejador financeiro. Hoje, mais de 5 mil pessoas são planejadores financeiros certificados pela Planejar.

No ano de 2001, morei no Canadá, cursando parte do meu doutorado, e lá conheci a disciplina de Personal Finance, que era ministrada na John Molson School of Business, vinculada à Concordia University. Quando retornei ao país, a duras penas consegui implantar a primeira disciplina de Finanças Pessoais em uma universidade brasileira. Foi muito difícil conseguir 12 alunos, número mínimo de integrantes que a universidade exigia para manter uma turma. Hoje, já são cinco turmas, sempre lotadas, e com centenas de alunos que não conseguem se matricular por falta de vagas. E, felizmente, muitas outras universidades brasileiras também têm a mesma disciplina.

Hoje, o mercado de educação financeira virou um fenômeno. São números superlativos. A Expert é o maior evento de educação financeira do mundo. Nas redes sociais, são centenas de páginas e canais dedicados ao tema – desde os mais formais, como o do Gustavo Cerbasi, até os mais irreverentes, como o da Natália Arcuri –, todos com milhões de seguidores.

Claro que neste meio entraram alguns oportunistas, que pouco ou nada de novo conseguem acrescentar. Ou, o que é pior, muitas vezes divulgam informações erradas com objetivos nem sempre louváveis.

Mas o fato é que o tema das finanças pessoais passou a integrar o dia a dia do brasileiro, e é bem possível que isso esteja ajudando na migração dos investidores para o mercado de ações. Pois, além de os investidores irem para a bolsa, também estão aprendendo o valor da diversificação. De acordo com o estudo da B3, em 2016, apenas 26% dos investidores tinha cinco ou mais ativos em carteira; em 2020, esse número chegou a 48%.

O número de jovens na bolsa não cessa de crescer: em 2017, os investidores entre 25 e 39 anos representavam 28% do total de investidores; hoje, essa parcela da população já representa 49%. Porém os investidores maduros – aqueles com mais de 55 anos –, apesar de representarem apenas 15% do total de investidores da B3, têm, em conjunto, 56% dos recursos investidos.

Enfim, o mercado está crescendo. Isso é muito bom. E, melhor ainda, é saber que estamos apenas começando. Ainda temos um longo caminho pela frente.

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


Continua...