Ponto de Vista

AS 4 FASES DO EESG

Quando propus o acréscimo do “E” de “Econômico” à consagrada e – mais do que nunca – famosa sigla ESG (Environmental, Social and Governance; ou Ambiental, Social e Governança Corporativa, em português) queria enfatizar, por meio da linguagem e da comunicação, o que os profissionais de Sustentabilidade sabem há décadas: que as questões sociais, ambientais e de governança impactam e são impactadas pelo econômico. Não podemos mais separar, nem que seja numa sigla, essas dimensões. A proposta foi bem aceita, vejo várias pessoas usando. Aí me pus a pensar como chegamos, em 2020, ao EESG. E fiz um exercício de volta ao tempo que agora compartilho com vocês. Exercício baseado na minha vivência e reflexões.

Costumo dizer que no Brasil o “G” ‘chegou primeiro’. Relaciono os dois principais fatos para isso, na minha visão. Em 2000 (com a primeira listagem em 2002), foi lançado o “Novo Mercado”, o mais elevado segmento especial de listagem da B3. A despeito das críticas (há algo perfeito?...), ele se tornou um benchmark internacional e o padrão de transparência e governança exigido pelos investidores para as novas aberturas de capital, sendo recomendado para empresas que pretendem realizar ofertas grandes e direcionadas a qualquer tipo de investidor (investidores institucionais, pessoas físicas, estrangeiros etc.). Notem que o lançamento do NM se deu 5 anos antes da criação do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial, instrumento que tornaria a macro agenda da sustentabilidade mais falada e conhecida. Mas antes ainda deste importante marco, tivemos, em 1995, a fundação do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, referência nacional e internacional no tema. São 25 anos disseminando conhecimento e contribuindo para o avanço da agenda da governança entre empresas e demais agentes deste ecossistema. Era o “G” navegando sozinho. É o que considero a primeira fase do EESG.

O início dos anos 2000 foi um marco na popularidade da sustentabilidade. Tivemos, infelizmente, o Furacão Katrina em 2005, onde começamos a perceber que algo de muito diferente estava ocorrendo no meio ambiente, com impactos imprevisíveis também nos âmbitos social e econômico. Em 2006, Al Gore rodou o mundo com seus gráficos e sua Verdade Inconveniente. Empresas começaram a fazer anúncios e comerciais de televisão divulgando suas iniciativas na agenda socioambiental. Isso mesmo... Era esse o termo mais utilizado naquele momento: socioambiental. Era o “E” e o “S” fazendo dupla e ajudando o mercado a entender que essas letras tinham que ser consideradas na gestão e estratégia, sob pena de perdas de reputação, imagem e, ainda em menor grau de entendimento, financeiras.

Foi comum naquele momento a criação de políticas corporativas de responsabilidade socioambiental, de áreas de crédito socioambiental, fundos socioambientais. Sustentabilidade era quase sinônimo do “ES”. Era engraçado como as iniciativas de governança ficavam fora desse contexto. Experiência própria. Quando nos perguntavam quais eram os índices de sustentabilidade da Bolsa, em geral citávamos só o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) e o ICO2 (Índice Carbono Eficiente). O IGC (Índice de Governança Corporativa) não aparecia naturalmente na descrição. Porque, como avalio, o “G” ‘saiu na frente’ e ficou por um tempo desconectado deste contexto. Esta é então a segunda fase do EESG.

Com o avanço das discussões sobre a necessidade da transparência de informações socioambientais, com a maior adoção dos vários padrões de relato e disclosure (GRI, CDP, TCFD, RI), a pressão dos investidores para saber como a alta liderança estava incorporando todas essas questões e a consequente “subida” do tema para as salas dos Conselhos, o G se aproximou do ES e fez com que o “ESG” se tornasse mais comum.

Foi quando uma pandemia inesperada e devastadora nos fez perceber, pela dor, que uma questão social, de saúde, e ao mesmo tempo relacionada ao meio ambiente, impacta o econômico. Ou seja, entendemos que o mundo está definitiva e incontestavelmente interligado, interconectado. O humano é importante, sim. O meio ambiente é importante, sim. E não só porque são agendas positivas, mas porque deles depende também a perenidade do negócio. Foi quando o ESG se tornou “figurinha carimbada” na imprensa, cantado em verso e prosa e tema de todas as rodas de conversa. É a terceira fase do EESG.

Hoje grandes gestores de recursos estão criando suas áreas ESG e trazendo a sustentabilidade para o core do negócio. O Fórum Econômico Mundial anuncia que o tema de Davos em 2021 será o “The Great Reset”. Ao mesmo tempo, vemos renascer o termo “greenwashing”, muito comum lá na época do Al Gore. Há o receio de que esse “boom” ou “tsunami” do ESG seja aproveitado por aventureiros e oportunistas. Entendo o temor. Se bem que não o tenho. Acredito que já temos uma maturidade importante nessas questões e o controle social hoje é muito mais capaz de separar o joio do trigo. Haja vista as empresas que derraparam feio no início da pandemia. Não foram poupadas...

Com todo esse movimento que estamos vivenciando de investidores, CEOs, conselheiros, governos, organismos mundiais e demais atores de mercado reconhecendo a relevância do ESG, me pareceu mais do que natural e absolutamente no timing retomar o EESG, uma ideia que tive em 2013, compartilhei com meu time e depois com os colegas do IBGC. A nossa Comissão de Sustentabilidade do IBGC à época acreditou na força do EESG e nos mobilizamos para levar a sigla para fóruns maiores. Mas não aconteceu. O que inevitavelmente me leva à frase: “Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”, como disse Victor Hugo. Chegou, então, a hora do EESG.

Como profissional de comunicação, acredito na força e influência das palavras e termos para definir movimentos e tendências. Quando um/uma CEO ou um/uma chairman/chairwoman começarem a usar a expressão EESG em vez de ESG, muitas mensagens estarão sendo dadas ao mesmo tempo. Algumas: de que não há como separar o mundo; de que uma coisa sempre interfere na outra; de que questões ambientais, sociais e de governança impactam para o bem e para o mal o resultado financeiro; de que os investimentos financeiros e planejamento estratégico devem levar em conta esta agenda em sua definição. E por aí vai. Esta é a quarta fase do EESG, a definitiva, portanto. Até que não precisemos mais de siglas e as questões sociais, ambientais e de governança estejam plenamente inseridas no mainstream econômico. E componham, enfim, o novo mainstream.

Naquela fase do Katrina e do Al Gore, era comum jornalistas me perguntarem se aquilo era moda, se as questões sociais e ambientais iriam continuar relevantes no ano seguinte. O tempo mostrou que, não só se tornaram relevantes, mas cresceram e ganharam padrões, metodologias, métricas e indicadores. Cercaram-se de conceitos e concretude. Não chegamos ao dia de hoje, onde EESG é pauta de todos os jornais econômicos, do dia para a noite. Isso não acontece assim. É fruto de uma jornada, longa, muitas vezes mais demorada do que gostaríamos, mas consistente. Agora é a hora de avançarmos mais, e mais rapidamente. Os ventos são favoráveis. Os comandantes perceberam a importância de segurar esse leme e conduzir seus navios nesta direção.

Chegar ao destino será apenas uma - bela - consequência. 

Sonia Favaretto
é jornalista e trabalha há 22 anos com Sustentabilidade, Comunicação e Investimento Social. É Presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil, Vice-Presidente do Conselho Técnico-Consultivo do CDP, conselheira do Instituto Ekos Brasil e de empresas e SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU.
soniafavaretto@hotmail.com


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