Entrevista

FÁBIO BARBOSA, PIONEIRO NAS QUESTÕES EESG NO BRASIL

“A Sustentabilidade é um movimento geracional, crescente e irreversível.”

Pela tradição católica, o 1º de Novembro é consagrado ao “Dia de Todos os Santos”. Nessa data, em 2001, foi criado o Fundo Ethical. Uma “santa idéia” para o mercado de capitais, que acelerou as discussões sobre meio ambiente, investimento social responsável e governança corporativa. E como o tema central desta edição é o EESG (Economic, Environmental, Social and Governance), buscamos o pioneiro no lançamento do fundo que possibilitou aos cotistas investirem em companhias que levam em conta os fundamentos dessas boas práticas, se destacando junto aos seus stakeholders. A seguir, Fábio Barbosa, o executivo que se notabilizou por atitudes pró-EESG, antes mesmo dessa sigla virar mainstream no mercado e na mídia em geral, analisa a evolução dessas importantes questões no Brasil.

A criação do Fundo Ethical foi uma das iniciativas pioneiras da bem sucedida trajetória de Fábio Colletti Barbosa no mundo dos negócios. Atual membro dos Conselhos do Itaú-Unibanco, da Gávea Investimentos, da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), da Natura Cosméticos e da Hering, Barbosa foi também presidente do Banco ABN Amro Real, do Santander Brasil, da Febraban e da Abril Mídia. Hoje, além de presidir o Instituto Empreender Endeavor; é diretor-presidente da Fundação Itaú para a Educação e Cultura e atua como membro do Conselho do Centro de Liderança Pública (CLP) e da UN Foundation, para apoio à Organização das Nações Unidas (ONU).

Paulistano, exteriorizando muita empatia e diplomacia, Fábio Barbosa é homem de raciocínio rápido e fala pontuada. E foi nessa linha que conversou com exclusividade com a Revista RI, explanando impressões e constatações. Para ele, a educação é uma bandeira prioritária. Acompanhe a entrevista.

RI: Hoje os investidores globais estão cada vez mais atentos, focando seus investimentos – em dívida ou equity – em empresas que desenvolvem uma política EESG. Na condição de pioneiro nesta questão, como você avalia a trajetória da Responsabilidade Social, Ambiental e de Governança? Atingimos um nível ideal de Sustentabilidade ou ainda estamos no meio do caminho?

Fábio Barbosa: Trata-se de um trabalho que vem amadurecendo ao longo do tempo. Mais recentemente tivemos o Business Roundtable, em 2019, nos Estados Unidos, e, neste ano, a carta do Larry Fink (da BlackRock) e o Fórum Econômico Mundial, em Davos, colocando a sustentabilidade no centro das discussões. Na realidade, o tema já vinha ocupando muito espaço no exterior, com os Fundos de Investimentos condicionando os negócios às políticas de governança. O Brasil agora também entra firme na discussão.

RI: Você foi pioneiro, no Brasil, com o lançamento Fundo Ethical e na promoção objetiva dos debates em torno das questões sustentáveis. Para nos situarmos em uma data, de 2001 para cá o que mudou?

Fábio Barbosa: Mudaram algumas coisas. E a principal, talvez, seja a ideia de que uma empresa rentável não poderia ter política ambiental, social e de governança concomitantemente. Antes se pensava: ou é uma coisa ou é outra. Hoje afirmamos: não se trata mais da questão “é”, mas sim “e”. Uma empresa precisa ser rentável “e” focada em sustentabilidade. Acabou o falso dilema. Os fundos hoje estão muito atentos aos índices criados pelas bolsas, no mundo inteiro.

RI: Do final do século passado até os dias de hoje, qual o setor da economia você acredita que mais evoluiu no tema EESG?

Fábio Barbosa: Observemos o seguinte: hoje existe uma mudança no padrão de consumo. Se nós não conseguimos deixar um mundo melhor para as novas gerações, certamente estamos deixando gerações melhores para o mundo. Os jovens hoje se preocupam com o processamento da comida, com empresas que têm políticas ambientais e sociais, eles já não fazem mais questão de ter carro próprio para a mobilidade, enfim, são preocupações que a minha geração não tinha, por exemplo. E na esteira desse comportamento surge o jovem investidor, carregando as preocupações de um novo mundo. A cada dia que passa vai se aposentando um daquela geração que não se preocupava com a sustentabilidade e vai entrando um jovem que se preocupa; com isso, oxigenamos o mercado! Dentro dessa renovação cabe destacar a questão do capital humano, dos novos talentos. Hoje quando um candidato é entrevistado para o emprego, logo transforma-se em entrevistador também, indagando o propósito da companhia, seus valores, suas atitudes. Vejo isto como uma tendência que vai se consolidando dia a dia. E não há nada de conflitante nisso, pois vemos que a régua está subindo: é o good business.

RI: Quando você assumiu a presidência do ABN Amro Bank no Brasil, tinha como meta ter um banco 100% sustentável em todas as suas operações. Houve até a criação da Diretoria de Sustentabilidade. Quando saiu, o que ficou do conceito e prática?

Fábio Barbosa: A Diretoria de Sustentabilidade é de 2001. Chegamos a ter 50 iniciativas no banco e a nossa máxima era: “Dar certo, fazer a coisa certa, do jeito certo”. Era importante cuidar nos nossos ativos, tanto quanto dos fornecedores e das pessoas que trabalhavam junto. Tínhamos critérios para contratar empresa de moto boy, conversávamos com empresa de pesca, que vinha pedir crédito, sobre pesca predatória... enfim, praticávamos a sustentabilidade, de baixo para cima, permanentemente.

RI: Qual o futuro dessas diretorias e áreas de sustentabilidade nas organizações?

Fábio Barbosa: No futuro não existirão, a exemplo do que ocorreu com a qualidade no passado. Muitas empresas faziam as coisas de qualquer jeito e, com o tempo, foi se exigindo qualidade. Até departamentos foram criados e logo depois o conceito virou estratégico e as companhias incorporaram. Com a sustentabilidade enxergo a mesma coisa. Toda a organização vai incorporando a filosofia e, daí, não fará sentido ter uma área específica para cuidar disso. As empresas precisam estar conectadas com a sociedade. É preciso repensar as embalagens plásticas, a quantidade de sódio nos alimentos, a rastreabilidade da carne... e assim por diante.

RI: E na esfera governamental, como se daria isso?

Fábio Barbosa: A sustentabilidade deve ser percebida a partir das demandas geradas pela sociedade. É um movimento geracional, crescente e irreversível. O Brasil também não pode ignorar isso, no aspecto institucional. Vejamos a questão da Amazônia: há um discurso lá fora de que tudo o que o país produz tem origem na região amazônica, café, soja, carne etc... E, claro, sabemos que isto não é verdade.

RI: Esse discurso é movido por ignorância ou existem interesses econômicos por trás?

Fábio Barbosa: É possível que existam interesses, mas o fato é que o Brasil peca na narrativa. Quando vem alguma cobrança de fora, fica-se tentando desmentir. É preciso ser didático e corrigir a informação, imprimindo um forte contraponto. De outro lado também devemos olhar mais para a questão fundiária e a fiscalização. Temos leis e estas precisam ser cumpridas! O governo, como um todo, tem dificuldades no discurso. Apenas ilustrando, ouvir a ministra Tereza Cristina falar é bom, mas isto não acontece com todos os ministros. Nós também erramos e precisamos corrigir isto, porque o investidor que não perguntava nada sobre EESG, e agora pergunta.

RI: Então, a falta de uniformidade na narrativa pode prejudicar os negócios pra quem depende de capital externo?

Fábio Barbosa: Certamente. Se não tivermos boas respostas para o investidor, não vamos captar. Seja por convicção, por conveniência ou por constrangimento, não importa a razão, precisamos ter melhores respostas.

RI: Que papel ficou reservado para as entidades do mercado de capitais como Abrasca, Amec, Apimec, IBRI e IBGC?

Fábio Barbosa: As associações têm a função de promover fóruns de debates e é preciso que os associados as pressionem, de baixo para cima, a fim de obter isto.

RI: O Brasil tem um histórico de desigualdades sociais e econômicas muito forte. Como as ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU) estão contribuindo para reduzir essas desigualdades?

Fábio Barbosa: É preciso analisar cada uma das ODS. O Brasil tem imagem ruim no plano ambiental, mas nem tudo o que fazemos é ruim. Veja que em termos de energia trabalhamos com hidrelétricas, que produzem energia limpa, enquanto vários países ainda estão no carvão. O uso do etanol, em substituição ao combustível fóssil, é outro exemplo. Mas quando chegamos ao saneamento verificamos a necessidade de se resolver isso com urgência, porque a nossa deficiência em saneamento é um grande fator de desigualdade social. A distribuição de renda, então, é histórica. Precisamos resolver isto também e vejo a educação como ponte. Devemos discutir saneamento, segurança e tantos outros aspectos a serem corrigidos, mas a bandeira da educação deve ser prioritária. E nessa questão eu sou otimista, pois vejo a tecnologia dando um grande impulso para a melhoria da educação no Brasil, a exemplo do que fará com a saúde.

RI: Finalizando, como se dá a regulação e a autorregulação nesses tempos preponderantes de EESG?

Fábio Barbosa: Primeiro é preciso destacar o seguinte: o governo não tem que fazer coisas que a sociedade não tenha capacidade de absorver. Como a autorregulação acontece? As empresas precisam mostrar o que fazem, explicar os impactos que geram, para atrair consumidores e investidores. A regulação, portanto, é um complemento às demandas geradas pela sociedade e a autorregulação um complemento desta.


Continua...