Opinião

COVID E ESG: A AGRURA, A REGENERAÇÃO E OS EFEITOS COLATERAIS

Engana-se quem pensa que ESG seja o novo assunto da moda. Não é um assunto novo, nem mesmo da moda. Há décadas se discute, mesmo no Brasil, os fundamentos relativos ao ESG. Talvez ao longo do tempo ele tenha ganhado um novo contorno, uma nova roupagem. Mas, de fato, ele invadiu a mídia mainstream recentemente como um tsunami, causando a sensação de novidade aos mais incautos.

Fato é que se prestarmos atenção, também não é de agora que ESG tem ocupado espaço nos jornais e publicações mais populares. Em 2019 este “fenômeno” já vinha tomando forma, potencializado por três tristes eventos que dominaram a mídia naquele ano: Brumadinho, Incêndios na Amazônia e derramamento de óleo no Nordeste.

No início de 2020, a discussão do ESG no Brasil ganhou impulso a partir do Fórum Econômico Mundial em Davos, e, especialmente, da célebre carta de Larry Fink, da Blackrock. Muitos não se atentaram que Fink escreve cartas semelhantes desde 2012 que não surtiram efeito na criação da onda ESG como foi o caso desta carta, mas, neste ano, além de pela primeira vez a carta trazer alguns compromissos de ordem prática e não ficar apenas no campo das ideias, a mesma encontrou um contexto extremamente favorável para sua difusão.

A sensação que temos atualmente é de estarmos sendo inundados pelo ESG: jornais, revistas, podcasts, artigos, painéis e entrevistas; mas se prestarmos atenção, em janeiro e fevereiro já vivíamos um ambiente semelhante e eis que surge a covid-19...

A irrupção da pandemia nos quatro cantos do globo, incluindo o Brasil, mudou completamente a escala das prioridades. E nem poderia ser diferente. Não se trata apenas dos destaques das mídias acima citadas, mas também a atenção das pessoas se focou no rol de preocupação ligados à saúde, renda, emprego, bem-estar e coletivo. Tudo em prazo mais curto do que o imediato e urgente.

Para onde iam as discussões sobre ESG? Que empresas manteriam suas agendas de sustentabilidade quando a pauta era sobrevivência? Ainda que houvesse a intencionalidade, de que maneira as companhias em um momento como esse reservariam parcela de seus orçamentos para se descarbonizarem ou realizarem programas de inclusão?

Essas eram as dúvidas típicas dos que enxergavam na pandemia o fim do sonho ESG ou, no mínimo, seu (grande) retardamento. Logo apareceram eventos (as “lives”) debatendo o tema da sustentabilidade a partir da covid.

Havia também os que argumentavam o oposto. Muitas vezes taxados de excessivamente otimistas ou ingênuos, estes argumentavam que embora o foco em sustentabilidade pudesse momentaneamente refrear-se, o efeito seria exatamente o oposto e o movimento ganharia ainda mais força e pujança por duas questões básicas que a pandemia trazia: (i) o respeito à ciência e (ii) o olhar social.

Ora, se pararmos para refletir, são justamente a ciência e olhar social que norteiam os princípios ESG que se baseiam, entre outras coisas, no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos.

Fui um dos que defendeu o fortalecimento do ESG a partir da covid-19. Em eventos e entrevistas, costumava fazer a analogia do estilingue, em que a pandemia apenas teria deixado o “elástico” um pouco frouxo de início, mas que o mesmo seria estirado com cada vez mais intensidade e a agenda do ESG voltaria com toda a força, ainda mais acentuada do que a anteriormente vigente.

Contudo, errei em meu diagnóstico. Nem em meu prognóstico mais otimista eu imaginava que tal retorno seria tão rápido e profuso como presenciamos. Após um rápido baque e uma repentina regeneração, temos agora que lidar com alguns efeitos colaterais nesta questão ESG.

O mais que famoso escritor Mark Twain (1835-1910) certa vez disse: “A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido”.

Até “ontem” não havia incentivo claro para as empresas apresentarem-se como sustentáveis. Grande parte dos relatórios de sustentabilidade, relatórios integrados ou peças que as companhias divulgavam sobre o assunto tinham o legítimo propósito de abastecer seu próprio ecossistema com informações, reforçando sua cultura, disseminando suas práticas e estabelecendo uma relação de transparência com seus stakeholders.

Muito rapidamente, caminhamos para um ambiente em que os incentivos se alteraram. Mostrar-se como sustentável significa hoje trazer a atenção de um rol de investidores, significa potencialmente incorporar um incremento de múltiplo em suas avaliações. E, analogamente, não se mostrar como sustentável implica em perder investidores e eventualmente menos valor será atribuído.

Até “ontem” não havia estímulo para distorção de narrativas. Hoje há, e de sobra.

A situação não seria crítica se o público investidor estivesse bastante familiarizado com os temas ESG e eventuais desvirtuamentos fossem rapidamente identificados e se transformassem em ônus aos que o provocaram. Infelizmente, no entanto, há uma lacuna de formação no público investidor em geral, que passou décadas alheio ao debate de questões “E” ou questões “S”.

Mais grave, os investidores e fundos também estão inseridos em um contexto em que há incentivos para mercarem-se como entendedores de questões ESG, apesar de suas extremas complexidades.

Teremos que lidar, por um tempo, com os efeitos colaterais do súbito crescimento do interesse ESG a partir da covid, tratando-se de um período meio caótico no qual as empresas têm incentivos em distorcer suas narrativas, e os investidores e fundos têm desincentivos em admitir sua insipiência no tema.

Os profissionais de RI (Relações com Investidores) têm uma importante missão à frente: lidar com a transparência total, trazendo à tona a verdade como ela é, nua e crua, muitas vezes amarga e, como disse Mark Twain, por vezes menos lógica do que a ficção.

Este período caótico é temporário. Os investidores e gestores brasileiros são bastante preparados e diligentes. Em um futuro não tão distante, as questões socioambientais estarão totalmente integradas à análise e serão de plena compreensão.

As eventuais distorções de narrativa de hoje são armadilhas que se manifestarão mais à frente, quando investidores finalmente entenderão que as informações mais relevantes dos relatórios de sustentabilidade são, em geral, justamente as que não fazem parte deles.

Infelizmente, é muito provável que Mark Twain, se vivo, se divertiria com os ficcionais relatos que estão por vir.


Fabio Alperowitch
é co-fundador e portfolio manager da gestora FAMA Investimentos.
falp@famainvestimentos.com.br


Continua...