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Sustentabilidade

ENFRENTE OS SEUS TEMORES E MATE A GALINHA DOS OVOS DE OURO

Em 2012 Michael Townsend, fundador e CEO da Earthshine Solutions, publicou no jornal britânico The Guardian um artigo muito interessante debatendo o “desalinhamento entre os anseios da responsabilidade corporativa e as estratégias de negócios”. Jo Confino, editor executivo do Huffington Post, já havia levantado a mesma preocupação quando discutiu as atividades especulativas de curto prazo - e altamente lucrativas - das maiores instituições financeiras, vis-à-vis as aspirações sustentáveis das empresas. Ambos identificaram um descompasso entre desejo e realidade, e isto é um fato.

A questão que se coloca, portanto, é (i) se as empresas têm boas intenções, mas não sabem como materializá-las e convertê-las em ações consistentes e confiáveis – o que significa que existe uma falta de entendimento ou capacidade de agir no âmbito do conceito de sustentabilidade – ou (ii) se as empresas simplesmente fingem que perseguem uma agenda sustentável apenas para obter um ganho reputacional de curto prazo.

Caso a resposta seja a carência de entendimento do conceito de sustentabilidade o problema se torna mais complexo significando que tanto o Governo quanto as agências de autorregulação estão falhando na sua competência para estabelecer padrões comuns mínimos de compreensão e interpretação do conceito. Por outro lado, caso a conclusão seja o comportamento inadequado das empresas isto significa ausência de habilidade técnica ou profissional para materializar os conceitos ou mesmo incapacidade de integrar tais habilidades na estratégia de negócios, como observado por Townsend.

A existência de uma agenda única e integrada, onde a sustentabilidade se insira de forma transversal, é vital para que a empresa consiga demonstrar e de fato entregar o seu modelo de negócios sustentáveis. Contudo, é bastante razoável concluirmos que essa composição esteja sendo deliberadamente retardada, uma vez que a empresa lucra com atividades não tão sustentáveis. Estas são as chamadas “dark forces”/forças escuras que entram em ação, no dizer de Townsend.

Evidentemente pode ser difícil para os líderes decidir abandonar uma habitual e constante geração de receita para abraçarem um novo paradigma. Uma mudança no comportamento só poderá ocorrer quando um conceito se torna um valor o que por si exige o sentimento de pertencer a uma causa e de buscar um propósito maior.

Jo Confino estudou e tentou entender esta falta de ação dos líderes e descobriu que as empresas agem reativamente, aguardando o regulador encorajá-las a dar o próximo passo por meio da promulgação de uma obrigação regulatória que oferecerá às empresas a confiança adequada para promover qualquer tipo de modificação transformacional. Se isto for de fato verdade, por que então os líderes não se posicionam e tornam-se ativistas em exigir a tal mudança política ou regulatória por meio de um lobbying saudável para que as empresas se sintam confortáveis em se engajar em uma mudança transformacional? Existem formas de se conduzir um lobbying sadio e Confino menciona que “seguindo os preceitos de um lobbying responsável as empresas agem em prol da publicação de políticas públicas sustentáveis e ainda aprimoram o conceito de competitividade no curto e médio prazo”.

Pois bem, agora voltamos ao início deste círculo vicioso: ninguém quer matar a galinha dos ovos de ouro.

Sob o ponto de vista de aspectos reputacionais é sempre ótimo demonstrar estar comprometido com práticas sustentáveis e também é relativamente simples culpar a ausência de padrões comuns mínimos de entendimento dessas atividades ou ausência de regulação ou autorregulação. Da mesma forma é também muito conveniente criticar a (in)eficiência do Governo em monitorar o cumprimento de um arcabouço regulatório em vigor ou talvez mais fácil ainda admitir que muitos líderes não apresentam as competências e habilidades necessárias para integrar a sustentabilidade na agenda empresarial ou não consigam amalgamar a expertise em sustentabilidade com a perspicácia de negócios.

No entanto, a hesitação em tomar medidas mais assertivas, abraçar um modelo de negócios sustentável e transformador tem sua origem na falta de uma perspectiva abrangente, de se pensar no todo. As empresas, em geral, não estão trabalhando para um bem comum maior e ainda estão voltadas para um sistema egocêntrico, em oposição a um sistema ecocêntrico, como propagado por Otto Scharmer, Senior Lecturer no MIT e co-fundador do Presencing Institute, e a sua Teoria U.

Esta tese revela-se ser um processo que induz a um aprendizado coletivo. É necessário vivenciar 3 etapas para que a mudança transformacional possa ocorrer: “sentir”, que se traduz em questionar o modelo mental vigente; “presenciar”, que implica conectar-se com uma visão e um propósito; e finalmente “realizar”, que culmina em materializar a jornada reflexiva, criando-se espaços para inovações e uma nova maneira de se comportar e raciocinar.

As empresas agem individualmente, na sua maioria, ainda buscando resultados, com raras exceções, no curto prazo: vantagens competitivas, incrementos reputacionais, especulação, retorno financeiro. O modelo mental corrente da maioria das empresas é aquele em que as preocupações são voltadas para a própria organização, motivadas por intenções derivadas do “eu” empresarial que não valorizam o coletivo, o todo, o oikos, o eco. A modificação que deveria ocorrer consiste em reconectar o pensamento econômico com o bem estar do todo, passando portanto de um ego-sistema para um eco-sistema.

É muito simples acusar as “dark forces” que existem dentro de qualquer organização ou mesmo as ineficiência dos reguladores ou autorreguladores; contudo, eu particularmente não vejo esta questão de engajamento – ou falta de - em uma agenda sustentável como um problema governamental ou inserido em uma agenda política, mas sim como uma decisão empresarial de não ser ativista e atuante baseada em uma motivação egocêntrica.

Extremamente fácil é acomodar-se na visão reducionista egocêntrica e manter o status quo de comportamentos que geram benefícios apenas individuais, mesmo que se considerada toda a organização empresarial. Contudo, o sistema econômico atual está doente e o capitalismo já dá sinais de cansaço, o que significa que as empresas precisam perder a ilusão de que tudo vai bem e ligar-se a um propósito maior voltado ao coletivo para que as futuras gerações possam se favorecer das transformações que advenham desta nova visão.

Se as empresas entendessem que elas de fato têm uma obrigação perante o planeta e que elas devem trabalhar para o bem das futuras gerações, unindo esforços com diversos agentes, como Governo, sociedade civil e Academia, os líderes corporativos teriam coragem suficiente para enfrentar os próprios temores e assumir o risco de matar a galinha dos ovos de ouro; para o benefício do todo.


Ana Paula P. Candeloro.
é advogada, pós-graduada em Sustainable Business e Mestre em Sustainability Leadership, ambos pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Co-autora do livro: “Compliance 360º - riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo, 2ª edição”. Coordenadora e co-autora do "Governança Corporativa em foco - inovações e tendências para a sustentabilidade das organizações". Professora do Insper, e membro do Colegiado de Apoio ao Conselho do IBGC.
anacandeloro@uol.com.br


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