Fórum Abrasca

GOVERNANÇA CORPORATIVA E CRIAÇÃO DE VALOR

É intenso - e acalorado - o debate sobre a adoção de boas práticas corporativas por parte das companhias listadas. As empresas mais atuantes no tema entendem plenamente o papel da governança corporativa para a criação de valor e sabem que seu custo de capital será tanto menor quanto melhor for a percepção que os investidores dela tiverem. Entendem também que despesas com iniciativas específicas de governança que não gerem retorno destroem valor.

Destacadas companhias promovem pesquisas sobre as preferências dos investidores e referenciam-se nas já existentes, mantêm contato pessoal com gestores de grandes carteiras em todo o mundo, fazem road-shows internacionais e contam com equipes profissionais atualizadas nas tendências mais recentes, que balizam a evolução dos diversos segmentos do mercado, bem como das tecnologias de gestão.

São companhias que investem na promoção dos fatores mais valorizados pelos investidores e respeitam sua ordem de priorização: geração de lucros e dividendos, rentabilidade sustentável, gestão eficaz e boa governança. Dosam o mix ideal que oferecem ao mercado, segundo suas culturas e perfis, para obter a melhor relação custo/benefício dos recursos que aplicam para promover tais fatores vis-à-vis seu custo de capital.

Não há melhor interlocução com os investidores e acionistas do que a própria companhia e invadir esse espaço é inserir ruídos em uma comunicação que – predominantemente – funciona bem há décadas. Acionistas tem como objetivo comum e superior o interesse da companhia. Portanto, a potencial interferência na administração das companhias abertas em nome de iniciativas de governança cujos custos superem seus benefícios é clara invasão desse espaço.

Um exemplo é a imposição de introduzir nos estatutos sociais a previsão de instalação de diferentes comitês de assessoramento ao Conselho de Administração. As companhias abertas entendem a dificuldade de se administrar uma empresa sem que haja uma área de controle fortemente estruturada. Neste caso, a importância do Comitê de Auditoria é indiscutível, principalmente na ausência de Conselho Fiscal.

Contudo, o Brasil é peculiar também no que tange às características de sua jurisdição: reúne um mercado de capitais relativamente pequeno quando comparado aos principais mercados mundiais (principalmente pelo reduzido número de companhias negociadas em bolsa) com uma estrutura burocrática e cartorial excessivamente pesada e onerosa, que impõe enormes custos às companhias a cada necessidade de ajuste ou alteração em seus documentos legais.

Essa combinação faz com que cada adaptação estatutária implique em uma operação burocrática excessiva para as companhias abertas. Nesse sentido, não é o mero formalismo da previsão estatutária o que realmente agrega valor, mas sim um órgão de controle eficiente, com profissionais capacitados e competentes, comprometidos com a perenidade da companhia.

Cabe lembrar que o Comitê de Auditoria, como todos os comitês previstos na Lei 6.404/76, não é um órgão deliberativo como é nos EUA, mas sim de apoio à tomada de decisão por parte do Conselho de Administração, o qual tem a responsabilidade final pelos rumos da companhia. A inclusão do Comitê de Auditoria no estatuto da companhia, de certa forma, ameniza a responsabilidade dos conselheiros de administração por eventuais fraudes ou desvios, como se tal competência não fosse de responsabilidade colegiada do Conselho de Administração.

Igualmente, elevar a participação de conselheiros independentes nos conselhos de administração das companhias é uma proposta com acréscimo duvidoso de valor. Veja que o próprio Novo Mercado, se aprovada a sugestão da BM&FBovespa, manterá o percentual de 20% de conselheiros independentes no órgão colegiado.

A sugestão da BM&FBovespa de elevar o número mínimo para dois conselheiros independentes é consistente com a sugestão da bolsa de criação de dois comitês de assessoramento ao Conselho de Administração que, em princípio, devem ser liderados por independentes: o comitê de auditoria e o comitê de remuneração, por exemplo. Caso predomine a criação de um único comitê, a sustentação do número mínimo de dois conselheiros estaria enfraquecida e o percentual de 20% permaneceria adequado.

Na linha de não interferência na formação de preços dos ativos pelos agentes do mercado, a Abrasca é contra dispositivos que envolvam simples transferência de valor entre grupos de acionistas. Detentores de ações preferenciais possuem direitos adicionais sobre a distribuição de dividendos, direitos estes que estão precificados. Acrescentá-los às ações ordinárias é transferir valor dos preferencialistas para os ordinaristas. Da mesma forma, estender 100% dos prêmios pagos nas aquisições de controle às ações preferenciais (tag along) constituiria transferência indevida de valor à detentores de ações preferenciais.

Outra interferência indevida, na visão da Abrasca, é a proposta de restringir acordos de acionistas que regulamentam direito patrimonial e disponível, originário dos acionistas, e que não cabe ser direcionado ao Conselho de Administração. Trata-se de um instrumento usualmente utilizado em todo o mundo em situações em que se configura controle compartilhado visando conferir estabilidade à administração da empresa.

A mensagem principal da Abrasca, sobre o tema governança corporativa, é que as companhias têm características distintas e seus acionistas tem perfis diferentes. Eles divergem quanto ao prazo de retorno exigido dos seus investimentos, à sua propensão a assumir riscos e quanto a seus modelos de criação de valor.

É ilusão acreditar ser possível antecipar todos os objetivos e teses de investimento e desenhar um conjunto de dispositivos e regras que atenda, de uma só vez, à milhares de acionistas: de individuais a institucionais, de longo ou curto prazos, de pequeno, médio ou grande porte, aqueles que procuram posições estratégicas e aqueles que buscam auferir um fluxo previsível de renda. Da mesma forma que acionistas que buscam mais liquidez, acionistas que preferem maior remuneração de dividendos tendem a optar por ações preferenciais.

Padronizar a governança corporativa é desconsiderar características diferenciais construídas ao longo de anos e direcionar ou até mesmo limitar as opções que as companhias possam vir a oferecer aos investidores. Companhias não são commodities! Portanto, padronizar destrói valor!

Não à toa, mercados desenvolvidos como o inglês e o norte-americano não adotam o princípio de “uma ação, um voto”. De fato, dentre os 18 códigos recentemente pesquisados, apenas os códigos de Alemanha e Argentina adotam esse princípio.

Melhorar as condições do mercado de capitais passa, necessariamente, por elevar a liquidez e volumes de negociação, aumentando a quantidade de ativos ofertados a investidores – ou seja, mais companhias abertas negociadas em bolsa. Há clara restrição de ativos quando se olha, por exemplo, subgrupos setoriais. Alguns apresentam não mais do que duas ou três companhias para investimento. É fundamental que se viabilize um ambiente atraente para novas companhias abertas e o excesso de detalhe no processo de regulação e autorregulação tende a conflitar com esse objetivo.

Um fato comum para todas as companhias - a regra máxima do mercado - é a faculdade de seus acionistas venderem suas posições no caso de discordância dos rumos que a administração determinar. O modelo que melhor funciona é o que prevê ampla e abrangente disponibilização de informações aos públicos de interesse: um modelo de transparência máxima para stakeholders.

Esse foi o modelo que norteou a edição pela Abrasca, ainda em 2007, do "Manual Abrasca de Controle e Divulgação de Informações Relevantes", iniciativa pioneira de autorregulação visando minimizar a prática de uso privilegiado de informações. O referido Manual, que foi incorporado pelo Código Abrasca em 2011, viabilizou a capacitação de mais de 200 profissionais em boas práticas de controles internos e gestão de informações relevantes.

Concluindo, princípios e regras gerais de boa governança devem ser simples, objetivos e inquestionáveis, especialmente quando não abrangem os demais agentes do mercado de capitais e se destinam exclusivamente às empresas de capital aberto. Tais companhias poderão ser as principais beneficiadas pela adoção de um novo código de governança desde que esse contemple os diversos modelos de geração de valor existentes no mercado. No caso de regras excessivas elas serão as únicas a pagar a conta, com risco de não agregar valor nem para as companhias, nem para o mercado.


ANTONIO D. C. CASTRO
é presidente da ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas.
abrasca@abrasca.org.br


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