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Em Pauta

DESAFIOS PARA RETOMADA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL: HÁ EXCESSO DE REGULAÇÃO?

Para analistas consultados pelo Banco Central (BC), a inflação encerrará 2016 em torno de 7,2%. Quanto à Selic, o alívio deverá ser pequeno, chegando a 13,25% no final do ano. A taxa de desemprego atual é de 11,2% ou 11,5 milhões de pessoas, conforme o IBGE. A nova meta fiscal elaborada pela equipe econômica do governo Michel Temer prevê um déficit de R$ 170,5 bilhões para o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) este ano. Apesar do cenário ainda difícil, alguns ajustes estão em curso e parece que a fase aguda da crise está ficando para trás. Para 2017, já se espera uma recuperação na economia entre 1% e 2%.

Em relação à bolsa, são fortes as oscilações, contudo a alta acumulada no ano é de cerca de 30%. Diversos fatores abrem perspectivas mais positivas para o mercado acionário brasileiro. Alguns deles foram elencados em um estudo recente da Lerosa Investimentos. O início do novo governo, principalmente, nova equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é um importante aspecto que contribui para o resgate da confiança dos agentes.

Na pauta de ajuste fiscal estão a criação de teto para os gastos públicos, controle de subsídios, auditoria em programas sociais, prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), devolução de R$ 100 bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional e extinção do Fundo Soberano, além das discussões sobre a Reforma na Previdência. A entrada de Ilan Goldfajn comando do Banco Central, substituindo Alexandre Tombini, também foi bem avaliada pelo mercado.

Há um movimento de melhoria na percepção sobre o país, uma tendência de recuperação de credibilidade é notada no Credit Default Swap (CDS), que voltou a operar abaixo de 300 pontos, informa Vitor Suzaki, analista da Lerosa Investimentos. O pico registrado nos últimos meses nesse indicador foi de 533, sinalizando maior grau de risco. Ao longo deste ano, sobretudo após o processo de impeachment, foi observado um fluxo mais intenso de capital estrangeiro, com entrada em bolsa de R$ 12,6 bilhões até meados de julho. O Instituto de Finanças Internacional (IFF) prevê que os fluxos privados aos mercados emergentes cheguem a US$ 221 bilhões na América Latina, impulsionados pela potencial retomada de crescimento e elevadas taxas de juros.

Por sua vez, as recentes fusões e aquisições em diversos setores da economia trazem viés positivo às empresas listadas, com melhora da visibilidade e precificação, avalia Suzaki. O setor de fusões e aquisições deverá se aquecer ainda mais nos próximos anos, especialmente em áreas estratégicas como energia, educação e infraestrutura, que precisam de elevados altos investimentos.

Para Caio Weil Villares, presidente do Conselho de Administração da Associação das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord), há uma reversão parcial de equívocos do passado recente que “machucaram” os investidores. Por exemplo, as medidas que prejudicaram o setor elétrico: a antecipação de contratos e a contenção de reajustes de tarifas aos consumidores. “As empresas do setor elétrico eram a porta de entrada de investidores na bolsa, pois pagavam bons dividendos”, destaca Villares. Por fim, o setor se reorganizou e os aumentos de tarifas acabaram saindo.

Outros problemas foram a falta de governança adequada e as interferências políticas na Petrobras. Porém, foi sancionada no final de junho a Lei de Responsabilidade das Estatais que estabelece regras mais rígidas para compras, licitações e para a nomeação de diretores, membros do conselho de administração e de presidentes em empresas públicas e de sociedade mista.

Entretanto, no curto prazo, os pontos de observação que podem impor viés negativo à bolsa são os desdobramentos da Lava-Jato e Operação Zelotes, a desaceleração da economia chinesa e os preços de commodities.

Novo fôlego para a Bolsa?
Mas pensando em um horizonte mais amplo, haverá nova perspectiva para bolsa? Na avaliação de Thomás Tosta de Sá, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a resposta é sim. Segundo ele, os recursos públicos secaram. Nesse cenário, o mercado de capitais, incluindo a bolsa de valores, terá importância estratégica para a retomada dos investimentos. O Brasil conta com instrumentos e veículos bastante eficientes para alocação da poupança privada. “Não há mais o “Tesouroduto” que facilitava a captação das empresas”, diz. Para acertar as finanças e melhorar sua eficiência, o governo federal sinalizou a necessidade de privatizações.

Para o desenvolvimento do mercado de capitais, o principal entrave tem sido a taxa Selic elevada. Na sequência, na avaliação de Tosta de Sá, está o excesso de regulamentação. De modo geral, a sociedade brasileira tem sido penalizada. Desde a Constituição de 88, o Brasil já teve mais de três milhões de atos regulatórios entre emendas, leis ordinárias e complementares, decretos, resoluções, instruções e portarias. E a regulação do mercado de capitais segue essa trajetória, tem extrapolado os limites razoáveis, inibindo o funcionamento e roubando a eficiência, critica Thomás Tosta de Sá. O melhor caminho seria uma forma de atuação “light” dos órgãos reguladores. “Em vez de excesso de regras e alterações frequentes na legislação, é mais interessante que se tenha mais fiscalização e punições exemplares”, defende Thomás.

De acordo com Caio Villares, da Ancord, a regulamentação é muito prudencial, restritiva e burocrática. Há uma tendência de se controlar, cada vez mais, as operações no detalhe. “Como subproduto das deficiências para supervisionar, acabou-se gerando regras complexas e detalhadas, com a transferência de obrigações para o setor privado”, afirma Villares. No entanto, isso tem acontecido não apenas no Brasil. É um fenômeno mundial. Mesmo nos mercados de acesso, que visam a entrada de pequenas e médias empresas ou estimular operações de valores menores na bolsa, não é verificado desconto regulatório no exterior.

A complexidade do ambiente regulatório tem reduzido a autonomia e flexibilidade dos modelos de negócios para as corretoras e os agentes autônomos de investimento. Aumentaram os custos de observância do setor com novas exigências de controles, transferências de responsabilidades e obrigações fiscalizadoras aos seus profissionais. O presidente da Ancord enfatiza que vem se consolidando uma visão de que todos os agentes do mercado de capitais devem criar múltiplas estruturas superdimensionadas de governança, controle e segregação de atividades, que podem até ser eficazes em grandes corporações, mas seu peso é desproporcional aos benefícios para corretoras de pequeno e médio porte e tem inviabilizado atividades de nicho ou regionais. “O excesso de regulação vem trazendo riscos desproporcionais ao atual estágio de desenvolvimento do mercado e ao patamar de receitas das atividades de intermediação”, critica Villares.

O economista Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), avalia que o excesso de regulação está, de fato, levando à concentração na área de intermediação financeira. “É preciso discutir o ponto de equilíbrio para que se tenha multi-atores”, afirma. Quanto ao impacto nas empresas, ele considera que é menos intenso, sendo que as pequenas e médias, contam com condições diferenciadas, mais facilitadoras, no Bovespa Mais, mercado de acesso à bolsa. Conforme Costa, as empresas que deixaram a bolsa recentemente, através de OPAs, avaliaram que, ao não terem necessidade de captar recursos – considerando-se o cenário difícil do país também, não seria mais interessante manterem-se listadas em bolsa, tanto pelos custos financeiros como pela falta de liberdade na gestão.

Ele acredita que a autorregulação é fundamental e eficaz. Consiste em um conjunto de regras para autopreservação dos protagonistas do mercado. No entanto, esse sistema tem perdido seu valor no país, uma vez que muitas das medidas instituídas, por livre-arbítrio dos agentes econômicos, têm se sido incorporadas pelos órgãos reguladores. “Isso aumenta as atribuições, sobrecarrega os órgãos reguladores, como é o caso da CVM”, comenta.

Bovespa Mais - mudanças para decolar
Criado em 2005, o Bovespa Mais, segmento de acesso à bolsa deverá avançar nos próximos anos, segundo Cristiana Pereira, diretora comercial e de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa. Hoje neste segmento, são 14 empresas listadas, sendo duas com ofertas de ações e duas inseridas no Bovespa Mais - Nível 2, que tem regras diferenciadas de governança corporativa.

Segundo ela, o mercado ficou parado devido à desafiadora conjuntura econômica e política do país. No entanto, nos últimos anos, foram realizados estudos, captando experiências de uma série de países com mercado de acesso. Com base nessas pesquisas, foram implementadas mudanças para reativar o Bovespa Mais.

O objetivo do Bovespa Mais é permitir o acesso de pequenas e médias empresas (PMEs) ou até companhias maiores já bem estabelecidas no mercado que têm necessidade de capital de R$ 50 milhões a R$ 150 milhões.

Um dos desafios foi qualificar a demanda. Diferente do mercado principal, os investidores nesse segmento em diversos países que se destacam pelo segmento de acesso à bolsa, são investidores menores locais como gestores independentes, family offices, fundos especializados em PMEs até mesmo alguns fundos de venture capital e private equity. Eles têm perfil de longo prazo e menos preocupação com liquidez. “Percebemos essa demanda crescente no país”, ressalta Cristiana Pereira. Nesse sentido, a BM&FBovespa defendeu medidas e, dentre elas, foi ajustada a regulamentação para a criação de fundos que pudessem investir em empresas fechadas, mas continuar aportando recursos em empresas após a abertura de capital. Também foi instituído benefício fiscal - isenção de imposto de renda sobre ganho de capital - para que pessoas físicas e fundos sejam estimulados a adquirirem ações de pequenas e médias empresas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estruturou um programa para ser investidor âncora nos IPOs.

A instrução 476 da CVM, que dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários com esforços estritos, facilita o investimento em empresas menores. Há menor complexidade na preparação e documentação porque essas ofertas são voltadas a grupos de investidores qualificados. “Em outros mercados observamos essa dinâmica de ofertas menores a grupos específicos. Isso vai acontecendo gradativamente, ampliando a base”, comenta.

Contrariando a crise, há crescimento vigoroso de startups no país, empresas emergentes altamente inovadoras. “Esse é um celeiro importante de empresas que podem chegar à bolsa. Acompanhamos esse movimento de perto”, afirma a diretora da BM&FBovespa. Diversas startups que são investidas por fundos de venture capital e private equity podem chegar ao estágio de abertura de capital.

Os processos de listagem no Bovespa Mais levam três meses, em média, para serem concluídos. Para se habilitarem, grande parte do trabalho das empresas é interno. As companhias devem checar e ajustar o que for necessário na documentação societária e serem mais diligentes quanto às demonstrações financeiras, além contratarem auditoria independente. Para ofertas de ações, as comunicações podem ser eletrônicas. A CVM dispensou as companhias das publicações de materiais em jornais.


Continua...