Estatais

PRIVATIZAR É A SOLUÇÃO?

ORDEM DO DIA

  1. Substituir “interesse público” por “maximizar o lucro”;
  2. Contratar por partilha ou concessão, a critério exclusivo da companhia;
  3. Eventualmente, admitir o capital internacional no controle;
  4. Dispensar as admissões e contratações de natureza política.

Estas poderiam ser as intenções básicas de qualquer grupo empresarial privado que se interessasse em assumir o controle acionário de uma companhia estatal do setor petroleiro.

Com interesse despertado também em controlar uma das gigantes mundiais desse mercado, com inigualável expertise em exploração de jazidas em alto mar, captura de óleo a profundidades superiores a 7 mil metros, reservas provadas muito atraentes, mercado cativo num país com mais de 200 milhões de habitantes.

Mas, com esse interesse atenuado por uma dívida que atinge os 75% de seus ativos, força de trabalho cara e superdimensionada, custos de produção superiores às piores médias mundiais, ré numa class action que corre na corte de Justiça da cidade de Nova York, onde centenas de milhares de acionistas reclamam indenização por crimes de fraude financeira.

Uma companhia constituída para explorar um mercado ainda tido como estratégico no cenário mundial, e que já começa a ser discutido no setor empresarial, onde muitos vêem sua importância esvaziada nos próximos 30 a 50 anos.

Descapitalizada, com valor de mercado e imagem pública profundamente abalada pela atividade de quadrilhas de diretores e executivos da própria companhia, que elevaram a corrupção a níveis inéditos na história empresarial em todos os tempos.

DESVENDANDO A PETROBRÁS
Os últimos dados sacados das demonstrações financeiras da Petrobrás indicam o seguinte, em grandes números:

Ativo (imobilizado, investimentos, intangíveis)

 

R$ 645 bilhões

Ativo total

R$ 859 bilhões

Patrimônio líquido

R$ 266,4 bilhões

Total de ações ordinárias

7,4 bilhões de ações

Ações pertencentes à União

3,74 bilhões de ações

Outros investidores públicos federais

0,9 bilhão de ações

Total de ações privatizáveis

4,7 bilhões de ações

Valor patrimonial da ação

R$ 20,42

Valor de mercado da ação ordinária em julho de 2016 (% sobre o valor patrimonial)

 

R$ 13,27 (64,98%)

Acionistas privados, que adquiriram suas ações em pregões da BM&FBovespa, Bolsa de Valores de Nova York e Bolsa de Valores de Madrid, eram pouco mais de 290 mil pessoas em abril de 2016, com participação maciça de acionistas individuais.

As ações privatizáveis da Petrobrás, ao preço atual de mercado, implicam num valor de mercado total ao redor dos R$ 63 bilhões, e num valor patrimonial em torno de R$ 96 bilhões.

Privatizar a Petrobrás significa transferir a propriedade de 4,7 bilhões de ações ordinárias (63,5% do total dessas ações) para outros investidores. A que preço? O valor patrimonial das ações supera em muito seu valor de mercado atual. E este valor patrimonial, no caso da Petrobrás, é ele mesmo uma fração do valor dos seus ativos, como se pode ver no balanço patrimonial. É difícil reunir, no Brasil atual, capital financeiro suficiente para adquirir o controle acionário em caso de privatização. Este poderia vir com mais facilidade do Exterior.

Valor do investimento à parte, dá para aceitar a indústria petrolífera em mãos estrangeiras? Seria imprescindível conceituar o petróleo como ativo não estratégico no país. Finalmente, nessas privatizações sempre existe o critério da golden share, quando o governo pode vetar algumas decisões do controlador. É uma privatização muito complicada. Poderá tornar-se mais conveniente e razoável cogitar em vender ativos comerciais (como a distribuição no varejo), concentrar-se na prospecção e extração de óleo, e estatizar a companhia enxugada.

Claro, nem se deve pensar em privatizar mais uma estatal entregando seu controle aos fundos de pensão das estatais. O erro já foi longe demais com a Vale. Fundo de pensão não é para controlar companhia e ditar sua estratégia empresarial. Controlar companhias está – ou devia estar - completamente fora dos objetivos reais desses investidores que representam centenas de milhares de participantes.

A Petrobrás pretende defender-se nos Estados Unidos, onde a companhia é ré, juntamente com todo o seu Conselho e Diretoria entre 2004 e 2014. Evidente que, no Brasil, a companhia Petrobrás se declara como vítima. Vítima de uma quadrilha de conselheiros e diretores. Não dá para desculpá-los. O dinheiro do rombo é, em grande parte, irrecuperável. Mas nos Estados Unidos a companhia é responsável pelo que aconteceu, porque a legislação não se parece com a nossa, e cria uma situação desconfortável, de ver uma companhia estatal ser punida no Exterior.

No final de junho davam-se números finais ao déficit do Petros, o fundo de pensão da Petrobrás, em valor superior a R$ 23 bilhões, a serem compulsoriamente cobertos pelos participantes ativos e inativos, mais a companhia mantenedora, até o ano de 2034. Há, entre outras, a estranha justificativa de que o perfil das famílias dos segurados dos planos de pensão teria sofrido mudanças, com impacto na estrutura atuarial.

Finalmente: privatizar a Petrobrás mantendo a União como acionista não controladora é algo que vai além da imaginação. Ou a União sai da companhia ou mantém-se no controle. Não há meio-termo.

DESVENDANDO A ELETROBRÁS
Os últimos dados sacados das demonstrações financeiras da Eletrobrás indicam o seguinte, em grandes números:

Ativo (imobilizado, investimentos, intangíveis)

 

R$ 54 bilhões

Ativo total

R$ 149 bilhões

Patrimônio líquido

R$ 37,7 bilhões

Total de ações ordinárias

1,1 bilhão

Ações pertencentes à União

555 milhões de ações

Outros investidores públicos federais

272 milhões de ações

Total de ações privatizáveis

826 milhões de ações

Valor patrimonial da ação

R$ 27,94

Valor de mercado da ação ordinária em junho de 2016 (% sobre o valor patrimonial)

 

R$ 15,98 (57,19%)

Ainda que seja uma companhia bem menor que a Petrobrás, a Eletrobrás acumula um pacote de problemas de solução tão difícil quanto a petroleira.

A NYSE - Bolsa de Valores de Nova York - suspendeu em junho a negociação dos ADRs da Eletrobrás. A decisão ocorre após a estatal comunicar, na véspera, que não entregaria às autoridades dos Estados Unidos os balanços de 2014 e 2015 auditados. A suspensão cria o risco de, na prática, os credores da estatal cobrarem antecipadamente dívidas da companhia. Em fim de junho, o governo pretendia recorrer da decisão.

As próprias autoridades públicas reconhecem que a situação da Eletrobrás não é sustentável. Há evidências de um quadro de corrupção sistêmica comparável ao que desgraçou a Petrobrás, ainda que as dimensões sejam inferiores (por enquanto).

A complexa teia de interesses das empresas de energia que são, afinal, a Eletrobrás, se complementa com uma enorme rede de companhias parceiras do setor privado, que fornecem mais de um terço da energia produzida no Brasil.

A Eletrobrás tem contra si a desvantagem da gestão pulverizada em dezenas de geradoras, distribuidoras e sociedades de propósito específico (SPEs), espalhadas pelo país. Com insuportável sobrepeso nas distribuidoras de seis estados do N-NE (Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Piauí e Alagoas), empurradas pelos governos federal e estaduais.

Suas subsidiárias são exploradas politicamente até a exaustão, implicando no sangramento do caixa da holding, ainda sem se saber a extensão dos danos. Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Eletronuclear são, há mais de 30 anos, fonte de desvios de recursos para enriquecimento de políticos, com a condescendência do ex-presidente José Sarney, do falecido governador Antonio Carlos Magalhães, e do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Os investidores que adquiriram ações e títulos de dívida da Eletrobrás nas bolsas estrangeiras ameaçam comportar-se como os que acionaram a Petrobrás perante a corte distrital Sul do juiz Jed Rakoff, em Nova York.

Além disso...

    1. Será que a União tolera que um grupo empresarial privado assuma o controle acionário da Petrobrás e da Eletrobrás modificando o seu objeto social, fixando-o em maximizar o lucro em lugar de atender ao interesse público?
    2. Foi irresponsável o governo quando autorizou companhias estatais a se submeterem tão rigorosamente a leis de mercado de capitais de outros países. Afinal, o acionista controlador, contra quem a lei estrangeira pode se voltar, é a União.

    3. As duas companhias estão entregues, neste governo ainda provisório de Michel Temer, à gestão de dois profissionais de alto renome: Pedro Parente e Wilson Ferreira Junior. É sinal de gestão competente.


AS ESTATAIS BRASILEIRAS LISTADAS EM BOLSA

Seis companhias estatais controladas pela União federal têm ações negociadas na bolsa BM&FBovespa de São Paulo: Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e BB Seguridade. Segundo os últimos dados disponíveis, levantados pela BM&FBovespa e divulgados em seu site de Internet, estas companhias têm ativos (imobilizados, investimentos, intangíveis) valendo cerca de R$ 750 bilhões, e declaram em seus balanços um Patrimônio Líquido na casa dos R$ 380 bilhões.

Deste Patrimônio, a União, como acionista controlador, detém cerca de R$ 220 bilhões, ou pouco mais de 57% do total, restando cerca de R$ 160 bilhões em poder de aproximadamente 700 mil acionistas privados, com expressiva participação de investidores estrangeiros, que movimentam seus capitais nas bolsas de Nova York e de Madrid, onde se negociam ações da Petrobrás, da Eletrobrás e do Banco do Brasil.

Com exceção da BB Seguridade, lançada mais recentemente que as demais (abril de 2013), as ações das companhias estatais são negociadas, em junho de 2016, em valores sensivelmente inferiores a seus valores patrimoniais, conforme o quadro a seguir (dados de 14 de julho de 2016):

Petrobrás

64,98%

Banco do Brasil

74,03%

Eletrobrás

57,19%

Banco da Amazônia

51,54%

Banco do Nordeste

62,53%

BB Seguridade

682,59%

Com base nestes desempenhos, as ações em poder do público, com valor patrimonial já informado de R$ 160 bilhões, valiam, naquela data, pouco menos de R$ 106 bilhões, ou 66% do seu valor.

Destas companhias, estão na boca do povo como candidatas eventuais a uma privatização duas companhias: a Petrobrás e a Eletrobrás, dois gigantes empresariais do setor energético, vinculadas ao Ministério das Minas e Energia.

Dinheiro do mundo para UM atraente Brasil
Para Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos, há fartura de capital de investimento no Exterior, sempre em busca de alternativas atraentes para aplicações financeiras. Os juros baixos nos países centrais – muitas vezes juros negativos, em que o investidor paga para manter dinheiro aplicado – destacam o Brasil como opção interessante para a compra de ativos.

Celson diz que nunca é demais lembrar que a atratividade de um país depende muito de três fatores: o Estado enxuto, regras muito claras para investidores estrangeiros, e portas de saída tão abertas quanto as de entrada. Dá, como exemplo, que até o Barack Obama nos esqueceu quando, nos últimos dias do governo Dilma, deixou de visitar o Brasil, mas passou uns dias em Havana e Buenos Aires. Não deve ter gostado do agito de Brasília naqueles dias...

Ao mencionar as possibilidades de privatização das empresas estatais listadas na BM&FBovespa, Celson lembra que suas cotações estão em fase de recuperação, com valores atualizados em meados de julho em 66% do valor patrimonial, e que qualquer iniciativa de chamada de capital privado pode levá-las bem próximo ou até acima do valor patrimonial. Entende que a equipe econômica do governo tem como prioridade fazer com que as empresas dêem retorno compatível, e cita o caso do Banco do Brasil, que rende menos do que a taxa Selic. Ele crê que os ministros econômicos devem deixar bem claro que as instituições financeiras do governo devem operar complementarmente, deixando de lado concorrências, como aconteceu com Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal no governo Dilma.

Celson pensa que investidores que foram, um dia, acionistas da Petrobrás e saíram porque não gostaram do que viram, querem voltar a investir na petroleira, assim que o cenário desanuviar e a geração de caixa melhorar. O número de acionistas atual é menos que a metade do que era há dois anos, e a companhia, uma vez levada a sério pela União e pela diretoria, tem tudo para atraí-los novamente.

Para o dirigente da XP, a geração de caixa para o governo, se realmente optar por uma privatização geral e irrestrita das suas estatais e a agilização das concessões para exploração de terminais e modais de transporte, outorgas, securitizações – que o ministro Meirelles define como seu plano B - a operação de venda de ativos ganhará destaque maior, porque as concessões têm sempre contra si custos que exigem contínuas reduções, em especial os custos logísticos.

 

LUIZ FERNANDO RUDGE
é consultor financeiro, foi editor de Economia e Finanças do jornal Folha de S. Paulo e do jornal “Investimento”, da Gazeta Mercantil, e autor de livros sobre mercado financeiro, mercado do ouro e dicionário de finanças.
rudge@enfin.com.br


Continua...