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Entrevista

ELIANE LUSTOSA Diretora, Mercado de Capitais do BNDES

A BNDESPAR, braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é, hoje, o maior investidor institucional do Brasil, com R$ 80 bilhões de ativos sob gestão. No cargo de diretora da área de Mercado de Capitais do BNDES, desde junho de 2016, Eliane Aleixo Lustosa afirma que está sendo formatada uma política específica para atuação do banco nesta área, de forma a balizar seu papel de fomento também para o desenvolvimento do Mercado de Capitais no Brasil, incentivando projetos que tenham externalidades positivas para a sociedade.

Segundo Eliane Lustosa, um dos principais desafios da nova gestão do BNDES será traduzir a nova forma de atuação do banco no crédito, expressa nas políticas operacionais anunciadas no início do mês de janeiro último, também na sua atuação no Mercado de Capitais.

Para tanto, a diretora de Mercado de Capitais do BNDES conta com um currículo que lhe confere experiência para exercer com sucesso sua atuação no cargo. Eliane é PhD em Finanças, pelo Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio (1996-2004), com tese que trata da "Governança Corporativa e o papel dos Investidores Institucionais". É membro da Câmara de Arbitragem do Mercado da BM&FBovespa, conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e do International Integrated Reporting Council (IIRC). 

No setor privado, Eliane Lustosa exerceu cargos de destaque. Foi diretora financeira da LLX Logística, vice-presidente de Finanças e Controle da Abril S/A, diretora de Administração e Finanças da Globex Utilidades e diretora Financeira e de Investimentos da Petros - Fundo de Pensão dos Empregados da Petrobras. Também foi conselheira em diversas empresas, como: Fibria, Gerdau, Coimex, CPFL, Coteminas, Perdigão (hoje BRF).

No setor público, foi diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica do Ministério da Justiça, além de ter exercido funções no Ministério da Fazenda e mesmo no BNDES, quando trabalhou como pesquisadora no âmbito do acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Em entrevista à Revista RI, Eliane disse ainda que o Banco busca melhorar a governança das empresas nas quais é sócio. Nesse sentido, vai dar preferência a Conselheiros profissionais e independentes, escolhidos no mercado para a indicação nas empresas nas quais investe, em vez de funcionários e de diretores da própria instituição. Outra mudança será atuação mais ativa nas Assembleias de Acionistas. Por meio da BNDESPAR, o banco tem participações de forma direta e indireta em 280 empresas. A seguir, acompanhe a entrevista exclusiva concedida à RI.

RI: Como será a gestão do banco no mercado de capitais?

Eliane Lustosa: A BNDESPAR, que é o braço de participações do BNDES, é hoje o maior investidor institucional do mercado de capitais brasileiro, seguida pelas fundações de previdência Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobras). Temos uma carteira de ativos sob gestão, de cerca de R$ 80 bilhões, aplicada em diversas modalidades. Neste contexto, por sermos um importante investidor institucional, podemos exercer relevante papel no mercado de capitais brasileiro. A BNDESPAR atua comprando debêntures - conversíveis em ações ou não - e com participação acionária em empresas, que podem ser fechadas ou abertas, alem de investir, indiretamente, via fundos. O portfolio é formado por 143 participações diretas e 144 participações via fundos, somando um total de 280 empresas. Do valor total gerido, 85% são ações, 13% debêntures conversíveis e 2% participações em fundos de investimentos.

RI: Que foco o banco está buscando para atuar este ano?

Eliane Lustosa: O mercado de debêntures será um de nossos focos em 2017. Estamos estudando, junto com outros bancos de desenvolvimento e agências multilaterais, a estruturação de instrumentos que possam contribuir para mitigar algumas das falhas de mercado que impedem o devido desenvolvimento do mercado de crédito privado. Nesse contexto, cabe mencionar mecanismos de reforço de garantias na fase pré-operacional dos projetos, além de incentivos para aumentar a liquidez dos papéis. Esperamos que os investidores possam ter acesso a papéis com estrutura mais padronizada, o que permitirá uma melhor avaliação e subsidiar sua decisão de investimento.

RI: Quais os principais desafios para a nova gestão?

Eliane Lustosa: Está em análise a formatação de uma política especifica para nossa atuação no mercado de capitais, que vai pautar a atuação da BNDESPAR em renda fixa e variável. O objetivo é incentivar projetos que tenham externalidades positivas para a sociedade. No início de janeiro último, nós divulgamos as novas políticas operacionais, que dizem respeito a atuação do banco na concessão de crédito. Essa política adotou uma abordagem mais transversal, não mais setorial. A ideia é que os projetos que gerem externalidades positivas, tenham seus atributos avaliados e, após o apoio financeiro do banco, sejam sistematicamente monitorados. Estamos detalhando as condições de contorno da nossa atuação não apenas no momento do investimento, mas também no processo de acompanhamento e desinvestimento.
                                   
RI: Como a gestão pode contribuir para a retomada do crescimento do Mercado de Capitais, com novas aberturas de capital?

Eliane Lustosa: No mercado acionário, o Banco pode investir em empresas fechadas ou abertas, em estágio inicial ou mais avançado, e temos uma estratégia para esses diferentes graus de maturidade. A empresa pequena, que ainda não foi para o mercado de capitais, pode receber recursos do Banco, direta ou indiretamente, para apoiar seu plano de negócios e acessar o mercado de capitais em seguida, quando estiver mais estruturada. O banco analisa o business plan (plano de negócios), a capacidade de gestão da empresa, as práticas de Governança, Social e Ambiental, além da rentabilidade do projeto.

RI: Como será a avaliação da empresa interessada em abrir o capital?

Eliane Lustosa: Feita a análise do plano de negócios, fazemos o aporte de capital e depois monitoramos o desenvolvimento da empresa até o momento em que ela estiver preparada para abrir capital. Normalmente uma segunda etapa seria buscar o mercado de acesso e, em seguida, migrar para o mercado já mais maduro. Então, nesse ciclo, o Banco ajuda o mercado de capitais apostando e incentivando bons projetos, boas empresas, que tenham capacidade de gestão, que estejam em processo de aprimoramento suas práticas de Governança, Gestão, Compliance, Ética e Sustentabilidade. O Banco investe, acompanha esse processo de melhoria das práticas de Governança, e essa empresa, em algum momento, vai buscar o mercado de capitais, gerando um ciclo positivo, no qual mais empresas com boa Governança acessam o mercado de capitais.​     

RI: Em entrevistas concedidas à mídia a senhora disse que pretende induzir as empresas a adotarem melhores práticas de Governança Corporativa. Que medidas pretende adotar para colocar esse objetivo em prática?

Eliane Lustosa: O banco vai dar preferência a Conselheiros profissionais escolhidos no mercado para a indicação de representantes nas empresas nas quais investe, em vez de funcionários e de diretores da própria instituição. A percepção é que os diretores e funcionários do BNDES têm uma agenda pesada e o conselheiro precisa de tempo para se dedicar aos temas da empresa. A política de Conselheiros se insere no acompanhamento do investimento, um dos pilares da BNDESPAR. O banco quer assegurar que os investimentos da carteira estão sendo devidamente geridos. Ao fazer esse acompanhamento, o BNDES espera incentivar as empresas de capital fechado a ter requisitos de Gestão e de Governança que permitam uma futura abertura de capital.

RI: O Banco vai acompanhar a atuação dos Conselheiros?

Eliane Lustosa: Sim. Vamos acompanhar periodicamente a atuação dos Conselheiros, informando a eles nossas preocupações para zelar pelo melhor interesse da empresa. Nas indicações de Conselheiros, o Banco também vai considerar a possibilidade de conflitos de interesse. O Conselho tem que ser o lugar de discussão, no qual o devido contraditório ajuda a trazer questões que contribuam para o crescimento sustentável da empresa.

RI: Que outras medidas serão adotadas?

Eliane Lustosa: Além de buscar conselheiros com perfil e tempo disponível para os Conselhos das empresas investidas, outra mudança será atuação mais vocal nas Assembleias de Acionistas. Com essas medidas, busca-se melhorar a Governança das empresas nas quais somos investidores. Por meio da BNDESPAR, o Banco tem participações em 280 empresas, das quais 143 são participações diretas e cerca de 1/3 em empresas fechadas. Nesse portfólio estão também empresas abertas que o Banco já acompanha visando melhorar a Governança.

RI: A nova política operacional divulgada pelo banco vai priorizar projetos e não mais setores. Na bolsa de valores, BM&F Bovespa, vários índices de preços são setoriais. A senhora acredita que essa mudança poderá encontrar resistências para ser aplicada no Mercado de Capitais?

Eliane Lustosa: A atuação do banco vai ser transversal, mas isso não significa que os investimentos não possam ser classificados de acordo com a metodologia de índice de preços vigente. Vale notar que hoje não existem mais diferenças significativas entre setores. Não há tanta clareza na fronteira que separa, por exemplo, serviços e indústria. Os projetos de inovação no comercio digital, seriam enquadrados no setor de comércio ou de serviços? Mesmo investindo em projetos focando investimentos genéricos, como ambientais, por exemplo, está investindo em empresas e com isso a prática não interfere na forma como os índices são calculados.

RI: Como está avançando a estruturação do fundo de investimento em Energia Sustentável, o fundo verde que está sendo montado pela BNDESPAR?

Eliane Lustosa: O fundo verde terá patrimônio de R$ 500 milhões, com participação de até 50% da BNDESPAR e 15 anos de prazo de maturação. Os ativos de lastro serão debêntures de infraestrutura do setor de energia - com rating de agência independente igual ou superior a "A". O fundo será um "Climate Bonds Partner Fund", com ocompromisso de investir prioritariamente em títulos cujos recursos das emissões sejam utilizados para financiar ou refinanciar projetos e ativos alinhados a uma infraestrutura de baixo carbono, conforme indicado nas definições Climate Bonds Standard.


Continua...