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Orquestra Societária

ENTREVISTA: SIMONE LIBÂNIO ROCHA. SUPERINTENDENTE GERAL, HOSPITAL DA BALEIA

A pandemia COVID & o setor de saúde - balanço dos últimos 20 meses
A pandemia COVID-19, deflagrada no Brasil em março de 2020, transformou significativamente a sociedade, a economia e as pessoas. Nesta edição, nos dedicamos ao setor cuja atuação foi fundamental para esclarecer, cuidar e salvar vidas: a Saúde - apresentando uma entrevista exclusiva com a executiva Simone Libânio Rocha, superintendente geral do Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, que discorre sobre o balanço dos últimos 20 meses e suas percepções sobre o futuro.

Simone Libânio Rocha tem sólida formação acadêmica em economia e administração, através de graduação e mestrado profissional na PUC Minas, este último em parceria com a Fundação Dom Cabral – FDC, e MBA Executivo em Finanças no IBMEC/BH. Especializou-se em gestão estratégica e operacional de empresas do segmento de saúde, onde atua há mais de 20 anos, através de consultorias e posições executivas em diversas instituições: Instituto Mário Penna, Hospital LifeCenter, Serviços Próprios da UnimedBH e Fundação Benjamin Guimarães/Hospital da Baleia.

Há 7 anos ocupa a posição de Superintendente Geral no Hospital da Baleia, cujo desafio é gerir o orçamento enxuto da entidade filantrópica, com mais de 300 médicos e 1.100 colaboradores, sendo 75% são mulheres.

Desde 2005, faz a gestão do Grupo do Bem, instituição que atua como investidora social, voltada para o levantamento e investimento de recursos financeiros em projetos sociais em Belo Horizonte e entorno (www.grupodobem.com.br). Acompanhe a seguir a entrevista.

RI:Em março de 2020, a pandemia COVID-19 e a necessidade de cuidados especiais com a saúde tornaram-se amplamente divulgadas nas mídias em geral. Como a senhora descreveria aquele momento inicial?

Simone Libânio Rocha: Do ponto de vista pessoal, foi muito assustador o início da pandemia, pois meu marido foi contaminado. Quando ele adoeceu, eu tive muito medo, mas, logo em seguida, busquei coragem para enfrentar o que era preciso, e também para errar, diante de tantas incertezas e inseguranças trazidas pela COVID. No âmbito institucional, foi um momento ímpar para a área da saúde, nunca havíamos vivido algo semelhante. O conhecimento científico mundial foi desafiado pelas demandas urgentes por soluções, diante de um desconhecimento total sobre a real situação da doença e seus desdobramentos. O desconhecimento da magnitude dos impactos da pandemia também comprometeu o planejamento das ações, gerando incertezas quanto ao futuro de curto e longo prazos. Isso impôs a mobilização imediata dos profissionais do setor para entender a gravidade, revisar o planejamento com celeridade e criatividade e realizar a adequada gestão de três variáveis críticas: 1) Custos, com a majoração imediata e especulativa dos preços dos insumos e equipamentos da saúde. Como exemplo, cito um insumo utilizado em grande quantidade nos hospitais: os preços das máscaras descartáveis com filtro, que aumentaram mais de 3.000% logo após o início da pandemia!!! 2) Nível de estoque dos insumos nacionais e importados, afetado pelo aumento expressivo da demanda emergencial, além da escassez de oferta de princípios ativos produzidos na China, Índia, Indonésia e Malásia, acarretando aumento de preços. 3) Receitas em queda decorrentes da retração das cirurgias eletivas, causada pela suspensão dos procedimentos por parte dos convênios de saúde quanto pelos pacientes, receosos com os riscos envolvidos. As organizações do setor de saúde, submetidas a fortes pressões, tiveram que se tornar mais ágeis e planejar, em vários níveis, para que operassem em um contexto do qual pouco se conhecia. Era preciso fazer acontecer com agilidade, sob grande incerteza e com poucos elementos para subsidiar a criação do futuro. A equipe do Hospital da Baleia, com indicadores de operação muito críticos e conhecimento de que as próximas compras seriam com valores muito maiores, mobilizou a sociedade, através de contatos com parceiros e aproximação rápida com o SUS, buscando recursos em dinheiro, insumos e equipamentos. E conseguimos, felizmente, arrecadar. O balanço do ano 2020 foi positivo! No Hospital da Baleia, ficamos assustados, fomos desafiados e nos organizamos para superar o momento crítico! Este é o resumo do que passamos no momento inicial.

O Hospital da Baleia durante a pandemia do COVID-19

  • Inauguração de ala de internação com 34 leitos.
  • Reposicionamento da oferta de leitos de internação para leitos de COVID (enfermarias, apartamentos e leitos de UTI).
  • Estabelecimento de novas parcerias com mais de 80 empresas, permitindo a arrecadação de recursos relevantes para sua sustentabilidade e perenidade.
  • Planejamento e execução de ações voltadas para a captação de recursos destinados aos tratamentos contra a COVID.
  • Captação de mais de 105 mil unidades de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), dentre eles: luvas, máscaras, toucas, aventais, protetores faciais e litros de álcool 70%, além de monitores multiparâmetros, ventiladores e respiradores.
  • Contratação de novos colaboradores para atendimento exclusivo às alas “COVID” e aumento do Corpo Clínico.
  • Referência no atendimento a pacientes dialíticos com suspeita e diagnóstico de COVID para a Secretaria Municipal de Saúde de BH.
  • Emissão de boletins diários sobre a ocupação COVID para os colaboradores e Corpo Clínico.
  • Treinamento constante aos colaboradores quanto às formas de contágio e prevenção da doença, por meio de vídeos, informativos, materiais gráficos e depoimentos ao vivo.
  • Foco na segurança dos colaboradores e equipes médicas, pacientes e acompanhantes.
  • Readequação dos espaços para contenção e prevenção da doença.

 Unidades - O Complexo Hospitalar é composto por cinco unidades: Antônio Mourão Guimarães, Baeta Vianna, Maria Ambrosina, Núcleo Médico e o Centro de Radioterapia, que completa o tratamento de pacientes oncológicos com equipamentos de alta tecnologia. A Instituição está localizada em uma área de 3 milhões de m², inserida de um parque com mata preservada.

Atendimentos - O Hospital da Baleia atende pacientes de 88% dos municípios mineiros, sendo 95% desses atendimentos destinados ao SUS. Os números de atendimento impressionam tanto quanto a sua trajetória de 77 anos e a vasta área de mata preservada.

Números de 2020 - Mais de: 500 mil procedimentos médicos, 91 mil internações, 50 mil sessões de hemodiálise, 30 mil sessões de quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia, 12 mil consultas pediátricas, 11 mil cirurgias, 300 mil exames e 230 mil atendimentos.

Corpo clínico - 342 profissionais médicos, 36 residentes e especializandos, 31 especialidades médicas e 9 residências médicas.

Colaboradores - Mais de 1.100 colaboradores.

Hotelaria - 210 leitos, sendo 20 de CTI Adulto e 10 de CTI Pediátrico. Centro Cirúrgico com 11 salas e um parque altamente tecnológico.

Relatório de Sustentabilidade do Hospital da Baleia: https://hospitaldabaleia.org.br/wp-content/uploads/2021/07/pdf-site-3105-compactado1.pdf 

RI:Qual é a sua percepção sobre a reação da sociedade e mercado brasileiros com a deflagração da pandemia?

Simone Libânio Rocha: As reações contrárias aos aumentos abusivos de preços ultrapassaram as organizações de saúde e mobilizaram a sociedade como um todo, com destaque à atuação do Ministério Público. Os preços foram reduzindo com o passar do tempo, devido às pressões sociais e organizacionais, bem como pelo próprio ajustamento da indústria às necessidades da população e do setor de saúde. Não retornaram ao patamar anterior àquele do início da pandemia, mas houve e tem havido certa redução. É importante dizer que para insumos egressos de mercados monopolistas, é muito difícil negociar reduções maiores. Destacamos novamente, a importância e a força das parcerias no caso do Hospital da Baleia e – acreditamos – em outras organizações do setor de saúde. Os parceiros, entre tradicionais (SUS e demais) e novos, foram, simplesmente, fundamentais. A solidariedade emergiu, conseguimos acessar órgãos públicos e empresas de grande porte, com melhor relacionamento, maior abertura e compreensão da necessidade da urgência da ação deles. No nosso caso, foi imprescindível para que pudéssemos seguir adiante. Uma das principais lições resultantes do que temos passado ao longo da pandemia é: existe solidariedade institucional e célere, quando existe confiança na seriedade de quem se propõe a servir. E constatamos que a marca Baleia é forte no território mineiro. Gostaríamos de mencionar, neste ponto, que vários hospitais se tornaram referência em diversas frentes do atendimento à população, ao longo da pandemia. O Hospital da Baleia foi considerado, pela Prefeitura de Belo Horizonte, referência no atendimento a pacientes dialíticos com suspeita e diagnóstico de COVID e cujos tratamentos não poderiam ser interrompidos. Trata-se de um tratamento delicado e que requer grande cuidado e continuidade; assim, o reconhecimento do nosso trabalho foi muito gratificante. De qualquer forma, governo e sociedade não estavam preparados, não havia o conhecimento dos desdobramentos da COVID. Algumas ações foram equivocadas, houve polarização de recomendações, foram exigidas dos órgãos públicos reações rápidas. No Hospital, foi feito um reestudo de oferta de leitos e houve um redirecionamento para leitos COVID, preservando as internações dos nossos pacientes tradicionais (oncologia, nefrologia, pediatria, dentre outros). A pandemia trouxe angústia, abrangeu um universo muito grande, escancarou a diferença entre os níveis sócios-econômicos e divergências na forma de encarar a doença. Nesse contexto, o Hospital da Baleia apoiou seus profissionais por meio de frequentes reuniões de alinhamento.

RI:E quanto à reação das pessoas, nos primeiros tempos de pandemia? E a reação dos profissionais da saúde?

Simone Libânio Rocha: Todos os agentes setoriais, hospitais, planos de saúde, profissionais e pacientes, diante da falta de informações sobre o que estava ocorrendo e sobre o futuro, passaram a se comportar de modo muito defensivo. O que é compreensível, diante dos altos níveis de desconhecimento do problema e da forte incerteza. De nossa parte, procuramos atuar de forma rápida e ordenada. Como o atendimento aos pacientes precisava ser feito presencialmente, não poderia haver home office no nível assistencial. A equipe administrativa viveu um pequeno período de trabalho a distância, mas logo concluímos que a presença física seria fundamental e voltamos a trabalhar nas dependências do Hospital. Isolamos os locais de possível contaminação com o vírus, sem prejuízo da empatia, proximidade do paciente, “olho no olho”. Hoje, no final de novembro de 2021, concluímos que a nossa decisão foi positiva e assertiva, nossos indicadores sobre todos esses meses de pandemia são bons. Ressalto que o nosso propósito é promover saúde de qualidade, com respeito ao ser humano e dedicação ao conhecimento, para isso existimos. Assim, vivenciamos o medo, o receio, a insegurança sem esmorecer a nossa missão. a primeira onda da pandemia, BH ficou totalmente fechada. Após, vários colegas tiveram COVID, poucos em situação muito grave. Em janeiro de 2021, foi iniciada a vacinação nos agentes de saúde. Tivemos a perda de um colega jovem, contaminado externamente pelo vírus e que terminou por falecer. Sua morte marcou muito a Instituição e, preocupados com os impactos sobre os colaboradores, fizemos maciça comunicação, pedindo o apoio de todos na prevenção da doença. Mobilização, replanejamento de espaços, comunicação, tem que ser tudo bem feito, para não trazer prejuízo aos tratamentos. As pandemias que assolaram o mundo eram diferentes e ocorreram em momentos muito diferentes do atual. No histórico recente, não havia um passado para visitar. Nesse ponto, é importante mencionar algo que saltou aos olhos na sociedade e no setor de saúde que, afinal, faz parte da humanidade: o medo. Afinal, quase nada se sabia sobre tratamentos ou vacinas aplicáveis ao enfrentamento do vírus em larga escala. Havia medo de contaminação, de adoecer, de perder a vida. Contudo, era imprescindível seguir adiante, convivendo com a contingência e servindo à população. A gestão de pessoas nos hospitais é crítica e foi potencializada na pandemia. Veja: escrever protocolos médicos e recomendações para a prevenção contra as doenças é tarefa complexa, mas exequível em pouco tempo quando há foco para tal. Divulgar também se enquadra em ações que podem ser feitas rapidamente. Contudo, implementar o conteúdo do que é necessário fazer nas condutas, mentes das pessoas e no cotidiano, em um ambiente de pressão e tensão, não é fácil. Sabedores da criticidade da gestão de pessoas em um hospital, especialmente em contexto de pandemia, buscamos uma comunicação intensa com os nossos profissionais, usando todos os meios ao nosso alcance, entre físicos e tecnológicos. Fizemos várias reuniões, com um apelo: vamos todos ajudar. A maioria das pessoas que atendemos não tem como pagar tratamentos médicos privados; portanto, elas precisam de nós. Conforme dito, optamos por retornar todos ao trabalho – todos mesmo – após os primeiros dias de home office. Posso dizer que praticamente não tivemos home office. Se o nosso serviço é com pessoas, tínhamos que estar com elas. Naturalmente, tomando todas as precauções: distâncias de segurança, uso de máscaras, de álcool gel e tudo o mais. É importante reconhecer a atuação das equipes lideradas por nossos superintendentes, gerentes, coordenadores, supervisores, colaboradores e Corpo Clínico, que atuaram de forma incisiva em relação aos cuidados, aos tratamentos adotados, aos esclarecimentos quanto aos riscos envolvidos e à busca pelo engajamento de todos na luta contra a doença. Observo que prevaleceu a serenidade ao lado de uma atenção permanente aos perigos que nos cercavam.

RI:O tempo passou e 2022 se aproxima. Como a senhora percebe o momento atual da pandemia? E quais são suas percepções sobre as tendências futuras?

Simone Libânio Rocha: O conhecimento científico aumentou, é fato. E notamos que não se trata apenas de conhecimento sobre tratamentos e vacinas, mas de como lidar, operacionalmente, contra o COVID nos hospitais e demais centros de saúde. Aprendemos muito sobre como trabalhar em situação de pandemia. Destacamos também, como não poderia deixar de ser, a vacinação no Brasil, iniciada em janeiro de 2021, que tem criado resultados muito positivos. Constatamos que o retrato da pandemia em nosso país, nesse final de 2021, registra bons avanços na redução dos níveis da doença, em sua maior parte decorrentes da vacinação. Naturalmente, pode haver dúvidas sobre as vacinas criadas, sobre o seu tempo de desenvolvimento, mas os resultados têm mostrado que a vacinação ajuda a reduzir mortes e a normalizar a vida. Nossa percepção sobre o futuro relacionado à pandemia, considerando a vacinação e o aprendizado até aqui acumulado, além do que virá adiante, é positiva. Todavia, é preciso ir muito além. A pandemia COVID expôs, da forma mais clara possível, com todas as cores, a forte desigualdade social no Brasil e no mundo. Temos que repensar profundamente as formas pelas quais as organizações operam e buscam seus objetivos, sejam privadas ou não. Os desdobramentos socioambientais da atuação organizacional não podem ser ignorados e precisamos construir um futuro, incluindo-os em nossas agendas de trabalho. Assim sendo, consideramos absolutamente necessário que temas como ESG (Environmental, Social and Governance) sejam levados muito a sério pelas empresas e demais organizações, incluindo aquelas com o perfil do Hospital da Baleia. Conforme afirmamos no início, uma das principais lições da pandemia COVID é que existe solidariedade institucional quando existe confiança na seriedade de quem se propõe a servir. No caso do Hospital da Baleia, precisamos dos nossos parceiros, sem os quais, não temos sustentabilidade financeira. Todavia, precisamos também de sustentabilidade socioambiental. No front social, acreditamos estar cumprindo nossa missão, com transparência, conforme demonstram as informações disponibilizadas em nosso site institucional. No front ambiental, reconhecemos a importância na preservação da extensa área ambiental que ocupamos, bem como promovemos ações que garantam uma operação que proteja o meio-ambiente.

RI:Além de incrementar o planejamento, recorrer a parcerias existentes e novas, criar bons protocolos e dar especial atenção aos profissionais da saúde, o que mais foi preciso fazer para lidar com a pandemia?

Simone Libânio Rocha: A figura da Orquestra Societária, que abrange fundamentos como estratégia, processos, pessoas e outros reflete bem as dimensões nas quais tivemos que intervir. Aliás, aproveitemos para fazer uma breve varredura do que temos feito no Hospital da Baleia, com base na Orquestra. No plano da estratégia, tivemos que agregar muito mais agilidade e flexibilidade nas ações e escolhas, conforme dito. Além disso, melhoramos nossa avaliação sobre a autonomia de decisão, pois existem orientações que não podem mudar (como priorizar a saúde das pessoas, sem transigir) e aquelas que precisam ser alteradas em campo. Destacamos a importância da flexibilidade para mudar e a grande relevância das parcerias, sejam estas existentes ou novas. Parcerias são fundamentais à sustentabilidade do Hospital da Baleia e de vários hospitais brasileiros. Na dimensão das pessoas, enfatizo, novamente, nossa grande preocupação com os colaboradores e médicos, o que remete à grande importância da formação dos profissionais de saúde, não apenas na esfera técnica, mas também na seara humanística. No que diz respeito à dimensão processos, nossas atividades foram substancialmente melhoradas. Além de tornar nossos controles financeiros e de estoque mais rígidos, em função da absurda inflação nos preços de insumos, criamos novos protocolos de saúde, reavaliamos outros e tivemos grande aprendizado em questões diversas, a exemplo da gestão de leitos para pacientes de COVID e os demais. Destacamos também a melhoria substancial no processo de comunicação com colaboradores para fins de alinhamentos e engajamento. Já sobre a dimensão projetos, a realidade demonstrou ser possível, mesmo durante uma grave pandemia, criar oportunidades para a captação de recursos quando se tem projetos a mão. O Hospital da Baleia conseguiu mobilizar seus parceiros tradicionais e novos para apoio a projetos que levaram ao aumento da capacidade instalada e à renovação do parque tecnológico.

RI:Quais são os principais aprendizados ou lições decorrentes do enfrentamento da pandemia, em âmbito pessoal e organizacional?

Simone Libânio Rocha: Em nível do ser humano, podemos afirmar que a pandemia COVID mais do que demonstrou que a vida é contingente. Acredito que poucas pessoas poderiam prever algo como temos vivido, especialmente da forma como tudo aconteceu. Viver é enfrentar incertezas, é lidar com o imprevisível e, por vezes, com o altamente improvável. Assim sendo, é preciso buscar coragem, força interna, serenidade, flexibilidade e, ao mesmo tempo, comprometimento com o que vale a pena realizar. No plano organizacional, as lições também são valiosas, especialmente no que tange à essencialidade dos seguintes elementos, que não podem faltar na gestão de uma pandemia e – temos certeza – de uma organização como o Hospital da Baleia: 1) planejamento ágil e flexível, sempre; 2) bons e imprescindíveis parceiros, que confiem na seriedade do trabalho organizacional; 3) bons protocolos de saúde, orientados e operacionalizados por bons profissionais; 4) comunicação eficaz com os colaboradores; e, 5) capacidade de criar realmente bons projetos, buscando recursos para esta finalidade.

RI:O que deve ser adotado e o que deve ser evitado por empresas que operam no setor de saúde?

Simone Libânio Rocha: O que deve ser adotado está, necessariamente, conectado às lições anteriormente mencionadas. Primeiramente, destacamos a necessidade de planejamento robusto, baseado em bons indicadores, ágil e flexível. Aliás, acreditamos que o planejamento nos moldes antigos, by the book, ou melhor, by the old book, nos moldes dos antigos manuais de planejamento estratégico, esteja em vias de extinção, se já não tiver sido extinto. Destacamos, em seguida, a importância dos parceiros e de sua confiança no trabalho da organização. Da transparência, da prestação de contas, da boa governança, em suma. Governança de boa qualidade é um caminho sem volta. Na sequência, citamos os protocolos de saúde, baseados em melhores práticas e nas especificidades de cada organização hospitalar. Para isso, é imprescindível contar com orientação técnica segura, além de humanística. Boas práticas não apenas ajudam a fazer melhor, mas a fazer melhor com menos recursos financeiros. E enfatizamos também a comunicação intensa com os colaboradores. Com mais de 1.100 colaboradores, precisávamos nos comunicar, alinhar, realinhar, continuamente. Foram várias as reuniões, boletins, vídeos e outros meios que usamos para esses fins. Por fim, citamos os bons projetos, que precisam existir, a fim de renovar a organização, de torná-la melhor. Lembrando que projetos se tornam processos posteriormente. E quanto ao que deve ser evitado? O pânico é o primeiro elemento a evitar em uma situação como a de uma pandemia. Temos que buscar, a um só tempo, coragem e serenidade, por vezes, em meio ao caos. Outro elemento a ser evitado é o desalinhamento da equipe: é preciso existir real comprometimento com o que precisa ser feito.

RI:Em sua visão, qual deverá ser a estratégia a ser adotada pelas organizações do setor de saúde, à luz de todos esses meses de pandemia COVID?

Simone Libânio Rocha: No caso das organizações como o Hospital da Baleia, parcerias são um ponto fundamental. Outro ponto é a compreensão de quem sem uma boa governança, não se conseguirá parcerias, que são baseadas em confiança. Sobre as organizações do setor de saúde, de forma mais ampla, acreditamos que essas provavelmente não deixarão cair no esquecimento tudo o que foi aprendido com a pandemia COVID. Essa memória precisa ser preservada, as lições, internalizadas, e as soluções, aperfeiçoadas. Acreditamos que dificilmente o futuro repetirá o passado.

RI:A seu ver, o que a pandemia COVID ensina ao governo brasileiro?

Simone Libânio Rocha: Tudo o que o Estado fizer para assegurar o acesso dos brasileiros à saúde tem fundamental importância, lembrando que o direito à saúde está previsto em nossa Constituição Federal. A saúde é um direito fundamental. Para as organizações como o Hospital da Baleia, que buscam servir ao povo na área da saúde, parcerias com as organizações do Estado ligadas à saúde são cruciais, nos aspectos de apoio financeiro e acesso. Adicionalmente, a pandemia COVID demonstra que é preciso haver boa articulação entre as várias esferas do Estado, lembrando que o Brasil é um país continental e com variadas organizações estatais em seu território. O propósito é que cada esfera contribua, dentro de sua respectiva competência, da melhor forma possível, para o enfrentamento de algo sério, como a pandemia COVID.

RI:Retornando à frase “a vida é contingente”: qual mensagem ela cria, em sua opinião, para as pessoas, de modo geral?

Simone Libânio Rocha: Esta pergunta remete ao grande escritor mineiro Guimarães Rosa, um dos grandes do Planeta: “o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Ou seja, a vida é contingente e requer que busquemos o enfrentamento dos desafios. Seres humanos podem ter medo de várias coisas; por vezes, momentos de desalento também podem existir. Mas o mais importante é exercitar a coragem que, enfrentada diariamente, traz experiência e o fortalecimento de princípios valorosos, como a justiça, a ética, o respeito à vida e a segurança para seguir em frente. Como diz Guimarães Rosa, o que a vida quer de nós é coragem.

Após esta bela entrevista, aguardamos e agradecemos, por antecipação, às eventuais reflexões advindas de nossos leitores. E aproveitamos para desejar um Feliz Natal, bem como um 2022 com muita saúde, paz e alegrias.


Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com


Continua...