Destaque

DELTAN DALLAGNOL COORDENADOR DA FORÇA-TAREFA DA OPERAÇÃO LAVA JATO

Deltan Martinazzo Dallagnol, 36 anos, paranaense de Pato Branco, é procurador do Ministério Público Federal desde 2003, que ganhou notoriedade por integrar a força-tarefa da Operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção na Petrobrás. Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com mestrado em Harvard, é um dos maiores especialista no Brasil em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro.

Em entrevista exclusiva à Revista RI, Deltan Dallagnol destaca que a Operação Lava Jato trouxe esperança na luta contra corrupção, mas ainda é difícil punir corruptos no Brasil. Ele alerta que é preciso mudar a legislação para garantir que os criminosos que cometem esse tipo de crime “permaneçam por mais tempo na cadeia e devolvam o dinheiro desviado da saúde, segurança e educação”. O procurador teve um trabalho essencial para se chegar a 1,5 milhão de assinaturas do projeto "Dez medidas contra Corrupção" apoiado pelo Ministério Público Federal, atingido em fevereiro de 2016.

Dallagnol afirma que a Operação Lava Jato quebrou todos os recordes de devolução de recursos para o país, recuperando R$ 3 bilhões. Antes da Lava Jato, tudo que foi recuperado no país e entrou nos cofres públicos, em todos os outros casos de corrupção juntos, somam menos de R$ 45 milhões. Acompanhe a entrevista concedida à RI, em 7 de junho último.

RI: Em sua avaliação, quais são as principais mudanças de paradigmas e os avanços normativos que a “Lava-Jato”, ainda em curso, trouxe e ainda trará ao combate à Corrupção no Brasil?

Deltan Dallagnol: A Lava Jato contribui de três modos diferentes. Primeiro, quebra a sequência de práticas históricas e rompe a impunidade de elites, levando empresários e políticos a pensarem duas vezes antes de praticar corrupção. Além disso, expôs problemas jurídicos que geram, na quase totalidade dos casos, impunidade, estimulando mudanças, quer pela revisão de posicionamentos dos tribunais, quer por mudanças legislativas. Por fim, incentivou e incentiva a reflexão social sobre o problema e sobre como cada um contribui com esse cenário catastrófico de macrocorrupção por meio da microcorrupção, aquela praticada no dia a dia.

RI: A Operação “Lava-Jato” introduziu uma grande mudança na luta contra a Corrupção no Brasil, mas ainda é difícil punir corruptos em nosso país. Na sua avaliação, o que é preciso mudar na legislação brasileira para garantir que criminosos que cometem esse tipo de crime permaneçam por mais tempo na cadeia e devolvam aos cofres públicos o dinheiro desviado da saúde, segurança e educação?

Deltan Dallagnol: O Brasil é o paraíso da impunidade para corruptos e corruptores. Impunidade alimenta a corrupção, como evidenciam estudos internacionais. Precisamos romper a impunidade não só num caso concreto, mas pela reforma do sistema de justiça, e para isso vieram as “10 medidas contra a Corrupção” que se sagraram um projeto de iniciativa popular, em tramitação no Congresso. Precisamos, para além disso, de reforma política.

RI: Na sua experiência, como especialista em investigações de crimes financeiros, quais são as principais dificuldades para detectar os desvios? As tecnologias ou sistemas bancários e fiscais têm ajudado nesse tipo de investigação? Como estão as cooperações entre as autoridades policiais e judiciárias brasileiras com governos de países conhecidos por serem paraísos fiscais?

Deltan Dallagnol: Hoje temos bons instrumentos de investigação, como colaboração premiada e cooperação internacional, mas temos um buraco negro ou máquina de impunidade na fase do processo judicial perante os tribunais. As regras são feitas para que não haja a punição de colarinhos brancos.

RI: O sistema financeiro brasileiro é extremamente regulamentado, normatizado e com diversos órgãos de fiscalização. Porque esses órgãos de fiscalização não detectaram as transferências significativas de valores entre os atores do Lava-Jato? O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) não estaria falhando no acompanhamento da movimentação financeira dos políticos? Não seria o caso de incluir na Lei n.º 9.613/98 (modificada pela 12.683/12) , artigo 9º (rol de pessoas obrigadas) os agentes políticos eleitos?

Deltan Dallagnol: A corrupção não é um crime fácil de ser descoberto. A movimentação de milhões por empreiteiras é algo natural, e eram criadas empresas de prestação de consultoria que faziam contratos de fachada para movimentar dinheiro, o que não é algo simples de ser detectado. O COAF e outros órgãos têm trabalhado bem, mas eles não têm bola de cristal. As dificuldades de apurar corrupção pelo rastreamento financeiro ressalta a importância da colaboração premiada como técnica especial de investigação aplicada a esse tipo de crime.

RI: Antes da “Lava-Jato”, todo o valor recuperado em outros casos de corrupção no Brasil somam menos de R$ 45 milhões. Desde o início dessa Operação, qual o montante desviado que retornou aos cofres públicos? É possível avaliar o montante total do valor ainda a ser recuperado?

Deltan Dallagnol: O valor repatriado em outros casos, somado, efetivamente, não passou de R$ 45 milhões, e neste caso já passa de R$ 500 milhões. O valor recuperado, repatriado ou devolvido no Brasil, já supera R$ 3 bilhões. O sistema de recuperação de ativos do tipo "recolher leite derramado" é falho, e as brechas no sistema de justiça impedem uma recuperação efetiva usando estratégias tradicionais. O valor recuperado na Lava Jato se deve integralmente aos acordos de colaboração feitos pelo Ministério Público.

RI: O Ministério Público Federal apresentou, em 20 de março último, um projeto com “Dez medidas contra a Corrupção” para aprimorar a prevenção e o combate à impunidade no Brasil. As propostas começaram a ser desenvolvidas pela Força Tarefa da Lava Jato em outubro de 2014 e foram analisadas pela Procuradoria-Geral da República em comissões de trabalho. O senhor realizou um trabalho essencial para se chegar à 1,5 milhão de assinaturas de apoio, atingido em fevereiro de 2016. Qual é a importância desse projeto, e quais são os principais pontos que o senhor destacaria?

Deltan Dallagnol: As 10 medidas contra a Corrupção têm três focos centrais: prevenção da corrupção, para que ela não aconteça; punição adequada dos corruptos (hoje a punição é uma piada de mau gosto) e que saia do papel (dando um basta na impunidade); e criação de instrumentos para recuperar o dinheiro desviado de modo mais efetivo. Essas propostas são essenciais para termos um sistema que minimamente nos dê instrumentos para lidar com a corrupção nas proporções em que ela existe hoje e contribuir com a diminuição dos índices de impunidade e de corrupção. Segundo um estudo publicado pela FGV, hoje a punição dos corruptos ocorre em apenas 3% dos casos, e ainda nesses casos não é, via de regra, prisão, mas sim prestação de serviços ou doação de cestas básicas.

RI: Qual é a sua avaliação sobre vazamentos de delações premiadas, antes do fim do sigilo e da homologação? Esses vazamentos estão sob investigação?

Deltan Dallagnol: Grande parte das informações que aparecem na imprensa não são vazamentos, mas reflexo da publicidade das investigações, que deve ser a regra. Os casos de efetivos vazamentos são criminosos e prejudicam as investigações. Há inquéritos instaurados para apurar casos de vazamentos, contudo são condutas bastante difíceis de serem investigadas, até porque há o sigilo de fonte jornalística, um direito “sagrado” da imprensa numa democracia. Mais cedo ou mais tarde, de todo modo, esperamos que todas as informações se tornem públicas, pois a sociedade tem direito de saber dos fatos para que possamos agir preventivamente para impedir que novos escândalos como esse se repitam no futuro. Como expressão de nosso compromisso com a transparência, criamos o primeiro site sobre um caso criminal no Brasil: www.lavajato.mpf.mp.br.

RI: As autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato têm sofrido algum tipo de tentativa de interferência política? Há algum risco de esvaziamento das investigações?

Deltan Dallagnol: Em diversas notícias recentes vimos tentativas de interferência por parte de investigados de diferentes partidos políticos. O escudo de proteção da Lava Jato é a opinião pública, a sociedade. Precisamos continuar contando com esse apoio para que as investigações possam prosseguir.

RI: Em 24 de maio de 2016, o procurador da República Roberson Pozzobom, da equipe da força-tarefa da Operação Lava Jato, afirmou que: “A corrupção é praticamente uma regra nos negócios públicos. Por outro lado, mesmo em um cenário calamitoso como esse, vemos uma inércia do Congresso Nacional em aprovar medidas legislativas que possam reverte esse quadro, esses vícios na administração pública”. Qual sua avaliação sobre essa questão?

Deltan Dallagnol: Seguindo a linha de um conhecido autor, gosto de pensar em relações interpessoais como contas correntes. Quando ajudamos um amigo, fazemos um crédito em nossa conta corrente relacional. Quando pisamos na bola, fazemos um débito. O Congresso Nacional fez diversos débitos em sua conta corrente com a sociedade. O poder delegado pelo povo aos governantes foi, nitidamente, abusado. Deveria ser exercido em prol de todos e foi exercido em benefício de poucos, enriquecendo ilicitamente empresários e políticos. Mais ainda, deturpou a democracia ao gerar recursos usados em campanhas à margem de contas oficiais. Para além disso, o Congresso não tem "cortado na carne" para excluir parlamentares corruptos do modo como deveria. Há dezenas de acusados com amplas provas e até agora apenas André Vargas e Delcídio do Amaral foram cassados. Houve tentativas, pior ainda, de aprovar projetos contra as investigações, num claro contra-ataque do sistema corrupto. O Congresso deveria aproveitar as “10 medidas contra a Corrupção” para criar uma agenda positiva com a sociedade, para buscar reconstruir a confiança perdida. Vemos hoje a movimentação de diversos parlamentares nesse sentido, o que deve ser valorizado, mas precisamos que o Congresso e o Governo como um todo se movimentem nesse sentido. Para que isso aconteça, precisamos que a sociedade continue envolvida nessa iniciativa, que é dela, estabelecendo contato com parlamentares federais e incentivando a tramitação célere e aprovação das propostas.

RI: O senhor acredita, que a quantidade de “delações premiadas” deverá aumentar a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar prisões a partir de decisões de segunda instância?

Deltan Dallagnol: Sim, porque toda decisão ou lei que diminuir a impunidade torna a alternativa ao acordo mais onerosa. A razão pela qual as penas dos acordos são relativamente baixas é porque a alternativa dos réus, em regra, é buscar a impunidade nos labirintos do Judiciário. Ainda sim, duvido que alguém me aponte dez pessoas da elite econômica ou política que cumpriram as penas que os colaboradores estão cumprindo. Isso mostra uma realidade clara: enquanto a impunidade reinar, é difícil ter acordos de colaboração e, por consequência, será difícil apurar corrupção e ter outros casos como a Lava Jato. Esta é um ponto fora da curva, um oásis de esperança num deserto de impunidade.


Continua...