A  profundidade da recessão brasileira é a pior que o país já teve. O PIB  brasileiro vai apresentar uma queda média de 2,5% no período de 2014 a 2016, o pior  desempenho em qualquer momento dos últimos 115 anos. Por outro lado,  os fundamentos da economia brasileira estão muito longe de serem os piores já  apresentados pelo país. A avaliação é do economista e consultor Ricardo Amorim, presidente da Ricam  Consultoria. Otimista, em seu recém lançado livro: “Depois da Tempestade”, ele prevê uma recuperação no Brasil que surpreenderá  pela força.
Ricardo  Amorim já foi chamado de guru da economia quando acertou ao afirmar que a crise  provocada pelo estouro da bolha do subprime no mercado americano, ia demorar anos e não meses ou trimestres, como era a crença  geral naqueles idos de 2008.
Em  entrevista exclusiva à Revista RI, Ricardo Amorim, que acaba de lançar seu  primeiro livro: “Depois da Tempestade”,  fala sobre déficit público e dos erros que o causaram, das condições do governo  “interino” de Michel Temer de fazer o ajuste fiscal, da montagem do Ministério,  da reforma da Previdência e ainda sobre a necessidade de acelerar as  privatizações e concessões para o crescimento da economia e para estimular o  mercado de capitais. Ele também ressalta que é muito importante uma pressão popular. “A verdade é que sem cobrança popular, a  classe política trabalha em benefício próprio e não em benefício do país”.  Acompanhe a entrevista.
RI: O senhor considera que o Brasil está vivendo a mais profunda  recessão em um século. Que indicadores demonstram essa afirmação?
Ricardo Amorim: O IBGE tem dados para o  crescimento do PIB brasileiro desde 1900. Na hora que a gente olha esses  indicadores, o critério que usei foi considerar uma média de três anos do  crescimento do PIB. Se formos considerar o período de 2014 a 2106 o PIB vai ter  uma queda média nesse período de 2,5%, considerando as atuais projeções feitas  para o seu desempenho em 2016, medida pelo Relatório Focus do Banco Central.  Esse é o pior desempenho em qualquer momento dos últimos 115 anos. Se ao invés  de três anos, eu pegasse só dois anos e considerasse só 2015 e 2016, ficaria  pior ainda. A queda média seria de quase 4% do PIB. Em nenhum outro período  tivemos um desempenho tão ruim assim. O que se vê é que a profundidade da  recessão brasileira é a pior que já tivemos. Por outro lado, os fundamentos da  economia brasileira estão muito longe de serem os piores de nossa história.  Então, o que explica, se os fundamentos não estão tão ruins, a gente esteja  vivendo uma crise tão grave? É que, somou-se a fundamentos fracos, mas não  péssimos, uma crise política gravíssima que levou a uma paralisia. O que causou  a crise foi esse processo que se reforçou de uma crise econômica, que alimentou  uma crise política, e que retroalimentou a crise econômica.
RI: Que erros nos levaram a crise?
Ricardo Amorim: A crise econômica veio de três  grandes desequilíbrios gerados no primeiro mandato do governo Dilma. O primeiro  de contas externas, o segundo de inflação e o terceiro de contas públicas. Uma  série de erros de políticas econômicas que basicamente só estimularam o consumo  e não a produção, tornaram muito caro produzir no Brasil. As empresas passaram  a investir cada vez menos. Mas a procura, o desejo de consumir e a capacidade de  consumo - há pelo menos a três, quatro anos - iam muito bem obrigado. Isso  significa que as pessoas queriam comprar mas faltava produto. Quando falta  produto a gente traz um produto de fora, a gente importa porque produzir aqui  estava muito caro. E Isso gerou um desequilíbrio nas contas externas e por  outro lado mesmo trazendo o produto de fora continuamos a ter um problema de  mais demanda do que oferta, o que estimulou a alta da inflação. Além do fato,  que o governo segurou vários preços públicos como gasolina, energia elétrica,  ônibus, metrô até as eleições. Passadas as eleições, sobem todos esses preços e  a inflação sobe ainda mais. E por fim, o governo gastou muito mais do que  arrecadava e as contas públicas começaram a se deteriorar. Essas foram as três  razões econômicas da crise. Aí tiveram as razões políticas, que vieram em  primeiro lugar, porque o governo Dilma nas eleições vendeu a ideia de um país  que estava ajustado, e passadas as eleições ficou claro que não tinha nada de  ajustado. Em segundo, as muitas denúncias de corrupção que vieram à tona com a  operação Lava-Jato. Na hora que você vê a economia piorando, já tem uma queda  de popularidade que se acentuou por esses fatores. A popularidade do governo  despenca, vai a um digito e nesse momento o apoio do governo no Congresso some.  Por conseqüência, a capacidade do governo de passar medidas impopulares no  Congresso também desaparece. E como o ajuste fiscal exigia algumas dessas  medidas, não foi feito. E, à medida que o ajuste fiscal não aconteceu, a credibilidade  do Brasil começa a sumir gerando uma crise de confiança. Essa crise de  confiança agrava a crise econômica, que agrava a crise política. E foi isso que  gerou uma crise tão séria no Brasil.
RI: Como o senhor acredita que o país poderá  superá-la? O impeachment da presidente Dilma Rousseff abriu caminho para a  superação, ou ela viria de qualquer jeito?
Ricardo Amorim: A recuperação da economia, exige  a recuperação da confiança e a recuperação da confiança por sua vez exige que  as contas públicas sejam colocadas em ordem. O governo Dilma infelizmente não  foi capaz de fazer isso e não foi por duas razões: a primeira uma questão  dogmática que tentou concentrar o ajuste em aumento de receitas, ou seja a  maior parte seria aumento de impostos e uma parte muito pequena em corte de  gastos públicos. E isso, em primeiro lugar, era uma receita errada porque o  grande problema brasileiro é que temos hoje a terceira mais alta carga  tributária entre 156 países emergentes, e obviamente não é o terceiro em qualidade  de serviços públicos. Ou seja, nós pagamos impostos demais para a qualidade dos  serviços públicos que recebemos, e isso traz o segundo problema. Para o aumento  de impostos precisaria do apoio do Congresso. E o Congresso na primeira rodada  em que o governo tentou passar esse aumento, logo após as eleições, ele até  conseguiu. Só que não era suficiente, porque uma das coisas que o aumento de  impostos faz é retirar dinheiro do bolso dos consumidores, que pagando mais  impostos ficam com menos dinheiro para o consumo - e isso por sua vez aprofunda  a recessão. Foi o que aconteceu. O problema é que o aprofundamento da recessão  reduz a arrecadação do governo. O que quer dizer que uma segunda rodada de  aumento de impostos seria necessária, e aí o Congresso em função da crise  política disse que isso não aconteceria.
RI: Onde o governo Temer leva vantagem?
Ricardo Amorim: Apesar das fragilidades que  claramente existem, o governo Temer condições muito mais favoráveis que o  governo Dilma tinha de fazer esse ajuste. Em primeiro lugar, porque faz um  diagnóstico mais correto de como se resolver esse problema das contas públicas.  A maior parte do ajuste tem que vir de corte de gastos e não só de aumento de  impostos. A segunda vantagem, é que o governo Temer tem hoje uma base de apoio  político muito mais sólida do que tinha o governo Dilma, o que em tese  significa que ele deve ter condições de aprovar no Congresso medidas  importantes como limites de gastos públicos e a reforma da Previdência. Se ele  conseguir fazer isso, a confiança vai voltar ao Brasil, e os investimentos  voltarão. Com a volta dos investimentos volta a geração de emprego, consumo  etc. Aí as empresas vendem mais, ao venderem mais elas investem mais, o que  gera um círculo virtuoso que é o inverso do que aconteceu nos últimos anos. Só  que tem um grande tendão de Aquiles no governo Temer. Vários dos ministros no  governo Temer, que por um lado garantem esse apoio no Congresso para aprovação  das medidas, porque estão distribuídos nos vários partidos da base aliada, por  outro lado muitos deles são investigados pela operação Lava-Jato. E a medida  que surgem “novidades” na Lava-Jato, que incriminam membros do governo, a base  de sustentação vai ficando menos sólida e esse é um grande risco. Mas o ponto é  o lado econômico, colocar a economia de volta a uma trajetória de crescimento  não é complicado. O complicado é a questão política.
RI: Quais as lições e o legado que a crise  brasileira deixa para os futuros governantes? Os rumos políticos e econômicos  que estão sendo tomados pelo presidente interino Michel Temer já apontam que a  lição foi aprendida? Que medidas mostram esse aprendizado?
Ricardo Amorim: O que claramente teve de mudança  positiva do governo Dilma para o governo Temer é a clareza de que o ajuste  fiscal tem que vir primordialmente em corte de gastos públicos e não de aumento  de impostos. Agora há outros legados importantes da crise. Dois deles são: a  maior participação e pressão popular com o povo exigindo dos políticos. Porque  a verdade é que sem a cobrança da população, a classe política trabalha em  benefício próprio e não em benefício do país. E essa pressão aumentou muito. A  segundo, é que exatamente em função da pressão popular houve uma mudança em  função da atuação das força jurídicas brasileiras. O Supremo em particular  tomou várias decisões importantes, corajosas que em outros momentos não seriam  tomadas como por exemplo a definição de que a partir de agora condenados em  segunda instância serão presos, coisa que não acontecia. O Brasil era o país da  impunidade. Então acho que há um legado muito importante, mas para que seja  mantido é importante que a pressão popular continue. Essa foi uma das minhas  motivações de escrever o livro “Depois da Tempestade” que é exatamente  estimular as pessoas a entender que precisam cobrar e que continuem cobrando.
RI: Como o senhor avalia a composição ministerial  adotada pelo presidente interino? O fato de ter nomeado ministros envolvidos em  delações na Operação Lava-Jato e ainda nomear para liderar sua base na Câmara  um deputado que, além de corrupção, está sob suspeita de homicídio, não pode  inviabilizar os novos rumos pelos quais o presidente Temer pretende levar o  país?
Ricardo Amorim: Antes da nomeação do governo  pelo presidente Temer havia uma expectativa na montagem de um ministério de  notáveis. Os notáveis na realidade foram todos para a área econômica do  governo. Eu maldosamente brinco que foi formado o ministério da “Branca de Neve  e os 23 anões”. Em outras palavras, formou-se na equipe econômica na figura do  ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que eu no livro até o chamo de  Henrique “confiança” Meirelles, porque um dos objetivos com a nomeação foi  trazer alguém que tem muito respeito no país e fora do Brasil para ajudar no  processo de volta da confiança, até porque ele já herdou o Brasil em uma  situação econômica muito difícil em sua outra passagem pelo governo, quando  presidiu o Banco central e a situação acabou melhorando muito. Então isso faz  parte do processo de retomada da confiança: a expectativa de que ele consiga  fazer isso outra vez. Os outros ministros fundamentalmente estão lá para compor  a base de apoio político que garanta no Congresso a aprovação das medidas da  equipe econômica. A questão fundamental é que em tese o que a gente vê é a composição  do ministério por representantes de partidos com força dentro do próprio  partido. O PSDB, por exemplo, que tem grandes caciques, os três estão de alguma  forma representados. O (José) Serra está diretamente no ministério, tem outro  ministro que é da turma do Aécio (Neves), e tem um que é da turma do (Geraldo)  Alckmin. A questão fundamental é que o fato de que vários deles estejam sendo  investigados cria o tendão de Aquiles com o a opinião pública, e dependendo do  que sair dessas investigações pode impactar a própria base de sustentação. É  por isso, que o quanto antes as medidas forem votadas melhor, enquanto a base  de sustentação estiver mais sólida. Até porque nesse modelo de  “presidencialismo de coalizão” brasileiro costuma acontecer. que a medida que o  tempo passa as forças políticas cobram mais caro o apoio do Congresso ao  governo. E num governo de transição, como é o governo Temer, a chance de que  isso seja verdade é ainda maior.
RI: O presidente interino tem sido criticado por  não ter escolhido mulheres para o ministério. Qual é a relevância da  diversidade de gênero para que o governo seja bem sucedido?
Ricardo Amorim: E quase inacreditável que um  político com tanta experiência como Temer cometesse um erro tão crasso como não  incluir mulheres no ministério. Para ser muito franco, primeiro é obvio que a  diversidade de gênero é importante para que as decisões de fato contemplem o  que é a sociedade como um todo. Mas é mais do que isso, há um componente  importante político porque a mensagem que isso passa é que ele não deu  importância, não deu relevância para as mulheres. Eu nem acho que foi o  critério, mas é o que fica para a opinião pública. E há outra, por um simples  critério de competência é óbvio que existem mulheres altamente competentes para  ocuparem cargos. Então, qualquer um dos lados que a gente olhe, foi um erro. E  um erro crasso. Me parece, que foi um erro motivado por dois ou três fatores. O  primeiro que foi uma busca do presidente interino em tentar criar uma equipe  que garantisse o apoio no Congresso, mas até nisso é um erro. As mulheres  deveriam ter sido incluídas com toda a certeza. Enfim foi uma medida que mostra  que foi algo feito às pressas.
RI: Ainda sobre a formação do novo governo, tem  sido comentado que o segundo escalão tem mais qualidade que o primeiro. Como o  senhor vê esta questão?
Ricardo Amorim: O segundo escalão é  absolutamente fundamental. E isso não é só no governo Temer, é em qualquer um.  Mas no dele é ainda mais verdade porque mais de uma função de formulação tem  uma função política. O primeiro escalão é o que mostra a cara para a opinião  pública, é o que negocia no congresso. O segundo é o que realmente entra nos  detalhes, é o que formula as políticas. E uma das coisas que aconteceu nos  últimos anos, em particular eu diria ao longo de toda a era petista no poder,  houve um aumento das indicações de segundo e terceiro escalão, onde normalmente  aí os cargos são técnicos, mas vários foram definidos por motivações políticas  e isso levou a uma queda da qualidade técnica dos ministérios e mais  particularmente ao longo do governo Dilma, uma dificuldade adicional que é o  perfil da “presidenta” acabava levando a uma dificuldade de relacionamento. Um  perfil onde o presidente não tem uma característica conciliadora e nesse sentido  o presidente interino Temer leva uma grande vantagem, porque ele parece ter e  entende isso muito melhor que a presidente Dilma. Isso fundamentalmente  significa que houve uma dificuldade em atração de bons quadros no passado  porque bons quadros não se sujeitavam a uma relação onde a presidente impunha o  que queria. O governo Temer não só está criando um segundo escalão mais  técnico, o que é bom, mas uma relação muito diferente com o Congresso. Por  exemplo, as medidas econômicas antes de serem anunciadas ao público foram  anunciadas aos congressistas. Uma das queixas fortes do Congresso é que o  governo Dilma simplesmente dizia “é isso, aprovem” e os congressistas eram  tratados quase que como despachantes do governo. O governo Temer teve postura  exatamente contrária. Usou a frase “estou presidente, mas eu sou congressista”.  Ele foi duas vezes presidente da Câmara e reforçou isso para se colocar como um  igual entre os congressistas e trazer o apoio deles. Acho que a soma de um  governo mais técnico com a habilidade política maior trazem perspectivas  melhores, desde que não tenhamos uma chuva de novidades na Lava-Jato que  incriminem membros do governo Temer, fragilizando assim o próprio governo.
RI: O novo governo refez as contas sobre o  déficit público. Na atual avaliação, as despesas superam as receitas em mais de  R$ 170 bilhões, muito mais do que admitia o governo petista. Em março a  presidente Dilma, falava em um déficit de R$ 97 bilhões. O senhor acredita que  o déficit pode ser equacionado sem aumento de impostos? Quem vai e quem deveria  pagar essa conta?
Ricardo Amorim: No curto prazo eu acho muito  improvável que o déficit seja equacionado exclusivamente com cortes de gastos.  Ele deve, e provavelmente será, primordialmente equacionado com corte de  gastos. Mas é bastante possível que haja aumento de impostos, que tem que ser  temporários. Precisa ficar muito claro qual é o cronograma de reversão desses  aumentos. Fundamentalmente, o que temos que acabar no Brasil é essa visão  paternalista de que o Estado deve ser provedor de uma série de serviços para a  população, como um todo, acima da capacidade do Estado de prover esses  serviços. Isso atinge todos os níveis da sociedade. Desde o “Bolsa Família” até  linhas subsidiadas de crédito do BNDES. O que a gente tem que ter é uma cultura  de estimular a atividade econômica no setor privado, que é quem gera riqueza, e  criar espaços para que o governo faça o que deve, que é regulamentar a economia  da forma que ajude para a formação de riqueza. Em segundo lugar, trabalhar distribuindo  oportunidades e renda, coisa que o governo brasileiro não faz porque como temos  uma concentração de impostos em consumo e os mais pobres gastam a parte maior  de sua renda em consumo, o Brasil acaba tendo um Estado que concentra renda aos  invés de distribuir. Se a gente for comparar a distribuição de renda brasileira  antes do pagamento de impostos, e de receber os serviços públicos, ela piora  depois dessa ação do governo. Então fundamentalmente, o que precisa mudar é  essa visão de Estado. É por isso que uma das medidas mais importantes do novo  pacote é a que cria a limitação de gastos públicos à inflação passada, o que na  prática significa criar uma perspectiva de redução dos gastos públicos ao longo  do tempo em relação ao tamanho da economia. Isso é absolutamente fundamental  para criar um Brasil mais competitivo, mais justo, melhor, e que cresça mais.
RI: Em seu livro “Depois da Tempestade” o senhor  afirma que a recuperação econômica surpreenderá pela força. Essa recuperação  pode ser afetada pelas novas revelações sobre as contas públicas?
Ricardo Amorim: Em primeiro lugar eu não fiquei  surpreso em relação as revelações sobre as contas públicas porque a razão  fundamental da diferença do número que era projetado de déficit pelo governo  Dilma e o governo Temer são as hipóteses com relação ao crescimento econômico.  O governo Dilma tinha hipóteses absolutamente irreais em relação o quanto o  Brasil poderia ter de desempenho este ano. Então eu já sabia que o número ia  ser muito pior do que aquele. Eu não tinha a certeza do número específico, mas  a nova ordem de grandeza está dentro do eu esperava. Isso não muda as  expectativas iniciais que eu tinha. A razão de eu acreditar que o crescimento  deve surpreender pela força, é que isso sempre aconteceu depois que tivemos  grandes retrações econômicas. Em todos os casos, nesses 115 anos, quando isso  aconteceu, na sequência o Brasil apresentou um crescimento médio do PIB, por  pelo menos três anos, de pelo menos 6% ao ano. Coisa que ninguém em sã  consciência imagina que vá acontecer num futuro breve no Brasil. Mesmo que isso  não aconteça dessa vez, se crescer 4% sustentando por três anos é algo que hoje  ninguém imagina. Então, o meu grande ponto é que isso acontece porque depois de  três anos praticamente em que o Brasil teve muitos investimentos sendo  postergados, indo para a gaveta, por conta de um cenário econômico muito ruim,  à medida que a confiança volta, e esses investimentos saiam da gaveta mais ou  menos ao mesmo tempo, a gente tem um pêndulo que foi muito para o lado negativo  indo exatamente para o lado oposto. Foi isso que aconteceu após todas as  recessões profundas e longas na história brasileira nos últimos 115 anos. E não  vejo nenhuma razão pela qual desta vez seria diferente.
RI: Qual o papel da reforma da Previdência na  recuperação? Mexer na previdência vem sendo tentado sem sucesso por vários  governos, o senhor acha que o governo Temer será capaz de pelo menos definir um  projeto para redesenhá-la?
Ricardo Amorim: A reforma da Previdência junto  com o projeto que fixa o limite dos gastos públicos à inflação do ano anterior  são os dois pilares do ajuste econômico. São as partes mais importantes que  temos. A reforma da Previdência tem a função de não só melhorar as perspectivas  das contas públicas a curto prazo, mas principalmente melhorar as expectativas  futuras e são as expectativas futuras que definem a expectativa de capacidade  do Brasil de honrar seus compromissos. Mais do que isso, o que uma reforma da  Previdência tem que fazer é conseguir liberar recursos para uma aplicação  melhor. O Brasil tem uma série de distorções, a mais grave delas é que para  cada R$ 1 real gasto com idosos no Brasil, só dez centavos vão para gastos com  crianças. Só para fazer uma comparação, na Coréia para cada um real gasto com idoso,  1,20 são gastos com crianças. A Coréia investe em educação, tem uma das  melhores educações do mundo, por consequência tem pessoas bem preparadas,  geração de riqueza e um país que cresce muito mais do que o Brasil. Por isso  precisamos mudar as prioridades. Quando a Previdência foi criada o número de  contribuintes em relação ao de quem recebia benefícios era de nove para um,  hoje é de dois para um, além do fato de que quando ela foi criada as pessoas  tinham uma expectativa de vida pós-aposentadoria de sete anos e hoje é de 25  anos. Então a conta não fecha. É necessário aumentar a idade mínima porque  senão as contas não vão fechar. Agora, o que essa reforma não está fazendo, e  eu acho um absurdo, é criar uma Previdência que seja igual para todos os brasileiros.  Não vejo porque servidores públicos os mais diversos, mas em particular  militares e congressistas, tenham uma série de regalias que a previdência do  setor privado não tem. Em resumo, era preciso ter exatamente uma única  previdência, com as mesmas regras. As regras têm que ser as do INSS porque a  outra é absolutamente impagável, para todos - tanto de contribuição, quanto de  benefícios. Não vejo razão pela qual brasileiros que trabalham no setor privado  sejam tratados como cidadãos de segunda classe. Tem que ser igual para todos.
RI: Como avalia a retomada das privatizações e/ou  ampliação do programa de concessões para o estimular o crescimento?
Ricardo Amorim: As privatizações e a ampliação  do programa de concessões geram vários benefícios. Primeiro deles é o aumento  de receitas de curto prazo que pode ser utilizado para abater dívidas. E uma  dívida menor significa uma perspectiva melhor de capacidade de pagamento  brasileiro que é importante para a retomada da confiança, dos investimentos e  do crescimento. Em segundo lugar, significa menos espaço para corrupção. Como a  gente viu recentemente, particularmente no caso da Petrobras. Mas eu temo que  não fique limitado à Petrobras, as empresas estatais podem e com frequência são  usadas como instrumentos de corrupção. Uma vez que não estejam mais na mão do  governo, a gente resolve isso. E, em terceiro lugar, há uma melhora de  qualidade de serviços para a população, a gente viu isso claramente quando  aconteceu a privatização do setor de telecomunicações. Enfim por todas essas  razões é muito importante que isso aconteça, e o mesmo no caso das concessões.  Até porque o Brasil tem hoje um problema seríssimo de qualidade de  infraestrutura e para melhorar isso vamos precisar de muitos investimentos que  o governo hoje não tem capacidade financeira de fazer. Precisamos acelerar sim,  não só as privatizações como as concessões.
RI: Como os investidores estrangeiros estavam  olhando para o Brasil e que mudanças já podem ser observadas após o  impeachment?
Ricardo Amorim: Os investidores estrangeiros  olhavam para o Brasil com muita preocupação e hoje eu diria que mudou de  preocupação para expectativa. Eles hoje querem ver para crer. O que eu vejo  muito de clientes da minha empresa, a Ricam Consultoria, que atende investidores  brasileiros, estrangeiros, empresas, em particular por parte das empresas  estrangeiras é que várias delas hoje estão com o dedo no gatilho para fazer  investimentos no Brasil. Eles querem investir no Brasil por várias razões. Elas  vêem o mercado brasileiro com um potencial de crescimento grande e ainda com um  tamanho grande, coisa rara no mundo porque os países desenvolvidos têm regras  muito estáveis. Têm mercados grandes, mas com uma perspectiva de crescimento  baixo e a maior parte dos mercados emergentes têm crescimento mas não têm  tamanho. Os mercados são muito pequenos. Índia, China, Brasil, Indonésia, e se  forçar muito a barra talvez se possa incluir o México e a Rússia, têm as duas  coisas: potencial de crescimento e tamanho. Esses mercados são muito atraentes  para as empresas que tenham a pretensão e a intenção de serem líderes globais.  Aí é que entra a questão fundamental da confiança. Hoje para uma grande empresa  estrangeira fazer um grande investimento no Brasil seus principais líderes  precisam explicar porque estão colocando dinheiro num país que está passando  por um momento político e econômico tão complicado. Uma vez que a sinalização  de recuperação econômica e dissolução da crise política fique clara ou é menor.  Ao mesmo tempo, os ativos no Brasil hoje estão baratíssimos porque o desempenho  econômico ruim levou a uma queda do resultado e de valor das empresas. Além  disso, a moeda brasileira desvalorizada tornou isso ainda mais barato para os  investidores estrangeiros, o que levou o empresário Abílio Diniz afirmar, há  algum tempo, que “o Brasil está em liquidação” para os investidores  estrangeiros, o que é absolutamente verdade. Por isso, tem muita empresa com o  dedo no gatilho e assim que houver essa retomada da confiança, veremos os  investimentos crescerem e muito...