Gestão de Risco

FUNÇÕES DE ALTO RISCO

Excesso de regulamentação impõe desafios aos conselheiros e diretores

Na história recente, a combinação perversa de gestão deficiente com governança corporativa ineficiente - nem sempre fácil de ser identificada, fez com que algumas companhias protagonizassem graves colapsos financeiros, contagiando negativamente outras empresas e até mercados. Isso ocorreu na crise do subprime, desencadeada em 2008 nos Estados Unidos, que envolveu empréstimos hipotecários de segunda linha com falhas em garantias, arrastando diversos bancos à situação de insolvência. Esse problema também foi recorrente no início dos anos 2000, na crise das empresas “ponto.com” com a bolha internet.

No Brasil, o caso atual e emblemático é o da Petrobras, companhia de capital misto que perdeu drasticamente o seu valor diante de um quadro de corrupção e ingerência política. São alguns exemplos. No entanto, esses eventos negativos têm como reação mais regulação. Mundialmente, o número de leis e regras tem avançado em ritmo acelerado, impondo complexos desafios e altos custos às companhias para manterem-se em conformidade (compliance). “A cada incremento de regulação, aumentam os riscos para Conselheiros e Diretores. Como consequência, os valores dos seguros D&O (Directors and Officers Liability Insurance) se elevam”, afirma Francisco Petros, sócio-diretor do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados e, atualmente, membro do Conselho de Administração da Petrobras (suplente) e da BR Distribuidora (titular), indicado por acionistas minoritários.

O D&O é um seguro de responsabilidade civil contratado pelas companhias para garantir proteção do patrimônio pessoal dos conselheiros e diretores em casos de reclamações de terceiros. O D&O cobre custos de defesa e indenizações, exceto em casos de ilícitos dolosos. Esse foi o tema de um debate promovido pela Diligent, empresa que oferece soluções de segurança na informação para Conselhos de Administração.

Ao mesmo tempo em que os custos do D&O avançam, as apólices se tornam mais restritivas, uma situação paradoxal, ressalta Petros. “Muitas vezes, o administrador tem que se defender, mas o pagamento do seguro não é antecipado. Ao final do processo, quando comprovada a inocência, ele recebe o seguro, mas já está quebrado”, destaca o conselheiro. As exclusões de coberturas também são decorrentes do avanço da regulação, fruto de colapsos passados.

Petros avalia que o escândalo de corrupção da Petrobras, por exemplo, foi responsável pelo aumento do D&O para seu corpo de dirigentes e de companhias de diversos segmentos no país. As seguradoras estão mais cautelosas na análise de risco tanto das empresas de óleo e gás e de empreiteiras que são alvo da Operação Lava-Jato da Polícia Federal, assim como, de outras que tenham negócios com governos. “A Petrobras, individualmente, é certamente responsável pelo aumento do custo do D&O da maioria das empresas brasileiras de capital aberto”, acrescenta.

Nesse movimento de multiplicidade de leis, esse episódio também dá sua contribuição. Em março último, o Senado aprovou o projeto (PLS 555/2015) que cria a Lei de Responsabilidade das Estatais, um conjunto de regras de transparência e gerenciamento de empresas públicas e sociedades de economia mista. Entre as medidas, está a proibição de que os integrantes dos conselhos sejam ocupantes de cargos dentro da administração pública ou tenham sido representantes de partidos políticos e de sindicatos nos três anos antes da nomeação. Essa medida também vale para as vagas na diretoria. O projeto ainda precisa ser votado na Câmara dos Deputados para ser encaminhado à sanção presidencial. “Infelizmente, chegamos a tal ponto que é necessária uma lei que impeça o governo de mandar várias categorias de pessoas incompetentes e corruptas para dentro das empresas”, destaca Francisco Petros. Na visão dele, no país, já existem leis suficientes e diretrizes de governança corporativa adequadas. O desafio é que sejam nomeados profissionais capacitados e éticos para que a companhias monitorem corretamente os riscos, operando dentro das melhores práticas de forma efetiva.

Para evitar o aumento desproporcional dos custos do D&O em relação aos riscos, as empresas têm que entrar em um novo espírito, avalia Petros. Deste modo, é preciso assegurar o compliance e redobrar a atenção na preparação de documentos para as deliberações dos conselheiros. “As informações devem fluir aos conselheiros. Não são incomuns riscos ocultos, que se materializam depois em sinistros e no aumento de custos”, ressalta. Por exemplo, no caso da Petrobras, conselheiros consagrados e experientes como Josué Gomes da Silva, dono da Coteminas; Fábio Barbosa e Jorge GerdauJohannpeter não impediram problemas porque foram vítimas de desinformação e da falta de efetividade da governança, segundo Petros.

Análises e cotações

Os subscritores e os analistas D&O têm capacidades multidisciplinares. As equipes são compostas de pessoas de diversas origens como advogados, engenheiros, economistas e até publicitários. “A análise feita nas companhias se tornou muito complexa, são exigidas mais informações”, diz Celso Soares Jr., superintendente de Linhas Financeiras, Garantia e Responsabilidade Civil da Zurich Seguros. Para se chegar ao preço, a saúde financeira da empresa é avaliada. Verifica-se se a estratégia é compatível com o momento do negócio e recursos disponíveis, assim como, o setor onde está inserida. A seguradora também verifica quais as tendências de crescimento, se a corporação vai iniciar internacionalização das atividades ou se já tem subsidiárias no exterior.

Outros pontos de atenção são possíveis eventos societários como fusões e aquisições. Caso a companhia seja de capital aberto, a complexidade é maior, sobretudo se tiver papéis em outros mercados além do Brasil. Notícias das organizações veiculadas na imprensa também são monitoradas. Porém, a checagem do grau de efetividade da governança corporativa é crucial. De acordo com Soares, os analistas vão a campo conferir como estão estruturados os programas de compliance. “Quanto mais maduras nesse quesito, menor o impacto dos seguros, melhores os preços”, afirma. Para conseguirem as cotações, as empresas têm realizado até roadshows com as seguradoras, nos mesmos moldes que fazem com analistas, para que possam entender melhor a dinâmica das estruturas e negócios. O cenário se tornou mais árduo. Antigamente, bastava pedir a cotação a vários corretores, preenchendo um questionário e apresentando o balanço.

O executivo da Zurich Seguros destaca que, no Brasil, os riscos e sinistros são mais comuns em relação às obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias, que muitas vezes recaem nos administradores até de maneira indevida. “Em muitos casos de sinistros de natureza fiscal, não há nenhum componente nos processos de desconsideração de diretores como o financeiro e jurídico, que entram junto com a empresa”, exemplifica Celso Soares.

Antes de contratar D&O, as companhias devem verificar o rating de força financeira das seguradoras. A Moody´s é uma das agências que faz essa avaliação. As notas são concedidas de acordo com o perfil de negócios - quesito com o peso de 35%, que considera o posicionamento no mercado, a marca, distribuição, produtos e diversificação. E, o perfil financeiro, tem peso de 65%. “Na parte financeira, verificamos a qualidade dos ativos, adequação de capital, rentabilidade, reservas e flexibilidade para captação de recursos no mercado”, explica Diego Kashiwakura, vice-presidente de análise da Moody´s.

Segundo ele, as seguradoras que atuam no Brasil, por questão de regulação, são obrigadas a aplicar uma grande parcela em títulos públicos e, por esse motivo, foram impactadas pela perda do grau de investimento do país ou do selo de bom pagador. O peso dado pela Moody´s na avaliação de aplicações em títulos do governo é de 10%. De todo modo, as três seguradoras avaliadas pela Moody´s mantiveram-se com grau de investimento a despeito da deterioração do risco soberano brasileiro pelo fato de terem matrizes no exterior, assegurando maior solidez.

Responsabilidade dos Administradores

Essa é parte principal do arcabouço regulatório que recai sobre as funções de conselheiros de administração e diretores:

Constituição Federal

  • Lei 10.406/2002 - Código Civil
  • Lei 6.385/1976 - Lei do Mercado de Valores Mobiliários
  • Lei 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor
  • Lei 11.101/2005 - Lei de Falências e Recuperação de Empresas
  • Lei 5.172/1966 - Código Tributário Nacional
  • Lei 2.848/1940 - Código Penal
  • Lei 10.303/2001 - sobre Insider Trading
  • Lei 7492/1986 - Lei dos Crimes de Colarinho Branco
  • Lei 9.605/1998 - Crimes ambientais
  • Lei 12.846/2013 - Lei Anticorrupção
  • Lei 6.404/1976 - Lei das Sociedades Anônimas
  • Lei 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil
  • Lei 9.307/96 - Lei de Arbitragem
  • Instruções da Comissão de Valores Mobiliários
  • Códigos de Autorregulação

Perfil ético e gerenciamento de riscos

A compreensão de como os profissionais reagem aos dilemas éticos é fundamental para o aperfeiçoamento da gestão de compliance. Entre 2012 e 2014, a consultoria ICTS Protiviti analisou o nível de aderência ética de 8,7 mil profissionais de 121 corporações brasileiras. A pesquisa abordou com eles temas como transparência, pressão situacional e percepção moral. O resultado foi alarmante: 8% dos profissionais representavam alto risco e 76%, médio risco (nas categorias médio-alto, médio e médio-baixo). Apenas 16% assumiam posturas de baixo risco.

Outro levantamento da ICTS Protiviti realizado de fevereiro novembro do ano passado, avaliou o nível de maturidade de compliance em 642 empresas. A conclusão foi que 61% possuíam código de ética e conduta, 62% contavam com canais de denúncias e 57% com treinamentos. Apenas 35% faziam avaliação de compliance de terceiros, isto é, dos fornecedores. “No país, apesar dos investimentos em compliance terem crescido nos últimos, ainda há muito espaço para avanços em estruturas e melhores práticas”, afirma Luis Guilherme Whitaker, líder da prática de Governança, Riscos e Compliance da ICTS Protiviti. Nesse caminho, ele destaca que o código de ética deve ser um documento vivo, sujeito a atualizações, e compatível com a cultura da companhia. O código precisa ser difundido e praticado no dia a dia. “Os canais de denúncias têm que garantir conforto, sem risco de represálias aos informantes. Também são necessárias técnicas de investigação para apurar a veracidade das informações coletadas”, acrescenta Whitaker.

Nesse contexto de boas práticas de governança, deve entrar na pauta a segurança da informação e cibernética. A dinâmica empresarial se alterou com os avanços da tecnologia da informação (TI). Qualquer empresa que tem interfaces virtuais de negócios como e-commerce, armazena dados estratégicos e de seus clientes ou tem processos automatizados, está sujeita a possíveis ataques de hackers, contaminação por vírus ou roubo de informações. São situações que prejudicam os negócios e podem levar à quebra.

“Os conselheiros de administração não precisam ser especialistas em TI. Eles devem manter-se informados sobre as políticas de proteção na área, se ocorreram incidentes ou vazamentos de dados”, comenta Andre Bodowski, diretor da Diligent para mercados do Brasil e América Latina. Conforme ele, os conselheiros precisam se certificar ainda se as companhias contam com algum plano de contingência aos ataques cibernéticos. Em caso negativo, devem cobrar a elaboração. Para Bodowski, esses cuidados são muito importantes e representam mitigação de riscos, melhorando a precificação dos seguros D&O.


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