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Educação Financeira

O JOIO & O TRIGO

O número de investidores ativos da bolsa de valores atingiu 1,690 milhão no fim de 2019, um crescimento superior a 100% em relação aos 835 mil de dezembro de 2018. É uma excelente notícia sem nenhuma dúvida. No entanto, para quem, como eu, labuta nesse mercado desde a década de 80 do século passado, é também uma preocupação.

E de onde vem minha preocupação? É que a bolsa de valores é um local em que muitos perdem pouco e poucos ganham muito. Aliás, isso acontece em todos os mercados de risco.

Não é a primeira vez que o investimento em bolsa entra na moda, e agora temos taxas de juros reais muito baixas. Até aqui, sempre a bolsa competia com os juros estratosféricos pagos pelos títulos públicos pós-fixados, com os quais era simples ganhar sem correr risco. Felizmente, esse tempo parece que ficou para trás. Mas, além desse novo motivo, há dois componentes que já influenciaram na alta 2001-2004, que dessa vez estão muito mais fortes: nunca foi tão fácil e barato operar na bolsa; da mesma forma, nunca se teve tantas facilidades para divulgar conteúdos para tantos.

É verdade que, nos outros períodos de alta, a imprensa nacional tratava o investimento em bolsa com pouca profundidade. Hoje qualquer um consegue divulgar conteúdos sobre investimentos ou sobre finanças pessoais sem nenhum cuidado com a veracidade.

A popularização de um assunto tão importante para a vida das pessoas é extremamente positiva. Mas a quantidade de material de baixa qualidade que tem sido publicado assusta a todos que conhecem o tema.

Quantos desses quase um milhão de novos investidores sabem que a bolsa pode subir muito rápido e cair com mais velocidade do que subiu? Ou, como diz o velho ditado, que os preços das ações sobem de escada e descem de elevador?

Analisando o comportamento do IBOVESPA em dólar, observamos que em média, entre janeiro de 1968 e dezembro de 2019, a bolsa subiu pouco mais de 2% ao mês, o que é ótimo, mas o desvio padrão dos retornos mensais foi superior a 15%. Ou, de forma mais didática, nos 624 meses do período citado, em 113 meses, o IBOVESPA caiu mais de 10%. O mais assustador é que em 33 meses o índice caiu mais de 20%. Portanto quem investe na bolsa precisa estar preparado para não fugir apavorado após uma queda forte.

Então, será que não vale a pena investir em bolsa de valores? Vale a pena, sim. Recomendo fortemente o investimento na bolsa. No entanto, é preciso que as pessoas que estão começando a investir saibam que a bolsa é um investimento de longo prazo sujeito a grandes e imprevisíveis flutuações. Infelizmente a maioria dos investidores entra nos períodos de alta e foge assustada após as inevitáveis baixas.

Precisamos ensinar os novos investidores conceitos como a eficiência dos mercados e, principalmente, a importância de se investir a longo prazo e de forma constante. Os que recomendam investir dessa forma não têm o mesmo apelo daqueles que pegam em retrospectiva o desempenho de uma ação e tentam demonstrar que é fácil transformar alguns milhares de reais e um milhão.

Muitos profissionais desqualificados se aproveitam do grande fluxo de pessoas entrando na bolsa de valores e de sua necessidade de aprender mais sobre finanças pessoais e investimentos para tentar ganhar dinheiro rápido e fácil. Profissionais assim só ajudam as próprias finanças em detrimento da dos clientes. São como o joio, erva daninha que, mesmo em pequena quantidade, põe a perder toda uma colheita de trigo se for processada junto com o cereal.

Mas o que faz proliferar tantos “especialistas” no assunto e tanto material de baixa qualidade, quando há tanta gente séria e bem-intencionada produzindo neste campo? Os brasileiros conviveram durante muito tempo com uma inflação extremamente elevada, que dificultava o planejamento e o controle de orçamentos. Com a redução da inflação após o Plano Real, lentamente as pessoas começaram a se interessar por planejar suas finanças. O tema ganhou destaque e atraiu muita gente, incluindo aqueles que só se preocupam com os seus próprios lucros.

Agora, com a significativa redução da SELIC muitos acomodados investidores estão tendo que ir em busca de maior rentabilidade nos investimentos de risco. Novamente, uma grande oportunidade para florescimento de todo tipo de especialista que vende soluções milagrosas e falsas.

Qual será o motivo para que conteúdos simplistas, de pouca profundidade e frequentemente fantasiosos ganhem tanto destaque enquanto conteúdos de qualidade e profundidade tenham tão poucos seguidores? Infelizmente, muitos investidores novatos buscam dicas simples e rápidas de investimento, fazendo com que profissionais sérios, que evitam simplificações, acabem perdendo espaço. É uma situação curiosa, em que a vítima – nesse caso, o investidor iniciante – é também o culpado.

É muito positivo que empresas e pessoas estejam ministrando palestras e cursos sobre finanças pessoais ou investimentos. É importante que empresas trabalhem para que mais pessoas comecem a comprar ações. Mas é indispensável que os novos investidores entendam, ao entrar na bolsa, que o mercado é cheio de flutuações e riscos.

Separando o joio do trigo
É fundamental entender que no mercado retornos espetaculares são exceção. Dificilmente alguém vai conseguir retornos muito acima da média do mercado de forma sistemática.

Sempre que alguém disser que o papel A, B ou C está barato, desconfie. O preço do papel nada mais é do que o ponto em que a oferta e a demanda da ação se encontram. Se existisse alguma ação ou título realmente barato, então, por que um fundo gerido por profissionais não compraria elevando as cotações?

É importante saber que dicas que ensinam a ficar milionário não funcionam. São como as receitas milagrosas para emagrecer. O caminho para a independência financeira é um só: gastar um pouco menos do que se ganha e investir essa sobra com muito cuidado.

Escolha muito bem seus parceiros de negócio. Trabalhe com aqueles que têm uma história e um nome a zelar. Desconfie sempre das promessas de dinheiro fácil. O mercado é um lugar hostil, em que muitos estão interessados em ganhar facilmente o dinheiro que você conquistou com suor.


Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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