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O CENTRO DOS PROBLEMAS ENVOLTO EM CORTINA DE FUMAÇA

O ano começou animado com o Oriente Médio no centro das atenções. Porém, é importante notar que os fatos geopolíticos encobrem uma questão de fundo muito mais relevante - a desaceleração da economia global.

Talvez isso esteja por trás das manifestações que ocorrem de Santiago a Beirute, e do descontentamento popular no Irã. O baixo patamar dos preços do petróleo e de outras commodities são sintomas de uma doença que tanto os estímulos do FED e do Banco Central da China não conseguem apaziguar, tendo causado, inclusive, a significativa desaceleração das economias latino-americanas e do Oriente Médio no ano passado, especialmente nas regiões periféricas não petrolíferas que dependem de fluxo de capital das petrolíferas.

Apesar dos esforços de diversificação na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes, a dependência da região de combustíveis fósseis ainda é relevante. O Irã sofre adicionalmente das sanções americanas e da queda no nível de produção.

Uma característica em comum entre o Oriente Médio e a América Latina é o grande contingente de jovens excluídos do mercado de trabalho, sem perspectivas em um cenário nebuloso, explicando os movimentos de rua no Chile, Equador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Irã, Argélia, Iraque, Sudão, Líbano nos últimos tempos.

O Líbano talvez seja um bom exemplo dessa "malaise", pois combina crise no balanço de pagamentos (queda no fluxo de dólares), crise fiscal (dívida pública alta e receita dos governo em queda) e crise bancária (restrição a saques em dólar à la Argentina do “corralito” para conter a forte saída de depósitos em moeda forte).

Enquanto a Turquia, a Argentina e o Brasil viram suas moedas perderem valor significativamente no último ano, o modelo de peg ao dólar, que ainda prevalece no mundo árabe, é uma hemorragia limitante em um mundo de crescimento baixo e commodities estagnadas. Afinal de contas, as brigas do Trump, tanto com a China como com o Irã, não passam de cortina de fumaça do fenômeno de fundo que é a estagnação da economia global neste começo de nova década, e que ainda não soube curar as feridas da crise de 2008.

É preciso repensar o modelo, onde sustentabilidade e inclusão sejam palavras-chave, já que atingimos o limite de estímulos dos BCs e a política, cada vez mais, prega surpresas ingratas. Isso sem falar do esgotamento do meio ambiente, da erosão social e da falta crescente de transparência dos governos e que deve preocupar todos os investidores com orientação ESG.

Definitivamente o problema não é o Irã nem vai se resolver com mais sanções.


Roberto Nemr
é economista formado pela USP, com cursos de análise de investimento pela City University, London. Possui experiência de mais de 30 anos em mercados financeiros como analista e gestor, além de ter exercido funções de advisory e em áreas de M&A. Trabalhou em instituições de renome como a Genesis Investment, Itaú Latin America, Wol Partners e Southpointe Capital.
robnemr@kipuinvest.com.br

Catarina Pedrosa
é graduada em Matemática com MBA em Finanças pela FGV e em Agronegócios pela ESALQ. Tem 30 anos de experiência nos mercados financeiros local e internacional, em equity research e em administração de fundos de renda fixa, variável e imobiliário, tendo trabalhado em instituições de renome como BES, Banif, BBVA e Nomura. Membro do grupo de estudos de Finanças Verdes, Possui certificações CGA e CNPI.
catarina@kipuinvest.com.br


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