Voz do Mercado

MERCADO DE CAPITAIS: O NOVO CAMPO DAS PARTIDAS DE FUTEBOL

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apresentou ao Mercado de Capitais, em agosto de 2023, o Parecer de Orientação CVM nº 41/2023 (“Parecer de Orientação 41”). O documento tem o propósito de orientar investidores e participantes do Mercado sobre instrumentos disponíveis para as Sociedades Anônimas do Futebol (“SAF”), assim como apresentar a visão da CVM a respeito de como a Lei 14.193/21 (“Lei das SAF”), a Lei 6.404/76 (“Lei das Sociedades por Ações”) e a regulamentação já editada pela Autarquia podem ser integradas harmonicamente.

O Parecer de Orientação 41 tem abordagem desenvolvimentista e surge em momento estratégico do Brasil, no contexto em que diversos agentes econômicos da indústria do futebol vêm demonstrando interesse nas oportunidades de captação de recursos disponibilizadas pelo Mercado de Capitais. O Parecer busca explicar que há muitas formas disponíveis para o acesso ao mercado regulado pela CVM, inclusive, mas não apenas, por meio (i) da Abertura de Capital e de Distribuições Públicas; (ii) das DebênturesFut; (iii) do Crowdfunding; (iv) dos Fundos de Investimento, sejam eles FIPs, FIIs, FIDCs ou até mesmo outros formatos; e (v) Securitização.

Isso é possível tendo em vista o fato de a Lei da SAF, de forma clara, ter pavimentado a base para projetar o futebol em um ambiente de empresarialidade, com negócios e atividades capazes de gerar novas atividades e oportunidades para o esporte e para toda a sociedade. Na Lei, há previsão expressa de atividades econômicas ligadas ao futebol que podem ser desenvolvidas pelas SAFs, como, por exemplo, (i) fomento à prática esportiva do futebol, masculino e feminino; (ii) formação de atletas profissionais; e (iii) exploração de direitos de propriedade intelectual.

As SAF, assim como as companhias abertas registradas junto à CVM e demais agentes de mercado devidamente regulados, dispõem de múltiplos instrumentos que permitem a captação de recursos da poupança popular. Captação esta que pode ser bem útil para diversas finalidades, inclusive a realização de investimentos, a restruturação de dívidas e de financiamento e concretização de projetos na economia real.

Em nosso país, a indústria do futebol praticamente não acessa o Mercado de Capitais e, no pouco que o faz, o acesso é restrito a instrumentos de antecipação de recebíveis. Este fato demonstra que a participação deste segmento de indústria no Mercado pode e deve crescer.

Além de o Brasil ser o país do futebol e, consequentemente, ter protagonismo nesta seara, as estruturas dos nossos Direito Societário e Finanças Corporativas estão preparadas para abrir as portas para a essa nova indústria. Sim, estamos diante de algo novo, recente e que, se bem explorado, pode contribuir para a formação de um ciclo virtuoso de crescimento econômico, com geração de emprego e renda, que trazem benefícios para o Brasil, promovendo inclusão de mais emissores e um maior número de investidores para o Mercado de Capitais.

No que diz respeito a números, nosso país atingiu a marca de, aproximadamente, seis milhões de investidores pessoa física em Bolsa. Há 10 anos, falávamos em 500 mil investidores pessoa física em ambiente de Bolsa. E a indústria do futebol pode ser um propulsor para auxiliar este crescimento.

Claro, não se trata, apenas, do quesito de ampliação do número de investidores e da captação de valores, mas, também, de questões voltadas à gestão responsável, governança corporativa adequada, regras de transparência, adoção de padrões contábeis internacionais e implementação de rigorosos processos corporativos de compliance. E de educação financeira.

É evidente que o investidor que seja torcedor do time de futebol que se associa àquela SAF, apresente uma tendência mais favorável a aderir à oferta, pois deseja contribuir de alguma forma para o crescimento e sucesso do seu time. O Parecer de Orientação 41 traz alerta importante sobre a possibilidade de as SAF impactarem torcedores, que podem acabar deixando se influenciar pela “paixão por seu time de coração”, afastando a fundamental racionalidade da tomada de decisão de investimento.

Também por isso, a CVM orienta que, em linha com a regulação do Mercado de Capitais, independentemente do mecanismo utilizado pela SAF, estejam descritos os fatores de risco das ofertas e dos emissores. Nos documentos da oferta, o Parecer reforça a importância do uso de linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada na ênfase a informações positivas e negativas, de modo a auxiliar investidores a formar criteriosamente sua decisão de investimento.

A ação da CVM em divulgar o Parecer de Orientação 41 também reforça que, dentre as múltiplas atribuições do Regulador do Mercado de Capitais, há uma importante função desenvolvimentista, que auxilia o Brasil e o nosso ambiente de negócios a desenvolver e reconhecer a existência de nichos de atividades empresárias. Não à toa, os anos de 2022 e 2023 são os mais modernizantes na história do segmento regulado pela Autarquia. Tivemos marcos regulatórios robustos que foram entregues à sociedade, tais como o novo regime das ofertas públicas, dos fundos de investimento, dos assessores de investimento, além de diversas atividades e medidas coordenadas que, em médio e longo prazos, contribuirão no processo de democratização, o que temos chamado de Open Capital Markets – Mercado de Capitais Aberto.

É sempre bom lembrar que, de acordo com dados da Organização Internacional das Comissões de Valores (IOSCO), o Brasil possui uma das maiores indústrias de fundos de investimento do mundo. E há espaço para crescimento, há janelas de oportunidades, que também podem vir de segmentos até então pouco explorados, como o Agronegócio e as Finanças Sustentáveis, assim como aquelas disponíveis na Criptoeconomia, que estamos trabalhando para trazer para dentro do ambiente regulado, tal como nos posicionamos no Parecer de Orientação CVM nº 40/2022.

Dia após dia, a CVM tem buscado fazer com que o Mercado de Capitais brasileiro seja um ambiente inclusivo, plural e democrático, se tornando, de maneira prática, uma ferramenta para o desenvolvimento de políticas públicas e para a geração de emprego e renda em nosso país.


João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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