Ponto de Vista

A HORA DA MOBILIZAÇÃO DOS ANALISTAS DE INVESTIMENTOS

O Brasil, em geral, e o mercado de capitais, em particular, passam por um momento muito inquietante, mesmo que cheio de oportunidades. O sistema político está visivelmente esgarçado, o modelo econômico permanece sem a solução que lhe dê tração e o subdesenvolvimento social ofende aqueles que por décadas esperam um país mais igualitário. O país e o mercado carecem de reformas e, ao que parece, muitos crêem que isso possa ocorrer endogenamente, sem que a participação ativa das instituições políticas, econômicas e sociais. Erro grosseiro pensar assim.

Nesta perspectiva de fortalecimento institucional, escrevo nesta edição de aniversário de 17 anos da “Revista RI”, sobre o importante e nem sempre lembrado papel dos analistas do mercado de capitais, representados pela APIMEC, entidade que tem de ser fortalecida a bem do mercado financeiro e de capital do Brasil.

A literatura consagrada e universal da área de Finanças e Economia nos ensina que são as informações que formam os preços. Numa aproximação mais precisa (e acadêmica) poderíamos dizer que é o “conteúdo informacional” que determina e faz variar os preços.

A partir deste princípio surge uma das maiores dificuldades para se entender o funcionamento dos mercados. Afinal, num mundo no qual as informações são múltiplas e multifacetadas, o discernimento sobre o “significado” dos preços se torna altamente complexo. A interpretação (ou o conteúdo percebido) da informação varia e, portanto, origina variados comportamentos por parte dos agentes na avaliação de certo ativo: uns o consideram “caro”, outros “barato”, outros, ainda, “justo”. Acerca desta percepção aparentemente simples, proliferaram muitas teorias e práticas que permanecem sendo “testadas” desde a Academia até pelos próprios agentes econômicos. Um princípio (“informações formam preços”), no geral, não cria uma “verdade” (e.g. uma ciência precisa sobre o sistema de avaliação dos preços).

O analista do mercado financeiro e de capital é aquele que à luz de um “estado da arte” da técnica, historicamente determinada, avalia, disseca e opina sobre preços de ativos. Há, exemplificadamente, os fundamentalistas que analisam holisticamente as variáveis das empresas e mercados. Há os “técnicos” ou “grafistas” que centram sua avaliação nos comportamentos estilizados dos preços. Há muitos ainda que compõem carteiras que combinam variáveis de risco e retorno; outros utilizam-se de análises discriminantes e tantas mais.

É certo que estas opiniões, tecnicamente abalizadas, são importantíssimas para a formação dos preços de mercado e para a “educação” e “informação” dos investidores, sejam eles “profissionais” ou “comuns”. Em sentido mais vulgar, os analistas do mercado financeiro e de capital são pagos para informar e dar uma opinião especializada sobre a economia, os setores e as empresas. Cumprem um papel de interesse público vez que atingem vastas porções da sociedade. Não à toa, aqui e alhures, as suas atividades são reguladas e requerem supervisão estatal e/ou de autorregulação profissional. No Brasil, a APIMEC é a entidade que supervisiona estes profissionais à luz da regra emanada da CVM – Comissão de Valores Mobiliários (INCVM 483).

Como se vê a função do analista do mercado financeiro e de capital é fundamental na economia moderna. Para que o desenvolvimento de suas atividades seja pleno é essencial que existam certas condições e parâmetros, dentre as quais cito três e sobre elas teço comentários. Vejamos.

  1. Ampla liberdade de opinião, mesmo que balizada por boa técnica. Parece simples, mas não é. Neste quesito há restrições de todos os lados para o analista, desde os legítimos, mas conflitantes interesses relativamente a entidade que o emprega até a “patrulha ideológica” de grupos de poder. Neste item cabe lembrar que analistas de instituições financeiras foram demitidos por opinarem sobre os efeitos cambiais altistas da eleição da atual presidente da República. Ademais, partidos políticos tentaram impedir que relatórios de investimento fossem emitidos sob o argumento de que “influenciavam” a eleição. A defesa da liberdade de opinião é questão republicana e não mera panaceia. Cabe defendê-la, por princípio;
  2. A análise tecnicamente bem construída deve ser respeitada, mesmo que suas conclusões sejam duras. A melhor atitude dos que discordam de uma opinião/visão é o contraditório público e obediente à regulação e a Lei. Se se acreditasse mais neste processo, as considerações sobre a Petrobrás teriam sido mais úteis para que as calamidades que atingiram a estatal pudessem ser conhecidas mais cedo;
  3. A análise de investimento no geral resulta em recomendações/opiniões sobre um determinado ativo (ações, títulos de renda fixa, etc.). A opinião/previsão do analista tem de ser embasada por certos critérios, os quais tem de ser sustentáveis do ponto de vista ético (e.g. ser independente) e dentro de um “estado da arte” da técnica - as conclusões não podem ser “palpites”, mas ter suporte razoável do ponto de vista técnico. Como, na maioria das vezes, se opina sobre o “futuro”, o analista tem obrigação de “meio” (melhor opinião com a melhor técnica e ética) e não de “resultado”, pois a análise não é profecia (como imaginam alguns). A responsabilidade é elevada e, portanto, enseja direitos e deveres. Eis uma evidência inequívoca da metabolização do Direito e das Finanças.

Os exemplos que cito (e que poderiam ser muitos outros) ensejam o fortalecimento institucional da entidade que representa os analistas. Desde 1970, a APIMEC (então ABAMEC) se empenhou na luta pelo desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. O seu esvaziamento continuado e triste nos últimos anos é fato lamentável porquanto conspira contra a excelência da difusão da informação qualificada sobre a economia, os mercados e as empresas. As ideias da entidade são frágeis e muitos que pertencem ao seu corpo diretivo estão conflitados com interesses privados.

Como sabemos interesses privados sempre terão defesa. Interesses comuns, nem sempre. É a dimensão institucional da sociedade que lhe confere a capacidade de defender interesses legítimos, afastar riscos ilegítimos, construir espaços para o crescimento econômico e para o progresso social por meio da formulação e implementação de estratégias. Mesmo as sociedades mais individualistas do mundo anglo-saxão são altamente institucionalizadas. Nas últimas décadas, tais instituições se tornaram think tanks, fontes de ideias novas ou renovadas que produzem atrito social e político capaz de forjar para frente interesses legítimos e socialmente relevantes. Assim, a sociedade segue adiante e não fica salinizada, paralisada, inerte. Os analistas do mercado de capitais – e não somente eles! - precisam voltar a se engajar aos principais temas econômicos, sociais e políticos do Brasil. A atual fraqueza institucional de sua representação, a APIMEC é motivo a mais para edificar ideias e estratégias . Quando se vê o nosso país enfraquecido é preciso se mostrar presente sob pena de ser conduzido pela história e não conduzi-la.



Francisco Petros
é advogado especializado em direito societário e do mercado de capitais do Fernandes Figueiredo Advogados, economista, ex-presidente da APIMEC-SP e do Conselho de Supervisão dos Analistas do Mercado de Capitais.
francisco.petros@fernandesfigueiredo.com.br


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