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Educação Financeira

DÉFICIT FINANCEIRO & SUPERÁVIT FÍSICO

A vida no planeta se prolonga e nossa geração encara um desafio único. Queremos aumentar nossa gordura financeira, ao mesmo tempo em que lutamos contra o acúmulo de gordura corporal - obstáculo à realização do sonho de uma aposentadoria independente e saudável.

No mundo, há atualmente 2,1 bilhões de pessoas obesas ou com sobrepeso. No Brasil 58% das mulheres e 52% dos homens estão acima do peso ou obesas. Nos Estados Unidos, essa é a situação de 70% da população adulta. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Métricas e Avaliações de Saúde (IHME) em 188 países mostra que a obesidade e o sobrepeso aumentaram 27,5% em adultos e 47,1% em crianças entre 1980 e 2013.

A batalha pela perda de peso vem acompanhada pela luta para tirarmos nossas finanças da subnutrição. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio, 59,3% dos brasileiros tinham dividas e 18,5% tinham contas em atraso no final de 2014.

Vistos lado a lado, os estudos não deixam dúvidas: um número cada vez maior de brasileiros luta constantemente para ficar mais magro e menos endividado.

Dietas e planos
O trabalho dos nutricionistas e planejadores financeiros é extremamente semelhante. Ambos tentam convencer as pessoas a abrir mão de parte do consumo presente em favor de um futuro com mais saúde, seja ela física ou financeira. O efeito sanfona é o pesadelo de ambos os profissionais: ele faz ressurgir os pneuzinhos na barriga ao mesmo tempo que pode levar embora as economias.

Acontece que a luta pela fortuna começou bem antes da luta pela magreza, mas segue como um objetivo muito mais secreto. Falamos incessantemente sobre como perder peso, comemoramos com os amigos os quilos perdidos e lamentamos publicamente os ganhos.

Com o dinheiro a situação é diferente: se estamos vencendo a batalha, escondemos. Se a batalha vem sendo perdida e o endividamento sai de controle, com vergonha, também escondemos. Como evitamos falar de dinheiro não aprendemos com o sucesso nem com o fracasso dos outros. Infelizmente falar de dinheiro ainda é um grande tabu.

A culpa é das hienas
O ato de poupar é comum a muitos animais. Mesmo antes de o primeiro Homo Sapiens surgir nas savanas africanas, nossos antepassados já poupavam. Nós humanos, assim como muitos animais, aprendemos a poupar em momentos de fartura para atravessarmos os períodos de penúria. A seca e o frio mostraram que quem não poupa morre de fome. Certamente os genes daqueles menos propensos a poupar ficaram pelo caminho da evolução. A fábula da formiga e da cigarra transmite esta lição através das gerações.

Mas se a poupança é algo tão antigo e natural para os humanos, por que temos tanta dificuldade em manter nossas contas no azul?

Voltando 200 mil anos na nossa história, ainda nas savanas africanas, imagine viver junto aos primeiros Homo Sapiens. Seu desafio diário seria buscar comida e água, as maiores limitações à vida. Digamos que em determinada manhã, seu grupo (com inteligência muito superior ao de outros animais) consegue abater um enorme gnu. O que você faz? Na savana, o inteligente a fazer era se lançar com todo o ímpeto a comer o máximo possível antes que as terríveis hienas se aproximassem para lhe roubar a presa.

Aprendemos a poupar, mas a poupança que estamos organicamente programados a fazer é em forma de gordura corporal. Por muito tempo, gordura foi sinônimo de saúde e riqueza. Mas agora que a comida não corre como os gnus e as hienas não nos atormentam, acumulamos gordura muito facilmente. Em vez de nos proteger, colocamos em risco nossa sobrevivência.

Conquistamos muito conforto, mas o acesso à tecnologia ainda custa caro. E, infelizmente, não podemos pagar nossa fatura do cartão de crédito com alguns quilos de gordura proveniente da poupança corporal.

Poupando para a velhice
No último século conquistamos um nível de conforto e qualidade de vida inimaginável para os nossos antepassados recentes. Este conforto, além de nos tornar mais gordos, aumentou tremendamente nossa expectativa de vida.

Se em 1900 nossa expectativa de vida estava abaixo dos 35 anos, na virada do século 21 ela já se aproximava dos 70. O Brasil levou exatos 60 anos para ver a participação das pessoas acima de 60 subir de 5% para 10% do total da população. Segundo projeções, em 2050 o número de brasileiros com mais de 60 anos vai chegar a 70 milhões ou 32% da população. Ainda mais desafiador, o número de pessoas com mais de 80 anos deve chegar a 16 milhões.

Portanto, além de poupar para imprevistos, precisamos poupar para a previsível velhice cada vez mais longa. Não é que no passado não se ficasse velho, o fato é que poucos tinham esta sorte. Quando poucos ficavam velhos, uma boa estratégia para enfrentar a improvável velhice era enriquecer a família. A expectativa dos filhos era de receber uma herança dos pais. Como contrapartida, os filhos assumiam um pacto inter-geracional: cuidar dos pais caso eles ficassem velhos.

Este pacto funcionou durante milênios. Mas com o drástico aumento da expectativa de vida, ele se torna cada vez menos sustentável. Hoje é comum ver filhos sexagenários que têm que cuidar de pais (e mesmo dos avós). Como resultado, se não cuidarmos da nossa saúde física e financeira vamos prejudicar de forma profunda a geração dos nossos filhos.

O desafio é enorme, a luta é longa, e certamente o primeiro inimigo a vencer é o tabu. Que tal conversar sobre nosso déficit financeiro tanto quanto falamos sobre o nosso superávit nutricional?



Jurandir Sell Macedo

é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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