Em Pauta

FRAUDE CORPORATIVA NO BRASIL

No Brasil, apesar dos avanços regulatórios, sobretudo a partir da Lei Anticorrupção (12.846/2013) e mesmo com a intensificação das operações policiais que investigam casos de suborno, lavagem de dinheiro e outros atos ilícitos, as fraudes corporativas ainda são pouco detectadas. É o que revela o Relatório Global de Fraude & Risco 2016/2017 da consultoria Kroll, que entrevistou 545 altos executivos de grandes empresas em todo o mundo, sendo mais de 50 no Brasil.

Embora 94% dos respondentes brasileiros tenham admitido que a exposição às fraudes aumentou, ou seja, as vulnerabilidades se amplificaram, 68% confirmaram a incidência de más condutas nos últimos 12 meses - índice que ficou 9 pontos menor do que na edição anterior da pesquisa em 2015. Globalmente, a média das companhias que identificaram fraudes foi de 82%, portanto, 14% superior ao registrado no Brasil.

Segundo Fernanda Barroso, diretora da operação brasileira da Kroll, essa disparidade representa problemas de detecção de fraudes pelas corporações no País. Ela avalia que apesar de recentes progressos na implementação, os programas de compliance precisam ser reforçados. "Ainda há deficiências relevantes nos controles internos e, como consequência, as empresas demoram mais para detectar falhas e fraudes do que em países onde os programas de conformidade são melhor estruturados", afirma a executiva. Ela ressalta ainda que crise econômica no País restringiu os investimentos em compliance. Os recursos destinados à essa área foram aquém do necessário para aperfeiçoar os controles.

Conforme o estudo, as fraudes mais sofridas nos últimos 12 meses foram roubos de ativos físicos (24%); roubos, perdas ou ataques à informação (21%) e fraudes de vendedores, fornecedores ou compradores (21%). Globalmente, esses também são os três principais tipos de golpes. Contudo, as médias do âmbito mundial indicam maior detecção de casos complexos como fraudes financeiras internas, desvios de verbas das empresas e lavagem de dinheiro.

Fonte: Kroll - Relatório Global de Fraude e Risco - 2016/2017

Fernanda Barroso ressalta que, em geral, o perigo está, ou já esteve, dentro de casa (insiders). Na liderança do ranking de autoria de irregularidades aparecem os ex-funcionários (43%); os autônomos e funcionários temporários (26%) e os funcionários júniores (22%). Os funcionários de médio e alto escalão representam uma parcela de 9% dentre os responsáveis por fraudes.

Em relação aos canais de descoberta de fraudes, o Brasil apresenta um importante gap. Enquanto os denunciantes (whistleblowers) são mais ativos globalmente, entre as empresas brasileiras ocupam a última colocação como meio de descobrir os desvios (apontado por apenas 17% dos entrevistados). A auditoria externa foi citada como principal meio de descoberta de fraudes no cenário brasileiro. Isso, segundo a Kroll, demonstra falha nos controles porque esse não é o papel essencial dos auditores independentes.

Conforme Ian Cook, diretor sênior da Kroll na área de compliance, na cultura brasileira vigora a repulsa por denunciantes, frequentemente considerados, de forma equivocada, como "traidores" ou "dedos-duros". Os delatores temem retaliações dentro das empresas.

Para que esse canal funcione, o especialista afirma que é fundamental proteger os denunciantes e demonstrar que as acusações serão investigadas, assim como, os responsáveis pelas condutas impróprias serão, de fato, punidos. Lembrando que a Lei Anticorrupção institucionaliza os denunciantes.

No início deste ano, a KPMG divulgou a segunda edição da pesquisa "Maturidade do Compliance no Brasil". O levantamento teve a participação de altos executivos e membros do conselho de administração de 250 grandes companhias de variados setores como farmacêutico, serviços financeiros, bens de consumo, infraestrutura e tecnologia e telecomunicações. De forma geral, os programas de conformidade ainda precisam passar por uma série de mudanças para se tornarem mais efetivos. Uma série de gargalos foram identificados.

Fonte: Kroll - Relatório Global de Fraude e Risco - 2016/2017

Apesar de ser importante identificar e monitorar riscos de compliance, somente 58% das companhias afirmaram possuir mecanismos de gestão desses riscos, enquanto 42% informaram desconhecê-los.
É requisito da boa governança manter uma estrutura dedicada aos temas de compliance com recursos, autonomia e independência. Porém, 44% das empresas não possuem departamento dedicado; 52% dizem que não contam com recursos suficientes e 36% afirmaram não terem autonomia e independência.

Questionadas sobre a frequência de reportes da área de compliance ao Conselho de Administração e respectivos comitês, 9% disseram não possuir qualquer comunicação ou relacionamento com a administração; 20% reportam somente quando há solicitações. Dentre as empresas que têm os relatos à administração sistematizados, 23% fazem o reporte mensalmente; 9% de forma bimestral; 26% relatam a cada três meses e 6% anualmente.

A situação também é crítica em relação aos canais de denúncias. Conforme o estudo da KPMG, 12% das empresas declararam não ter estrutura para acolher informações dos denunciantes e outras 12% não monitoram o volume de relatos. Dentre as organizações que mantêm canais de denúncias, 31% registraram menos de 20 relatos nos últimos 12 meses; 33% receberam entre 20 e 100 e 22% tiveram mais de 100 relatos.

As fragilidades de compliance mais relevantes destacadas pelos respondentes foram doações, patrocínios, brindes e despesas com viagens (85%); conflito de interesses e informações privilegiadas (82%); conduta dos parceiros de negócios, clientes e fornecedores (81%) e relacionamento com agentes públicos (80%).

 


Continua...