Ponto de Vista

RETORNO DA POPULARIZAÇÃO DA BOLSA

Sem dúvida é fato auspicioso que o número de investidores individuais que aplicam parte de sua poupança em ações via a B3 (Bolsa de Valores) esteja aumentando, aproximando-se do número expressivo de 1 milhão. 

Essa expectativa está se tornando realidade em função, principalmente da queda da taxa de juros que, como exaustivamente comentei no meu livro “Valeu a Pena – Passado Presente e Futuro do Mercado de Capitais”, era uma condição sine qua non para que os investidores voltassem a considerar a aplicação em renda variável como alternativa válida. Esse comportamento só se viabilizou em função da queda substancial da inflação, fator determinante para que a taxa de juros tivesse durante longo período se mantido em patamar desestimulante a aplicações alternativas.

Portanto, a volta, ainda que tímida dos investidores para o mercado acionário deve ser muito bem recebida. Não era crível que houvesse, no Brasil, um número maior de possuidores de moedas virtuais como os Bitcoins do que aplicadores no mercado acionário.

Estamos caminhando para a retomada da popularização em Bolsa?
Creio que a primeira resposta já tenha sido respondida. Certamente a taxa de juros prevalecente tornava a concorrência com os títulos públicos indexados ao CDI, quase impossível.

Mas é fundamental que outros fatores ocorram para que essa migração seja sustentada a médio prazo. Em primeiro lugar, que a confiança na recuperação da economia se torne uma realidade e não um desejo. Como nos ensina o grande cientista brasileiro, Mario Gleizer, recentemente premiado no exterior “recuperar a confiança perdida é como tentar tornar inteiro um papel cortado”.

Os estragos no nosso desempenho econômico foram muito grandes e não possibilitaram que a tão esperada retomada do crescimento ocorresse com a rapidez desejada. A demora na implantação das reformas necessárias como da Nova Previdência e a Tributária, geraram um processo de desgaste entre o Executivo e o Congresso que atrasou o andamento dos projetos. Não houve a esperada unanimidade entre os desejos do Governo e um novo Congresso ainda buscando uma estrutura harmônica e receptiva aos projetos oriundos do Executivo.

Outro fator relevante é a consequência de que a falta de confiança está retardando investimentos e consequentemente o próprio crescimento econômico. A taxa de investimentos no Brasil de hoje é totalmente incompatível com nossas necessidades e um dos mais baixos dos últimos 20 anos.

Importante também é a questão educacional. Anos a fio de aplicações muito rentáveis em renda fixa indexada desmotivaram certas formas de investimento, principalmente no mercado acionário.

Em boa hora, o jornal Valor Econômico vem dedicando um espaço à questão da educação do investidor. Esse espaço também está sendo repartido com agentes do setor privado com o mesmo objetivo, cientes dessa necessidade para um mercado sustentável. No entanto, essas políticas educativas têm que ser consistentes e com prazo suficiente para se fixarem.

A cultura rentista ficou muitos anos arraigada na mente dos investidores, e o esforço tem que ser prolongado para contarmos com uma nova cultura de investimento.

Convém também não esquecer o papel dos investidores institucionais e dos fundos de investimento focados na renda variável - que recebem um contingente apreciável de investidores pessoas físicas - que, indiretamente, estão investindo na Bolsa.

Não posso deixar de abordar a necessidade de que empresas viáveis possam ir ao mercado, ampliando através de IPOs, a disponibilidade de companhias abertas que possam atrair novos investidores.

Por último, não podemos descuidar dos aprimoramentos contínuos da governança corporativa que, apesar dos progressos, constatados no último decênio, há sempre espaço para aprimoramento e atualização.

Não podemos perder de vista que estamos vivendo um momento de grandes transições num mundo em permanente processo de transições dos negócios e consequentemente de investidores.

Roberto Teixeira da Costa
é economista e foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Recentemente publicou o livro “Valeu a pena: passado, presente e futuro do Mercado de Capitais.
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...