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PROPOSTA DA RECEITA PARA MUDANÇA NA APURAÇÃO DO IRPJ PREOCUPA

A Receita Federal elaborou o projeto “Uma nova visão para o IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) com base no lucro real”. Em agosto, técnicos da RFB apresentaram a proposta em uma reunião das nossas comissões de Auditoria e Normas Contábeis (CANC) e de Relações Institucionais e Governamentais (CRIG). O objetivo, segundo eles, é criar mais segurança jurídica, mais objetividade, transparência e simplificação. Na visão da Receita isso significará menos litígios, redução no custo Brasil, menos instabilidade e obrigações acessórias.

Na prática, o projeto cria um modelo sob o qual a apuração da base de cálculo do imposto possua regras tributárias específicas e independentes, deixando de tomar como ponto de partida o lucro contábil. Ou seja, Lucro Real com Base no resultado fiscal para apuração do IRPJ e também da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Esta sistemática, segundo os técnicos da RFB, já é adotada por outros países como Estados Unidos e Reino Unido.

Acrescentaram que, após a edição da Lei no 12.973/14 (conversão da MP 627/13), não ocorreu a esperada simplificação na sistemática de apuração do Lucro Real. Pelo contrário, as contínuas mudanças nos IFRS vêm agregando maior complexidade em função do excesso de ajustes de adições e exclusões para neutralização dos efeitos contábeis. “Isso causa instabilidade na base de cálculo do IRPJ na medida em que a RFB tem que se pronunciar acerca do tratamento fiscal a ser dado para todos os pronunciamentos contábeis, indicando se há ou não mudança de critério contábil”. Em função da subjetividade das normas contábeis, a interpretação da RFB pode estar sujeita a discussão jurídica, o que não propicia segurança e tampouco simplificação para as empresas.

Abandono das regras do IFRS
A ideia da Receita é cobrar o IRPJ sobre um lucro cujo cálculo deixa de lado as regras contábeis do IFRS, adotado no Brasil desde 2008. A Receita defende que o cálculo seja feito sobre um lucro real apurado com base em novo conceito de resultado fiscal, que viria da diferença entre receitas e deduções fiscais. Segundo o órgão, a mudança não traria aumento de carga tributária às empresas e reduziria instabilidade de normas e obrigações acessórias.

Na verdade a proposta da Receita abandona as regras do IFRS, o que torna o cálculo do IRPJ mais complicado. Essa mudança pode gerar ainda insegurança jurídica, pois no momento em que se desvincula a legislação tributária do IFRS perde-se a referência das normas contábeis. Isso significa um grande problema, pois estariam sendo criados novos conceitos.

Além disso, consulta entre os associados da Abrasca revelou que há expectativa de que a alteração aumente a carga tributária das empresas, havendo portanto, uma resistência à proposta por parte das companhias abertas. O projeto não traz simplificação para os contribuintes, como dizem os técnicos da receita, já que as empresas terão que continuar a apurar o lucro contábil paralelamente ao resultado fiscal para fins tributários.

A Receita pretende tornar obrigatória esta sistemática a partir de 1º de janeiro de 2021/2022, podendo ser antecipado para 1º de janeiro de 2020.

O que pensam os nossos associados
Mais de 60% dos associados da Abrasca não acreditam que a proposta de mudança no Imposto de Renda para Pessoa Jurídica, em estudo pela Receita Federal do Brasil, vai simplificar a maneira de apurar o IRPJ e a CSLL.

Grande parte dos representantes das companhias abertas (62%) acha que os controles necessários para elaboração do DRF – Demonstração do Resultado Fiscal – poderão resultar, na prática, na elaboração de um balanço fiscal.

Opinião
O que os executivos pensam sobre a proposta e sobre as consequências caso seja implantada:

  • Necessidade de estabelecer controles - inexistentes hoje - o que significará aumento de horas para execução e custos com implementação de sistemas;
  • Necessidade de maior amadurecimento da proposta com uma visão ampla do cenário das grandes empresas; melhor detalhamento da origem das informações que irão compor a DRF; análise aprofundada dos impactos de diversos fatores que afetam a base de cálculo do IRPJ, que não advém das práticas contábeis (Transfer Pricing, Lucros no Exterior, Lucro da Exploração);
  • A principal medida de simplificação a se pensar é a tributação unificada na sociedade que consolida os resultados do grupo. Outro ponto a ser considerado é como adequar o conceito supostamente aberto de "deduções fiscais" à infinidade de situações enquadráveis nestas hipóteses;
  • Alterações em sistemas e implementação de novos controles nos padrões da RFB serão necessários; os controles na parte B continuarão a existir; a implementação dessa proposta vai significar mais custos para as companhias; a mudança vai criar duas contabilidades: a Fiscal e a Societária; e
  • Hoje há diversas soluções tecnológicas em funcionamento que ajustam o resultado contábil para apuração do Lucro Real. Com a nova proposta, terá que ser montada uma contabilidade fiscal com regras específicas na origem dos lançamentos contábeis, ou seja, duas contabilidades.

Aumento na carga tributária?
A nova proposta pode trazer aumento da carga tributária em função da implantação de novos modelos? 56% disseram que sim e 44% acham que não haverá aumento nos impostos.

> Há algumas mudanças que podem impactar na carga tributária, por exemplo no caso do aumento do prazo de amortização do ágio de 5 para 20 anos.

> A Receita pode aproveitar para construir seu próprio conceito de Lucro fiscal, realizar novos procedimentos de apuração, evidenciar os processos, alinhar procedimentos internos para obter resultados distintos.

> A simplificação de determinados critérios pode aumentar a carga para uns e reduzir para outros. Dificilmente uma mudança de critérios não altera a carga individual do contribuinte.

Não há dúvida quanto ao enorme desafio que é a implantação do IFRS na jurisdição brasileira. Aumenta a complexidade das demonstrações financeiras das empresas, elevando muito seu custo de preparação, de auditoria e de divulgação. Contudo, as demonstrações financeiras, sobretudo nos dias de hoje, são demonstrações integradas que prestam contas a todos os stakeholders, e necessitam respeitar um padrão único.

Será que cabe o total desalinhamento entre a base do lucro para remuneração dos investidores e para o cálculo do imposto devido sobre a renda? A Abrasca entende que não.

As companhias abertas não devem utilizar sistemas contábeis distintos como base para a prestação de contas a seus diferentes stakeholders. Antes da implantação do IFRS no Brasil, pela Lei 11.638/07, as companhias eram obrigadas a reportar em diferentes "GAPs" - General Accounting Principles, de acordo com seus públicos de interesse. Companhias que possuem recibos de depósito de ações negociados na NYSE, por exemplo, apresentavam seus balanços em BrGap, para fins de apuração de IR e prestação de contas à CVM, e em USGap, para atendimento à SEC, com duplicação de custos, além de um enorme esforço de conciliação dos lançamentos.

A proposta em discussão na RFB não é convergente com a ainda frágil cultura de reporte internacional, em implantação no Brasil por meio do IFRS com apoio do Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Sem dúvida, é um enorme desafio integrar culturas e ambientes de negócios distintos. Contudo, o pressuposto para o sucesso da integração dos padrões contábeis no mundo é o atendimento a todos os públicos de interesse. Retirar qualquer um dos consumidores da informação seria ferir de morte a lógica do IFRS, fragilizando a higidez do processo.

Alfried Plöger
é presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
abrasca@abrasca.org.br


Continua...