Como nos fazem lembrar os exemplos icônicos da Enron (EUA, 2001), Parmalat (Itália, 2003), Lehman Brothers (EUA, 2007), Saytan (India, 2009), Petrobras (Brasil, 2014), Toshiba (Japão, 2015) e Wirecard (Alemanha, 2020), os mecanismos tradicionais de prevenção e controle de fraudes são vulneráveis à ação de pessoas mal-intencionadas. Neste contexto, algumas aplicações de baseadas em RPA e em Inteligência Artificial, como o NLP e o ML, passam a reforçar de maneira inédita os sistemas de gestão de riscos e de compliance corporativos. Empresas Siemens, Amazon, Subway, Honeywell, Citigroup, HSBC, GE, Visa e Coca-Cola experimentam o futuro do combate às fraudes contábeis ao adotar estas novas soluções tecnológicas.
As principais fraudes contábeis podem ser agrupadas como desvio de ativos, divulgação inadequada, contabilidade criativa e documentação falsa e envolvem práticas de reporte exagerado de receitas, supressão de despesas, manipulação de dados financeiros, falsificação de faturas ou contratos, entre muitas outras. A identificação das fraudes contábeis incluem os mecanismos de controles internos, auditoria interna, informação de terceiros e de funcionários, investigações especiais, denúncia anônima e auditoria externa – todos dependem, em última instância, do caráter dos profissionais envolvidos e não estão protegidos da ação de pessoas mal-intencionadas.
Por outro lado, já existem empresas que oferecem soluções de prevenção de fraudes contábeis, usando tecnologias como RPA (Automação Robótica de Processos), NLP (Processamento de Linguagem Natural) e ML (Aprendizado de Máquina), que capturam e analisam grandes quantidades de dados complexos, e identificam vulnerabilidades para a investigação dos auditores. Enquanto o RPA automatiza a coleta de dados e a execução de tarefas repetitivas como inserção de dados em sistemas ou planilhas, o NLP permite interfaces similares às funções dos seres humanos como leitura, audição e fala. Já os algorítimos de ML podem identificar comportamentos fora de padrões e apontar os riscos de fraude em diversos eventos contábeis. Soluções da UiPath identificam anomalias e padrões de comportamento contábil suspeitos em empresas como DHL, Siemens e Amazon. A Kount identifica e previne fraudes em tempo real em empresas como Subway, Honeywell e Sage. A Ayasdi identifica padrões de fraude em dados complexos em empresas como Citigroup, HSBC e GE, enquanto a SAS faz o mesmo em empresas como HSBC, Visa e Coca-Cola.
As soluções de ML também analisam os dados em busca de anomalias, padrões e outras informações relevantes, podendo ser usadas para detectar automaticamente problemas de transparência, como erros ou omissões em relatórios ou violações de políticas internas. Isso permite que a empresa aborde rapidamente os problemas identificados, antes que sejam notados por terceiros. A plataforma da Sift usa algoritmos de ML para analisar dados em tempo real e identificar padrões de comportamento suspeitos, alertando para a necessidade de medidas imediatas. A empresa de tecnologia financeira Compliance.ai oferece soluções para gerenciar riscos associados às mudanças em leis e regulamentações, além de identificar comportamentos antiéticos ou suspeitos em bate-papo, e-mail e outros canais de comunicação por meio de padrões ou palavras-chaves.
A Fidelity identifica possíveis conflitos de interesse éticos ou de transparência nas operações de uma empresa, especialmente em transações financeiras ou em atividades dos colaboradores. A Behavox combina análises avançadas de NLP e processamento de dados para detectar atividades suspeitas em tempo real, com recursos para auditar, relatar e analisar dados de comunicação eletrônica e auxilia na identificação comportamentos não conformes, como assédio, discriminação e ameaças que podem estar associados, inclusive, à esquemas de fraude contábil.
Empresas como a Splunk utilizam ML para detectar em tempo real o acesso não autorizado aos dados, o acesso a informações sensíveis ou a movimentação atípica de dinheiro. A plataforma da ShieldFC fornece insights e relatórios para ajudar na identificação de riscos e garantia da conformidade às regulamentações financeiras, como a Lei de Sigilo Bancário nos Estados Unidos. A Tessian usa ML para identificar o compartilhamento não autorizado de informações confidenciais e atividades em desacordo com políticas internas estabelecidas no Código de Conduta.
A plataforma de modelagem de crédito da Zest, baseada em IA que permite que as instituições financeiras tomem decisões mais justas e precisas; com as todas as decisões rastreáveis, incluindo a documentação completa do processo decisório, aumenta a transparência junto às partes interessadas.
É inegável que a tecnologia facilita o combate à fraude contábil pois o mix tecnológico aumenta o rigor do controle, amplia o alcance dos dados analisados para próximo de 100%, e produz alertas sobre inconsistências que provavelmente passariam desapercebidas. No entanto, em todos os casos, a integração entre os processos automatizados e os profissionais continua sendo fundamental para evitar fraudes. Ainda é necessário que os auditores contábeis realizem a validação dos resultados e tomem decisões apropriadas.
As soluções tecnológicas caminham junto com políticas eficazes de gestão de riscos e treinamentos constantes para todos na organização – nada substitui a cultura de ética no ambiente corporativo.
Alexandre Oliveira, PhD, CCA
é Conselheiro de Administração com foco em Estratégias e Riscos da Transformação Digital. Membro da Comissão de Estratégia do IBGC, da Agroven (Smart Money for AgTechs) e CEO da Cebralog Consultoria. Doutor em IA nas Decisões Corporativas (Unicamp), pós-graduado Negócios Digitais (MIT) e em Finanças (Unicamp). Mestre em Supply Chain (Cranfield University).
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