“Compre na baixa e venda na alta” é um dos ditados mais populares no mundo das finanças, mas, às vezes, parece cair no esquecimento. É esperado, e até compreensível, que muitos dos “nontraditional investor”, como o mercado tem chamado os investidores sem mandato específico para investir em startups (geralmente family offices fazendo investimentos diretos, hedge funds estrangeiros, alguns fundos de private equity sem especialização no mercado de tecnologia e outros), se assustem e se afastem durante o momento de turbulência, mas esta também é uma oportunidade que se abre para os tradicionais investidores profissionais da indústria, os gestores de Venture Capital.
Os juros de referência poderão continuar uma escalada globalmente por mais de um ano ainda, mas mesmo que superem o patamar de 6% e cheguem aos catastróficos 8-9%, vale lembrar que até a década de 90, quando os juros nos Estados Unidos superavam esse nível, o mercado de investimentos em startups americano já existia e continuou em crescimento.
No entanto, dois fatores eram bem diferentes à época: o valuation das startups investidas e o índice de sucesso obtido por investimento realizado. Esses dois pontos talvez sejam os mais críticos a serem endereçados no mercado hoje.
Primeiro, a habilidade dos investidores em conseguir garantir bons “pontos de entrada” será fundamental para o desempenho do fundo ao final do ciclo (6-8 anos à frente), no período de desinvestimento.
Segundo, o índice de sucesso. Em um período histórico mais longo, os fundos projetavam que somente um terço de seus investimentos garantiria sucesso em uma rodada subsequente. No entanto, desde 2020 o que vivenciamos foi um frenesi em que diversos fundos viram mais de 50% de seus investimentos garantindo rodadas subsequentes.
O que é ótimo do ponto de vista de inovação, infelizmente não se sucederá e deveremos observar uma série de fundos que já estão em período de desinvestimento regredindo para um sucesso até inferior aos 33%, algo que trará incerteza para os investidores financeiros (“LPs”) com menos histórico de investimentos nessa classe de ativos.
Segundo o Crunchbase, há mais de 1.000 startups que já alcançaram o famigerado “series A”, quando espera-se que o produto já tenha atingido maturidade para um mercado inicial e que o desafio passe a ser a escalada para uma penetração mais ampla (“product-market-fit”).
Essas startups vinham operando com uma sede enorme por crescimento, mas além do ajuste de mercado, a agilidade esperada das startups trouxe também ajustes de estratégia, resultando nas centenas de layoffs tão noticiados.
Certamente, a partir de agora crescerão mais lentamente e inevitavelmente as expectativas de valorização de valuations serão frustradas. Infelizmente, também é certo que a maioria delas ficará pelo caminho, porém este é um risco sabido previamente não só pelos fundadores, mas também por seus investidores e colaboradores mais experientes.
Assim, ainda que um pouco fora de moda, se considerarmos que menos de 10% das startups pós-series-A atinjam o posto de valuations superior a US$ 1 bilhão, até o final da década podemos acreditar que iremos testemunhar mais de 100 startups brasileiras consideradas unicórnios no mercado, mais de 5 vezes do que vemos hoje.
Serão negócios que trarão eficiência para seus mercados, permitindo mais inclusão e competitividade, gerando mais empregos e renda, além de arrecadação. Portanto, acredito que ao invés de colocar foco na queda de mais de 30% do volume levantado por startups globalmente no comparativo de 2021 vs 2020, segundo dados do Pitchbook, é preferível observar que o volume de capital disponível (dry powder) para investimentos em startups nunca esteve tão alto na história.
Podem anotar. As startups que conseguirem demonstrar sua capacidade de gerar caixa e seu grau de sustentabilidade do modelo de negócio no longo prazo continuarão a atrair recursos.
Assim, olhando “daqui para frente” para o ecossistema brasileiro, o cenário é extremamente promissor não só para os empreendedores, mas também para os investidores que tiverem paciência e apetite para o longo prazo.
Se vale de “aperitivo”, na última vez que essa assimetria aconteceu (2009-2011), de acordo com estudo da ABVCAP, os fundos que investiram nessa época obtiveram retornos médios anuais entre 30-50%.
Com profissionalismo, dedicação e uma boa dose de criatividade e inovação, a indústria de Venture Capital deve continuar a crescer no Brasil e se firmar cada vez mais como fonte de geração de valor a longo prazo. É assim que deve ser.
Gabriel Sidi Vieira
é co-fundador da EXT CAPITAL e da DOMO Invest.
sidi@extcapital.com.br