Entrevista

RAYMUNDO MAGLIANO FILHO A FORÇA DAS IDEIAS

Raymundo Magliano Filho, considerado um dos maiores batalhadores pelo desenvolvimento e fortalecimento do mercado de capitais no Brasil, acaba de lançar o livro: “A Força das Idéias para um Capitalismo Sustentável”, onde conta sua trajetória a frente da Bolsa de Valores de São Paulo - que, com base em conceitos filosóficos e iniciativas que alcançaram toda a sociedade, liderou uma revolução histórica entre 2001 e 2008, que democratizou o acesso aos investimentos e estabeleceu alicerces mais sólidos para o mercado de capitais no Brasil.

Magliano Filho, 72 anos, administrador de empresas graduado pela Fundação Getulio Vargas, conheceu o mercado de capitais muito cedo, trabalhando na corretora do seu pai, a Magliano S/A Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários - a primeira inscrita na Bolsa de Valores de São Paulo. Também, desde cedo, aprofundou seu conhecimento sobre temas humanísticos relacionados à Filosofia, Antropologia e Ciência Política, disciplinas que estuda até hoje e que o ajudaram a fundamentar sua atuação na BM&FBovespa e na Bovespa Holding S.A entidades nas quais introduziu uma gestão baseada no conceito de bolsa popular, visando combater a cultura do elitismo que impedia o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, tendo estado a frente da presidência da Bolsa de Valores de São Paulo por 7 mandatos consecutivos, de 2001 a 2008.

Hoje atua como Conselheiro do Instituto ETHOS, foi membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e de diversas entidades que atuam em níveis nacionais e internacionais. Magliano Filho também já teve o cargo de Superintendente do Conselho do Fórum de Jovens Empreendedores de São Paulo.

É autor de diversos artigos sobre o mercado de capitais publicados em jornais e revistas, admirador da obra de Norberto Bobbio e por isso hoje é presidente do Instituto que leva o nome do pensador italiano. O Instituto Norberto Bobbio dedica-se a divulgar os conceitos de Direitos Humanos, Democracia e Cultura.

Essa experiência inovadora e surpreendente, Magliano compartilha neste livro, que já nasce um clássico, destacando a importância dos filósofos que o inspiraram neste processo: Norberto Bobbio, Hannah Arendt e Antonio Gramsci. Acompanhe a seguir, a entrevista exclusiva concedida pelo Dr. Magliano à Revista RI, que tem a grande honra de tê-lo como membro atuante do seu Conselho Editorial:

RI: O que o levou a escrever o livro “A Força das Ideias para um Capitalismo Sustentável”? Qual foi o seu objetivo e de onde surgiu a inspiração?

Raymundo Magliano Filho: Como corretor, conselheiro e presidente da então Bovespa, participei ativamente do processo de democratização do mercado de capitais brasileiro. Esta experiência só foi possível graças à reflexão filosófica aliada à prática, de tal forma que os ensinamentos de Norberto Bobbio, Hannah Arendt e Antonio Gramsci adquiriam concretude por meio de um contínuo exercício do pensar a serviço da ação. Ao escrever este livro meu objetivo foi justamente compartilhar com a sociedade brasileira o ideal de fazer do mercado de capitais um aliado capaz de promover os principais valores humanos necessários para uma sociedade realmente democrática, e dessa forma permitir que a sociedade civil tenha acesso às ideias que nortearam a construção de um legado que ainda precisa ser desenvolvido.

RI: O senhor foi presidente da Bovespa de 2001 a 2007. Na prática, como foi possível trazer os conceitos dos filósofos que o inspiraram: Norberto Bobbio, Hannah Arendt e Antonio Gramsci - como instrumento de popularização do mercado de capitais?

Raymundo Magliano Filho: A filosofia é a chave para uma nova forma de agir. É certo que toda e qualquer reflexão deve estar articulada com seu tempo, seu contexto histórico, político, econômico e social. Quando Hannah Arendt sustenta que o verdadeiro gerador do poder é a ação humana em conjunto, e que as instituições responsáveis por estabelecer as condições nas quais vivemos devem sempre levar em consideração o homem, então não nos resta outra saída se não refletir sobre o papel das instituições para a consolidação da democracia. Foi essa reflexão que me orientou no processo de popularização (democrática!) do mercado de capitais. Com o pensamento e a ação articulados para enfrentar os desafios da realidade, podemos vivenciar e explorar o que chamo “a força das ideias”. No caso específico da então Bovespa, foram fundamentais as ações decorrentes das reflexões sobre transparência, visibilidade, acesso e cidadania, que culminaram na revolução cultural silenciosa da Bovespa.

RI: De que forma esses conceitos foram aplicados e quais foram os resultados?

Raymundo Magliano Filho: A legitimidade das alterações provocadas na estrutura da então Bovespa decorre da possibilidade de participação de todos os setores da sociedade nos processos decisórios fundamentais que estabelecem as condições nas quais vivemos. Mas isso não é suficiente. Foi decisivo que a própria estrutura passasse a incorporar e aplicar os valores democráticos. Nesse sentido, os três pilares “Bobbianos” da democracia – transparência, visibilidade e acesso – foram materializados a partir de ações específicas, como: os cursos de formação para que a população em geral aprendesse a atuar no mercado de capitais; o programa “Bovespa vai até Você”, cujo objetivo era levar informações e esclarecimentos sobre os principais conceitos do investimento em ações a milhares de pessoas nos mais variados locais do país (fábricas, praias, universidades etc.); o programa “Mulheres em ação”, desenvolvido no interior de um programa maior de ampliação dos investimentos de pessoas físicas, democratizando assim o aceso a um ambiente que era tradicionalmente visto como machista e elitista; e a criação da figura do ombudsman, hoje consagrado, como forma de mediação para resolver conflitos entre investidores e corretores. Todas essas ações tornam mais fácil compreender porque a Bovespa foi a primeira Bolsa de Valores do mundo a aderir ao Pacto Global estabelecido pela ONU, por meio do qual as empresas são estimuladas a proteger e praticar os direitos humanos. O resultado não poderia ser outro: uma bolsa ao alcance de todos os brasileiros, preocupada com o acesso do cidadão e instrumento fértil para a consolidação social da democracia

RI: O senhor poderia resumir os avanços do mercado de capitais brasileiro no período de 2001 até 2008, em termos de popularização, como aborda em seu livro?

Raymundo Magliano Filho: Os avanços do mercado brasileiro, em termos de popularização, estão inseridos na tríade visibilidade-integração-acesso, como forma de articulação entre Bovespa e sociedade civil. Assim, o programa “Bovespa Vai até Você” tinha o objetivo de ir ao encontro das pessoas, materializando o conceito de visibilidade de Bobbio (a menor distância possível entre governante e governado, e foi dividido em uma série de iniciativas, “Vai à Fábrica”, “Vai às Empresas”, “Vai à Universidade”, “Vai à Praia”, “Vai ao Metrô”, “Vai ao Judiciário”, entre outros. Já o programa “Mulheres em Ação” foi essencial para a popularização da Bolsa no universo feminino, integrando-as ao mercado de capitais a partir da especificada inerente de cada grupo social. Por fim, também gostaria de enfatizar o projeto “Bovespa nas Escolas”, por meio dos qual distribuímos para mais de 6 mil escolas da rede estadual de São Paulo os conceitos básicos de economia, além de criar o “Concurso Bovespa na Escola”, que consistia na elaboração de trabalhos sobre temas relacionados ao mercado de ações

RI: Ao que parece a tarefa de democratizar o mercado e ampliar o acesso aos pequenos investidores não foi, e ainda não é, das mais fáceis... Ainda há muito caminho pela frente?

Raymundo Magliano Filho: Realmente, a democratização do mercado de capitais e ampliação do acesso aos pequenos investidores foi uma árdua tarefa, para a qual foi necessária a transformação dos valores e da mentalidade. Certamente ainda há muito o que se fazer, notadamente nos esforços para que os programas educacionais sejam algo permanente, e que se iniciem desde a mais tenra idade, pois é ela a principal catalisadora da mudança democrática.

RI: Em números, como foi o acesso dos pequenos investidores nos ultimos anos?

Raymundo Magliano Filho: Em 2001 existiam cerca de 84.000 pequenos investidores cadastrados. Entretanto, após essas ações que desenvolvemos ao longo desses 8 anos, em 2008 o número de cadastrados chegou a 460.000. Hoje há uma diminuição desses números, uma vez que os pequenos investidores chegaram a somar mais de 600.000 cadastrados para, logo depois, retornar para abaixo deste patamar.

RI: Hoje, com esse movimento mais arrefecido, qual é a sua avaliação? O que deve ser feito primordialmente para reverter esse quadro?

Raymundo Magliano Filho: Sim, não há dúvidas de que este movimento está mais arrefecido. Hoje há um déficit de compreensão acerca da fundamental importância da educação financeira. Por esta razão o movimento perdeu força, e é por isso que volto a insistir no papel preponderante da educação financeira, que deve ser compreendida, debatida e efetivada de forma permanente.


Continua...