Em Pauta

MULHERES EM AÇÃO: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MERCADO DE CAPITAIS

Elas estão em altos cargos executivos, nos Conselhos de Administração, são investidoras na bolsa e mostram que a força feminina é poderosa. Mas ainda são uma minoria e sofrem preconceitos. Os desafios das mulheres no mercado financeiro, ainda dominado por homens são inúmeros e incluem, além do próprio estigma de ser mulher, a conciliação com o fato de ser mãe, esposa e muitas ainda são vítimas de violência física e psicológica. Nesta edição, a Revista RI selecionou dez mulheres de destaque no mercado de capitais para contar suas histórias e discutir os motivos da presença feminina ainda estar ainda aquém do que podem contribuir para a evolução do setor.

“É preciso ter muita força de vontade, de saber o que você quer, fazer um plano e não deixar sua carreira na mão de outra pessoa. É um erro muito comum ficar esperando e pensar: o RH da empresa vai me apoiar ou o meu chefe vai me dar uma oportunidade. Não! É você que tem que fazer. A carreira é sua. Você é que tem que bater na porta e dizer que está interessada”, aconselha Elvira Cavalcanti Presta, CFO da Eletrobras.

Este foi o segredo do sucesso da executiva eleita como a terceira melhor CFO da América Latina - do setor de Eletricidade & Energia - em 2020, em pesquisa realizada junto à analistas sell side pela revista Institutional Investor. Formada em administração de empresas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Elvira foi destemida desde o início de sua carreira. Ela começou como trainee na produção fabril da cervejaria Brahma, num ambiente tipicamente masculino. Para ganhar voz, resolveu fazer um mestrado voltado para a área de operações também na UFPE. “O mestrado era muito técnico. Decidi que não queria nada daquilo, mas o curso me levou a perceber que eu gostava de números, aí migrei para a área financeira”, conta.

Na Brahma, atual Ambev, durante quase dez anos, Elvira passou por diversos cargos até migrar para a área financeira. Mas a ascensão dentro de uma única empresa não era sua única ambição. O primeiro passo foi pedir a transferência de Recife para São Paulo, porém sua permanência na capital paulista não durou muito. Mal desembarcou e foi convidada a enfrentar um novo desafio: mudar de cidade e de setor de atuação. Passou da cerveja para a telefonia e de São Paulo para Brasília.

A Americel (hoje Claro) era uma operadora nova no Centro-Oeste. “Fiquei dois anos nessa posição. Foi um choque de cultura sair do ambiente Brahma para um outro tipo de negócio que eu não conhecia nada. Naquela época ninguém entendia de Telecom, pois o celular era uma coisa nova. Estávamos todos aprendendo juntos”, ressalta.

Este foi o segundo passo da carreira de Elvira, que não teve medo de mudar de estado, de país, nem de setor de atuação. Após um ano, a empresa acabou sendo vendida para Claro. “Eu preferi correr o risco de buscar outra coisa e me mudei de novo. Fui para o sul do Brasil e para o setor ferroviário. Cada vez que eu mudava de empresa, mudava de cidade e de setor da economia. Então era tudo difícil. Porque você tem que aprender sobre um novo negócio, não conhece ninguém, nem seu chefe, nem seus subordinados, não conhece a cidade. Tem que arrumar um apartamento, aprender a dirigir. Naquela época não tinha Uber nem GPS. Precisava andar com aquele guia Quatro Rodas que era uma coisa horrorosa. Passei por esses perrengues todos”, lembra.

Após a Americel, Elvira passou pela ALL Logística (2002-2005), onde também foi diretora financeira da unidade argentina, tendo que mudar de país. Voltou para o Brasil para a Light (2006- 2010) e passou pela MRS Logística (2010-2013) e Neoenergia (2013-2016). “Desde que saí de Recife eu me mudei muitas vezes de empresa e de local, sempre trabalhando muito, viajando e muito cansada. Então, decidi fazer um investimento de um ano sabático para me reciclar”, diz.

Neste intervalo, Elvira foi estudar sobre a nova economia e as startups. “Banquei uma viagem para Singapura. Fui, literalmente, para o outro lado do mundo para conhecer de tecnologia. Voltei com outra cabeça muito impressionada e comecei a me juntar em grupos de startups para tentar ser mentora como uma forma de me aproximar dessa turma jovem”, ressalta.

Após o período sabático, Elvira foi convidada a integrar o Conselho de Administração da Eletrobras como independente e, pouco tempo depois, recebeu outro convite para ser diretora financeira da empresa.

Mulheres como Elvira são uma raridade no mercado financeiro. Mas servem de exemplo e inspiração para aquelas que pretendem ingressar no segmento. “No início as pessoas olham para você com desconfiança. Quem é essa? Será que ela vai falar alguma coisa inteligente, será que ela vai contribuir? É muito duro isso porque é muito injusto. Os homens não são cobrados dessa maneira. Se entra um homem novo no conselho, as pessoas não olham para ele com a mesma dúvida ou mesmo rigor de avaliação que olham para uma mulher, ainda mais em setores tradicionalmente masculinos e posições masculinas”, diz a executiva.

Minoria como investidoras
As mulheres no mercado de capitais ainda são uma minoria. Segundo a análise da evolução dos investidores pessoas físicas, publicada pela B3, em abril deste ano, do total de 1,9 milhão de investidores na bolsa, somente 25% são do sexo feminino.

O percentual está bem longe da proporção entre homens e mulheres na população brasileira. Dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres.

Investindo na Bolsa
Heloisa Cruz, engenheira química de formação, faz parte dos 25% das investidoras na Bolsa e estimula o crescimento deste percentual. “Comecei a investir, quando ganhei o meu primeiro bônus, depois de casada. Me formei e casei cedo. Aí comecei a guardar dinheiro e quando comecei a investir, me apaixonei”, diz. A experiência e a paixão levaram Heloisa a estudar a área e até a mudar sua carreira, em 2007, quando se tornou analista do Banco Fator ficando até 2008. Após a primeira experiência, passou pelo JP Morgan, BRL Capital, Itaú, Gueparto Investimentos, Nest Investimentos e desde 2014 está na Stoxos, sua própria empresa.

“Aos 31 anos, com o nascimento do meu primeiro filho, quis dedicar um tempo a maternidade”, afirma. A expectativa era retornar ao mercado de trabalho quando o mais novo de seus três filhos tivesse entre 3 e 4 anos, o que está ocorrendo agora. Entretanto, os planos de Heloisa mudaram por conta de contatos feitos nas redes sociais. “As pessoas começaram a me pedir para dar cursos. Eu planejava voltar e gerir um fundo, mas nesse tempo em que estive em casa montei um Clube de Investimentos e comecei a dar cursos que era uma atividade que eu conseguia conciliar com a maternidade”, diz.

Para Heloisa, este é o grande desafio das mulheres executivas. “Para uma mulher que trabalha, deixar uma criança em casa o dia inteiro é muito difícil. Quando você é uma mulher casada, em idade fértil, o mercado penaliza, pagando menos bônus. Até a sua empregabilidade cai nessa fase. Quase todas as mulheres que conheço, sentiram isso ou optaram por atrasar a maternidade ou não ter filhos em função da carreira”, ressalta.

A questão debatida por Heloisa fica clara nos números do IBGE. No mercado de trabalho, a média salarial das mulheres ainda está bem abaixo da dos homens. Em 2018, trabalhadoras da faixa etária mais jovem, de 25 a 29 anos, recebiam 87% do rendimento médio dos homens. Na faixa de 30 a 39 anos, recebiam 81,6% e, entre as de 40 a 49 anos, o percentual ficava em 75%. Os dados demonstram a dificuldade das mulheres galgarem posições mais altas no mercado de trabalho à medida que chegam à maturidade.

Há ainda o fator preconceito. “Quando as mulheres que optaram por se manter no mercado e por continuar investindo na sua carreira, várias contam que sofreram bastante por serem mulheres. Percebem que têm menos promoção, que tudo se torna mais difícil”, defende Heloisa.

Laptop e baby bag
A economista Eliane Lustosa é um exemplo de como a presença feminina pode ser transformadora tanto no setor público quanto no privado, mas os desafios por ser mãe e mulher são inúmeros durante a carreira. Formada em economia pela PUC-Rio e doutora em finanças pela mesma universidade, ela intercalou sua carreira entre a Academia, o setor público e o privado. “Sempre trabalhei muito e estudei muito. Sempre fui muito dedicada. Concluir a carreira acadêmica não foi algo simples, nem tranquilo. Foi com muita dedicação e vontade de ir mais a fundo nas coisas que eu faço. Sou bastante obsessiva até em relação a querer me aprofundar para me sentir confortável naquilo que estou fazendo. Assim nesse meio do caminho as oportunidades de trabalho foram acontecendo de uma forma não planejada”, conta.

Sua carreira no setor público começou no governo Collor, onde permaneceu por dois anos trabalhando na parte de políticas públicas na Secretaria de Política Econômica. Ao sair do governo retornou à universidade para terminar a tese de mestrado quando foi convidada a participar de um projeto no BNDES que se tornou tema da sua dissertação. Ao final do projeto, passou a integrar o governo FHC.

“Quando eu estava fazendo a minha tese de mestrado foi o momento que eu tive a minha primeira filha. Minha segunda gravidez foi no meu doutorado. Então, cada filho tem uma tese. Eu tinha muito medo de que a gravidez me tirasse no mercado de trabalho e não podia ficar muito tempo fora. Depois que minha filha nasceu, eu só tive três meses fora do trabalho. Logo já estava lá trabalhando e ela ia comigo para Brasília pequenininha. Era o computador de um lado e a baby bag do outro. Não é fácil para nenhuma mulher conseguir conciliar”, avalia.

Ao deixar o governo, Eliane assumiu a diretoria financeira e de investimentos na Petros - fundo de pensão da Petrobras, onde permaneceu de 1999 até 2003 e atuou na melhoria da governança corporativa. Ao sair, se mudou para São Paulo para se tornar vice-presidente de Finanças do grupo Abril. “Fui separada e com filhos pequenos no desafio de abrir o capital do grupo Abril. Foi um ano pesadíssimo. Sozinha em São Paulo, sem poder contar com o apoio da família. A mudança foi bastante complexa do ponto de vista pessoal. Era preciso dar conta das várias dimensões”, diz.

Depois de um ano, Eliane retornou ao Rio de Janeiro para assumir a diretoria financeira da LLX Logística, onde ficou de 2007 a 2009. Depois passou por uma gestora de recursos e foi convidada a retornar ao BNDES para assumir um cargo na diretoria, onde ficou até agosto de 2019. “No BNDES, cuidei da parte das privatizações. Foi uma experiência incrível. Eu não estava naquele momento imaginando o setor público, mas vi como uma oportunidade trabalhar principalmente na governança das empresas investidas, tema que eu acabei me especializando”, afirma. O seu período de quarentena pós-BNDES durou até fevereiro de 2020 e aí veio a quarentena do Coronavírus. “Entrei numa segunda quarentena. Estou no conselho de algumas empresas, trabalhando virtualmente”, diz.

Família faz a diferença
“Tenho duas enteadas que eu crio, uma de 22 e outra de 18, e minha filha de 12 anos. Quando eu fui convidada para assumir a presidência do banco, meu marido falou: você disse que diminuiria o seu ritmo... A gente estava conversando e a minha filha de 12 anos virou para mim e falou: mãe, eu acho que você tem que assumir. Você acabou virando sócia da McKinsey e tinha que viajar e tudo. Eu vou ter mais orgulho de você sabendo que é a mulher presidente do banco, do que preocupada de você não ter tempo. As mulheres acabam tendo muita culpa e preocupação e, quando você tem essa afirmação de uma adolescente de 12 anos, isso te dá muito mais força”, diz a CEO do Banco BMG, Ana Karina Bortoni Dias.

Foi após estas palavras, que Ana Karina se tornou uma das raras mulheres à frente de uma instituição financeira. “Eu tenho muito apoio das minhas três meninas e do meu marido. Isso ajuda muito. Minha mãe criou a gente sozinha e foi profissional de muito sucesso na função dela. Isso me estimulou desde criança. O apoio com certeza foi fundamental para chegar aonde eu cheguei”, afirma.

A executiva é uma entusiasta da importância da diversidade nas empresas e instituições. Formada e mestre em Química pela Universidade de Brasília (UNB), ela iniciou sua carreira em 2000 na consultoria McKinsey, onde permaneceu até o ano passado. Foi na McKinsey que migrou para a área financeira e acabou atendendo a vários grandes bancos no Brasil e na América Latina. Ana Karina se tornou sócia da consultoria em 2010 e, em 2018, passou a atender o BMG num projeto de gestão de performance e de governança do banco.

Em março de 2019, foi convidada a assumir a presidência do conselho do BMG, onde continuou a implementar o projeto que vinha liderando como sócia da McKinsey. “Acabei sendo uma presença no Conselho muito presente por implementar o projeto que eu tinha desenhado. A grande afinidade que já existia ficou mais forte ainda e, no final do ano, fui convidada pelo Conselho a assumir a presidência. Mudei de carreira para diminuir um pouco o ritmo, mas acabei dobrando”, observa Ana.

Para ela, o desafio tem sido muito empolgante. “O fato de ser mulher é um dos motivos que me estimulou a assumir essa mudança. Sou presidente do banco recomendada pelo Conselho por intermédio de acionistas há pouco tempo homologada pelo Banco Central. Por ter liderado tantos projetos estruturantes como consultora, assumi isso como um projeto de dedicação exclusiva”, diz.

O desafio se tornou ainda maior com a pandemia do Coronavírus. “No momento de pandemia, é preciso tomar muitas decisões, ter um caminho importante a seguir e, como a gente já tinha acabado de implementar todo modelo de governança, o banco estava preparado para isso”, diz. A pandemia, provocou uma aceleração da transformação do banco, com o aumento da digitalização e o home office.

Ser mulher em um cargo de liderança em banco não é nada fácil, mas Ana Karina se acostumou desde cedo. Na turma de química eram 14 mulheres e 40 homens. Na McKinsey, o percentual de mulheres consultoras no início dos anos 2000 era muito baixo. “Foram inúmeras reuniões em que eu era a única mulher. Você acaba sendo acostumada de um jeito ruim. A gente tem que estar o tempo todo incomodada enquanto não for algo mais equilibrado”, diz.

Para Ana Karina, é preciso mudar não só a diversidade de gênero, mas as demais diversidades, o que ela coloca como uma das suas bandeiras como CEO. “Ter um ambiente como era na McKinsey ajuda. Quantas vezes eu remarquei reunião com clientes porque eu tinha que ir à apresentação de balé ou uma das filhas ficou doente? Se você faz isso de uma forma muito séria, muito profissional, ninguém acha ruim. Só tem que fazer e saber as suas prioridades na vida”, afirma.

Na avaliação da executiva, a mudança de postura não deve ser apenas das empresas, mas da sociedade como um todo. “Enquanto o homem também não evoluir o seu papel dentro de casa, o desafio é muito maior para as mulheres. É uma questão social, a carreira profissional é do casal não deveria ser só de um”, conclui.

No mercado
Em funções do mercado, as mulheres têm ainda mais dificuldade em crescer nas carreiras. Por isso precisam ser ousadas e enfrentar os preconceitos. Levantamento da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) demonstram exatamente este quadro. Segundo a entidade, as mulheres são maioria somente na CPA-10 (Certificação Profissional Anbima Série 10), considerada básica na inserção da atividade financeira, com 58%.

À medida que os degraus sobem, a participação das mulheres cai. A CPA-20, certificação destinada a profissionais que atuam nos segmentos de alta renda das instituições financeiras, tem 45% de mulheres. No caso da CEA (Certificação de Especialista em Investimentos Anbima) destinada aos profissionais mais capacitados voltados ao assessoramento de investimentos aos clientes, o percentual cai para 35%. A CFP (Certified Financial Planner) conta com apenas 23% de planejadoras. A diferença maior está na CGA (Certificação de Gestores de Carteiras Anbima), que é voltada a quem atua na gestão de recursos de terceiros: apenas 6% do total de certificadas são mulheres.

A inspiração do pai
A carreira de Louise Barsi, filha do investidor Luiz Barsi, tido por muitos como o Warren Buffett brasileiro, no mercado financeiro começou muito cedo por influência da sua família. “Meus pais sempre trabalharam no mercado de capitais, então desde muito cedo eu me interessei por participar de assembleias, reuniões, visitar empresas. Invisto desde os meus quatorze anos e sempre fui apaixonada por esse ambiente. Essa paixão acabou se tornando a minha profissão e hoje represento a minha família em boards e conselhos fiscais”, diz.

No mercado, sua entrada foi na Elite Investimentos, onde entrou como estagiária em fevereiro de 2015 e saiu como analista certificada (CNPI) em setembro do ano passado. Formada em economia pela Mackenzie em 2015 e em Contabilidade pela Fecap em 2017, Louise acaba de concluir sua pós-graduação em mercado de capitais também na Fecap e não pretende parar por aí. O próximo passo será um mestrado na área.

Seu primeiro assento em um conselho foi aos 21 anos, quando tinha acabado de se formar. Hoje, ela faz parte do board da Eternit e dos conselhos fiscais do Santander, Klabin e da AES Tietê. “Já senti na própria pele que executivas mulheres precisam se provar constantemente muito mais do que os homens”, ressalta.

Para Louise, o Conselho de Administração deve ser o olho que questiona e daí vem a importância da diversificação. “Qual é o sentido de você ter mais de uma pessoa que pensa igual na mesma sala? O conselho precisa ser plural, um catalisador de mudanças. No momento em que as pessoas se importam com essas questões, a gente vai conseguir mudar aos poucos”, complementa.

Louise acredita que trazer mais mulheres para o mercado de capitais fará toda a diferença no futuro. “As investidoras são menos de 25% do total. Isso não reflete na realidade da nossa da nossa demografia, pois mais da metade da população brasileira é mulher. Olha a injeção de capital que a gente poderia colocar no mercado”, destaca a analista CNPI.

Segundo ela, o problema é que as mulheres não são incentivadas a investir no mercado de capitais e muitas têm a tendência de acabarem delegando suas finanças pessoais ao companheiro ou a terceiros. “Sem dúvida comentar e incentivar que as mulheres venham para o mercado de capitais é um assunto de muita relevância para o nosso país e nosso ecossistema financeiro”, diz.

Independência desde cedo
Com 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, a idealizadora e sócia fundadora da Wright Capital Wealth Management, Fernanda Camargo, também foi inspirada pelo pai - o corretor Armando Arruda de Camargo Filho, da Camargo DTVM - a ingressar ainda jovem na área. “Eu cresci dentro desse mundo. Meu pai era muito ousado e trouxe muita emoção para nossa infância. Tinha muito um dia e não tinha nada no outro. Quando eu estava com 16 anos, enfiei na cabeça que eu precisava ganhar meu próprio dinheiro ser independente e sair de casa”, diz.

A carreira de Fernanda demonstra o quanto a ousadia e a coragem fazem a diferença nas carreiras das mulheres que querem crescer no mercado financeiro. Ainda no colégio, ela começou a ir ao centro de São Paulo bater em porta de corretora pedindo oportunidades. “Até que um dia a corretora de um amigo do meu pai me chamou e falou: você quer fazer estágio, fique aqui”, lembra.

Isso foi no começo da década de 90/92 e o cenário era muito diferente. Para chegar à corretora, na Rua Líbero Badaró, ela parava o carro no Jockey Club e tinha que passar em frente ao pregão. “Parecia uma jaula, só tinha homem, dava até medo. Eu dava uma volta no quarteirão maior. Na corretora devia ter 60 homens, eu e mais uma mulher. Um ambiente muito mais agressivo, mas foi um grande aprendizado”, lembra.

Todo dia, após a escola, Fernanda ia boletar na corretora e, já na faculdade, decidiu alçar vôos mais altos. Seu sonho era trabalhar na Merrill Lynch, na época a maior corretora do mundo. “Um amigo meu me deu o telefone de um diretor lá em San Diego, na Califórnia. Mandei uns 50 faxes pedindo oportunidade. Até que um dia, secretária me ligou e falou: não tá bom? Nunca viu tanta persistência! Aí me enviaram uma carta convite para fazer um ano de estágio, e eu fui”, diz.

E foi assim, com a cara e a coragem que Fernanda se mudou para San Diego. Aprendeu muito sobre o mercado, morou sozinha tendo que se virar com os recursos que tinha e eram poucos. Ficou mais tempo do que o previsto na empresa e se mudou para San Francisco, onde trabalhava de manhã na corretora, de babá à tarde e fazia a faculdade Berkeley à noite.

Em 1995, Fernanda retornou ao Brasil. “Eu não queria voltar para a casa dos meus pais. Então, mandei currículo para todos os bancos e corretoras, e até para lojas. Enfim, o que fosse”, diz. O esforço deu certo e ela foi chamada para trabalhar na mesa de dívida externa do Morgan Grenfel, um banco inglês adquirido posteriormente pelo Deutsche Bank.

Na instituição, Fernanda atuou em várias áreas, inclusive na Tesouraria, um ambiente muito agressivo. “As mulheres que sobreviveram a essa época ficaram muito duras. A pessoa ficava nervosa e te xingava na mesa. Era bem estressante”, afirma. Mesmo assim, Fernanda ficou na tesouraria do Deutsche durante seis anos. “Do ponto de vista de mercado foi uma aula e do ponto de vista feminino foi uma destruição. As mulheres hoje têm que crescer, mas sem deixar de ser mulher. Naquela época a gente não tinha escolha. O mundo está precisando do nosso lado feminino, não da nossa dureza”, ressalta.

Ao sair do banco, em 2001, Fernanda queria fazer algo diferente e junto com outras pessoas do Deutsche Bank montou uma empresa de tecnologia, sua primeira experiência empreendedora. Mas, logo em seguida, veio a bolha da Internet e toda a expectativa de ganhos se implodiu. “Eu pensei: isso aqui é muito mais intenso, todo dinheiro que eu ganhei no banco, gastei montando a empresa”, lembra.

Nesta época, ela voltou a trabalhar em Tesouraria, agora no Standard Bank. Após dois anos, novamente ela se questionou se não era capaz de fazer outra coisa. “Decidi não mais trabalhar no mercado porque era um ambiente muito masculino e resolvi fazer algo mais delicado. Montei uma empresa de eventos que era para ser sofisticada e feminina. Esta coisa do sofisticado não durou uma semana porque me juntei com outros sócios e começamos a fazer eventos corporativos gigantes. No final não tinha nada a ver comigo esse negócio”, conta.

Ao sair da empresa de eventos, Fernanda começa mais um capítulo em sua carreira. Foi trabalhar na gestora de fundos BPW, depois denominada Arsenal, com Roger Ian Wright, um dos primeiros sócios do Banco Garantia, onde ficou de 2002 a 2009. Após o falecimento de Roger, em 2009, ano ainda marcado pela crise iniciada em 2008, era preciso tomar uma decisão, que resultou em uma fusão que gerou a Gavea Arsenal Gestão de Patrimônio.

A fusão não durou muito tempo e a Gavea foi vendida ao JP Morgan. “Nessa venda eu não quis ir porque preferia continuar independente e fui trabalhar na Vinci Partners em 2010”, conta. Foi lá que conheceu seu marido, Alexandre Gottlieb Lindenbojm e os dois resolveram montar a Wright Capital Wealth Management, uma gestora independente de patrimônio.

RI busca a quebra de paradigma
Na área de RI, as mulheres predominam nas posições de estágio a especialistas, porém a proporção torna-se bastante desequilibrada nas gerências e diretorias, com as mulheres ocupando apenas 23% e 10% das posições, respectivamente, segundo dados do Censo de RI realizado em 2018 em uma parceria IBRI/CVM, que mapeou 1.188 profissionais em 287 companhias abertas no Brasil.

Na avaliação de Sandra Calcado, coordenadora do IBRI Mulheres e gerente de RI da LOG-In Logística Intermodal, as dificuldades estão ligadas a uma combinação de fatores. A questão básica envolve a jornada tripla – profissional, mãe e dona de casa. “Na vida da mulher executiva, muitas vezes em vôo solo, isso desestimula a mulher a prosseguir em seu crescimento profissional”, diz. O segundo é o fato de muitas empresas sequer considerarem potenciais candidatas a essas posições, ou seja, as oportunidades de crescimento são desiguais.

Há ainda a escassez de referências femininas, em que as mulheres possam se espelhar e almejar de forma realista atingir cargos semelhantes. A executiva lembra que o processo de networking é menos fomentado entre as mulheres. “Naturalmente, se os cargos de decisão vêm sendo representados por mais homens que mulheres, e essas pessoas indicam aqueles com quem interagem em maior profundidade, fica difícil a oferta de mulheres aumentar”, diz. Por último, existe o paradigma de que as mulheres não podem ser bem sucedidas se não assumirem posturas notadamente masculinas. Muitas vezes, até os rótulos e preconceitos são impostos pelas próprias mulheres.

Para reduzir essa desigualdade, o IBRI - Instituto Brasileiro de Relações com Investidores criou o grupo “IBRI Mulheres”, idealizado pelas lideranças femininas do Instituto. “O que precisa ser feito é sairmos de um papel de reatividade para um papel de ação, de transformação”, alerta Sandra. O programa tem como objetivos: discutir e contribuir para disseminação da visão e da perspectiva da mulher profissional de RI; representar o pensamento da mulher executiva; abordar temas relacionados ao papel da mulher no universo corporativo; ampliar o engajamento das mulheres no IBRI; e facilitar a integração entre os profissionais de RI.

“A maior participação das mulheres pode fomentar o mercado de capitais brasileiro através da diversidade que elas naturalmente geram com suas diferentes perspectivas, ponderações, experiências, formas de participação, como acionista, relações com investidores, executiva de finanças, de bancos, representante dos órgãos reguladores ou de entidades independentes”, diz Sandra.

O IBRI tem debatido formas de trabalhar a equidade de gênero e aumentar a relevância das profissionais, em especial nos cargos de liderança. A visão é que as características femininas contribuem para a construção de um programa de RI sólido e para uma comunicação mais efetiva com o mercado. Na vanguarda de boas práticas, o IBRI foi a primeira entidade de mercado a ser signatária do acordo de cooperação com a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das mulheres. O objetivo do acordo é fomentar o engajamento das empresas na plataforma dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs - Women's Empowerment Principles, na sigla em inglês), uma iniciativa da ONU Mulheres e do Pacto Global das Nações Unidas.

Para Sandra, os desafios das mulheres no mercado financeiro podem ser divididos em dois: estruturais e do cotidiano. “Os desafios estruturais estão baseados nos preconceitos inerentes à nossa vida, naquelas máximas que a mulher não sabe dirigir, que a mulher é boa cozinheira, que a mulher não sabe trocar lâmpada ou administrar o dinheiro. Aplicando à mulher executiva, seria o desafio de que a mulher fala demais e não foca na objetividade da solução do problema, na gestão de resultados, o que é uma grande falácia! E isso acaba gerando outros preconceitos estruturais”, avalia.

Já os desafios do cotidiano estão baseados na vivência das mulheres, na dificuldade de fazerem parte do grupo, de terem a oportunidade de ascender a cargos de maior responsabilidade porque sequer são consideradas ou mesmo por desistirem de serem ouvidas. “Apesar disso, vejo as organizações muito mais conscientes desses desafios e trabalhando para gerar oportunidades com diversidade, entendendo todos os benefícios que isso pode gerar para elas”, afirma Sandra.

Formada em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sandra sempre atuou em ambientes tipicamente masculinos. “Cheguei a ter equipe 100% composta por homens, totalmente por acaso, pois a oferta de profissionais em minha área era bem maior no gênero masculino. Ou seja, como estava acostumada a lidar com as diferenças naturalmente, apesar de ter sido minoria, essa questão não me impediu de encarar os desafios como uma profissional séria e responsável, independente do gênero. Além disso, explorei essa questão de ser minoria ao meu favor, trazendo inferências, provocações e sensibilidades dificilmente aplicadas no contexto vivido pelo outro gênero. E acho que funcionou muito bem”, constata.

RI empreendedora
Com 20 anos de experiência, a publicitária Fabiane Goldstein, CEO da InspIR Brasil, com MBA em negócios e administração pela Fundação Dom Cabral, começou no Unibanco em 1993, onde trabalhou por dez anos na área de marketing e passou também a atender a área de RI. “A gente preparava uma série de materiais para o setor e acabou surgindo uma vaga na área RI, onde trabalhei por três anos. Naquela época a liquidez das ações estava no exterior. Então, eu praticamente ficava o tempo todo em contato com investidores e analistas estrangeiros. Foi quando eu me apaixonei por RI e decidi que era essa carreira que eu queria seguir”, conta.

Em 2002, o mercado estava começando a se preparar para mais IPOs e a MZ Consultoria convidou Fabiane a se juntar à equipe, onde permaneceu até 2009. “Foi um grande aprendizado participar do mercado naquele momento com tantas empresas abrindo capital. Era tanto trabalho que eu nunca parei para pensar que eu era uma mulher no meio de um mercado tão masculino. Talvez, por ser mais jovem, não ficava tão nítido para mim essa dissonância”, diz.

Ao sair da MZ, Fabiane resolveu abrir sua primeira empresa. Surgia aí a Ricca, consultoria focada em comunicação com investidores e relatórios de sustentabilidade. “Quando me tornei empreendedora, comecei a perceber que realmente tinham alguns segmentos em que o fato de eu ser mulher gerava uma certa desconfiança ou um pé atrás. Era realmente a minha cara que aparecia e em alguns momentos tive a sensação de que eu era um peixe fora d'água”, ressalta.

Em 2012, Fabiane estabelecia a primeira parceria com uma empresa estrangeira, a MBS Value Partners, que tinha três sócias mulheres. A parceria evoluiu e, após alguns anos, em 2015, a MBS acabou comprando uma outra empresa de RI que tinha uma presença forte na América Latina. “Me fizeram um convite para tocar a empresa no Brasil e vieram várias outras mulheres para equipe. Saí da Ricca e passei a ficar 100% na MBS”, explica.

Em 2017, houve o spin-off da empresa com a criação da InspIR Group. “Quando a gente estava montando a equipe e fazendo a seleção de pessoas, em alguns momentos, falava: puxa a gente tem que trazer um homem para deixar mais equilibrado aqui e facilitar a entrada em alguns clientes onde sentimos que ter homens na equipe fazia diferença”, lembra.

Sustentabilidade e informação
O propósito da sustentabilidade guiou a carreira da jornalista Sonia Favaretto, atual presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil. Ela começou sua carreira como locutora e, após a passagem em várias rádios e agências de comunicação, ingressou na vida corporativa. Foram 22 anos de vida executiva ininterruptas. “Comecei no Bank Boston, onde entrei como gerente e sai como diretora, depois de 8 anos. Foi no banco que eu pus, de fato, o pé no terceiro setor. Na época, anos 2000, essas questões de sustentabilidade começavam a ser faladas”, conta.

Ainda no Boston, Sonia assumiu a liderança da Comissão de Responsabilidade Social e Sustentabilidade da Febraban. Após a aquisição do Boston pelo Itaú, em 2006, ela montou a área de sustentabilidade do banco, onde permaneceu por três anos. Após esse período, veio o convite para montar a área de sustentabilidade da Bolsa de Valores de São Paulo.

Foi neste período que a bolsa brasileira se tornou uma referência internacional em termos de sustentabilidade ao lado da bolsa de Joanesburgo. “Nesse caminho, em 2016, eu tive a grande honra ser reconhecida pelo Pacto Global da ONU de Nova York como uma das dez pessoas do mundo que trabalham pelo o avanço dos objetivos do desenvolvimento sustentável”, diz.

Após 10 anos de Bolsa, findos em dezembro de 2019, Sonia passou a se dedicar ainda mais à sustentabilidade. “Encerrei esse ciclo de 22 anos de carreira executiva em janeiro e construo agora esse novo caminho, que é focar em comitês e em conselhos. Quero cada vez mais ampliar minha participação no mais alto nível da governança e ao mesmo tempo sigo como pró-bono em várias instituições de sustentabilidade. Acho que é a minha entrega para o setor”, afirma.

Sônia preside o Conselho Consultivo da GRI no Brasil, é vice-presidente do Conselho Técnico do CDP e membro do Ekos Brasil. Além disso, foi presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global, até o final de 2019. “Costumo dizer que eu só estou em sustentabilidade porque eu sou uma pessoa de comunicação. Este meio ainda precisa de muita comunicação”, diz.

A união faz a força
Com uma trajetória de mais de 30 anos de formação, Marisa Cesar, é membro de diversos Conselhos de Administração e dedica hoje grande parte do seu tempo presidindo o Grupo Mulheres do Brasil. Sua formação é em relações públicas, com pós em marketing e administração. Ao longo de sua carreira, Marisa atuou em multinacionais brasileiras e estrangeiras e permaneceu ao longo de 18 anos na ABB (Jan/1998 – Fev/2016) - empresa líder global em engenharia, onde, em 2010, assumiu a diretoria da América do Sul de comunicação marketing e relações internacionais, junto com a diretoria do Instituto ABB.

“Eu fui a primeira mulher realmente a sentar na diretoria e permanecer, havia tido a passagem de outras duas, uma na área jurídica que ficou um ano e a outra na área se suprimentos que durou uns 9 meses”, lembra.

Dentro da organização, faziam parte do corpo da empresa um número muito reduzido de mulheres. Assim, assumir uma cadeira dentro de uma diretoria com 14 homens e permanecer praticamente 7 anos foi um desafio grande. “Alguns homens entendiam a minha capacidade e competência, mas eu não tinha benefícios igualitários. Tive que lutar muito. Então, quando olho hoje a questão da mulher ter mais ocupação em cargos de comando, enxergo que elas estão tendo muito mais acolhimento e assessoramento de outras mulheres porque muitas já passaram por isso”, ressalta, Marisa.

Ao sair da ABB, em 2016, Marisa fez o curso de Conselheira de Administração e hoje faz parte da comissão de comunicação e Mercado de Capitais do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Mas, foi ainda em 2015 que Marisa se interessou pelo Grupo Mulheres do Brasil onde ingressou como voluntária. “É um grupo suprapartidário. Acreditamos que o protagonismo feminino pode fazer uma grande diferença na construção e na transformação do Brasil”, explica.

O grupo nasceu em 2013, a partir da união de 40 mulheres, lideradas por Luiza Helena Trajano, que sonhavam em engajar a sociedade na conquista de melhorias para o país. Hoje o grupo conta com mais de 47.400 mulheres e é formado por 18 comitês de causas que permeiam as temáticas: saúde, educação, fim da violência contra mulher, igualdade racial, inclusão de pessoas com deficiência, entre outras. “A gente tem trabalhado fortemente na ajuda para implementar determinadas políticas públicas que entendemos que vão ser a favor do Brasil. Por exemplo, tivemos influência na questão do saneamento básico, recentemente votada junto ao Senado”, diz.

No grupo, é de grande expressividade a questão do combate à violência contra mulher que atinge todas as classes sociais. No tema igualdade racial, há projetos específicos direcionados para aumentar o número de mulheres negras em cargos de liderança, principalmente empresas corporativas. Há ainda o projeto que auxilia meninas de 16 a 24 anos que estejam se preparando para ingressar no mercado de trabalho, criando diferenciais para elas conquistarem o seu primeiro emprego. Outra temática é a questão da saúde.

Na área do empreendedorismo, o grupo acaba de lançar o “Dona de Mim”, um fundo de crédito com o objetivo de impulsionar microempreendedoras individuais (MEI) especialmente impactadas pela crise econômica e social provocada pela pandemia da Covid-19. “O objetivo é prover uma pequena verba para essas mulheres que precisam de recursos para iniciar seu próprio negócio e mentoria de como ela vai usar o dinheiro”, explica. O empréstimo é dado com nove meses de carência para começar a pagar em 15 parcelas, sem juros e sem nenhuma tarifa. O valor devolvido é usado para um novo empréstimo, para outra mulher microempreendedora.

“A gente brinca que têm os projetos de varejo e os de atacado. Nos de varejo, adotamos uma escola, cuidamos da saúde das crianças, da comunidade, da família e mesmo dos profissionais que estão nela. No atacado, estamos tentando fazer ações propositivas, tentando ajudar no sistema de governança, de gestão, por exemplo, é um projeto macro”, diz Marisa Cesar.


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