Gestão de Risco

PODERÍAMOS TER NOS PREPARADO PARA A PANDEMIA? DE 2006 PARA CÁ, O QUE MUDOU?

Há catorze anos, em janeiro de 2006, na edição no. 95 desta Revista RI, escrevi um artigo com o ambicioso - e, para muitos, até provocador - título: “As Empresas estão preparadas para uma possível pandemia? Como pode ficar a gestão destas Empresas?”. Naquele momento a Turquia e outros países da Europa viviam uma epidemia de Gripe Aviária e a preocupação dela se alastrar pelo Mundo.

Pois é, desde aquela época diversas perguntas passaram a me incomodar, como: “O Mundo e as Empresas se prepararam para uma pandemia”? “A gestão de riscos levou isso em consideração após os acontecimentos de 2006”? “Alguma Empresa promoveu simulações de um possível evento como uma pandemia? Todo o mundo sabe que o Ser Humano não tem por hábito (ou cultura?) imaginar o pior dos cenários e, quando o faz, é mais por obrigação de ter um panorama altamente negativo para comparação com outros mais favoráveis do que a confiança de que possa ocorrer. A negação (sempre) foi um dos nossos piores inimigos em todos os tempos e situações.

ESTAMOS PREPARADOS...
Em 2006, o artigo gerou um burburinho. Tanto que até alguns me procuraram para vaticinar... “Hoje o mundo está muito mais evoluído se viesse um pandemia, resolveríamos de forma tranquila”, ou... “Em 1918 o Mundo não dava valor à questão sanitária, refletimos muito sobre isso e hoje estamos preparados caso um dia a pandemia venha...” ou, ainda... “Não existe a menor hipótese que uma coisa da magnitude da gripe espanhola (que na verdade começou nos EUA, a Imprensa livre espanhola que retratou o que ocorria) venha a ocorrer um dia no Mundo”, e, também... “Pode vir um pandemia, o mundo não irá parar por causa dela pois evoluímos e saberemos lidar com ela”...

Afirmações semelhantes à imprensa, aos acionistas, aos investidores, aos conselheiros, aos clientes e aos consumidores por CEOs, CFOs e altos executivos de diversas Empresas quando os casos de COVID-19 começaram a pipocar pelos países e mostraram o quanto todos não estão preparados para situações críticas como essa que estamos vivendo. Com certeza, 2020 será lembrado como “o ano que não começou” para muita gente no Olímpo das Corporações...

Nostradamus? Eu?
Este mês compartilhei o artigo de 2006 com algumas pessoas e me chamaram de “Nostradamus”(!). Perguntaram como me sinto por prever esse cenário inimaginável por muitos, há distantes catorze anos... Respondi: “Não houve previsão. Os acontecimentos da Gripe Aviária de 2006 foram mais do que suficientes para – a partir daquele momento – as Empresas se preparassem para um cenário de crise pandêmica. Tinha de ser assunto (no mínimo uma vez por ano) nas reuniões dos Comitês de Risco ou até mesmo nos Conselhos de Administração. O mapa de risco deveria sempre apontar um evento como esse, mesmo que em caráter “pouco provável”; mas estando lá seria observado e lembrado constantemente.

E os Planos de Contingências? Depois de 2006, apresentaram o planejamento para uma gestão de risco com a possibilidade da ocorrência de uma epidemia ou pandemia?

Nas Empresas que possuem Gabinetes de Crise o assunto deveria vir à tona por - no mínimo - duas vezes por ano (naquelas que promovem, no mínimo, encontros semestrais, ordinariamente independente de uma crise apontar no horizonte...), mesmo que superficialmente. O fato de o tema “Epidemia/Pandemia” estar presente na agenda, mesmo que perifericamente, com certeza contribuiria para um melhor preparo das organizações para diminuir os impactos sociais e econômicos da atualidade.

Deu No Financial Times
Em 2005/06, o jornal “Financial Times” já alertava para que a gestão de risco das organizações levasse em consideração uma possível pandemia e refletisse sobre cinco pontos:

  • “Os responsáveis por elaborar planos de contingências precisam olhar para as pandemias como se elas fossem uma maré em elevação por um longo período e não como um evento extraordinário. A infecção poderá persistir por até três meses de cada vez”.
  • “As faltas ao trabalho por causa da doença serão agravadas pelas faltas daqueles que irão cuidar dos doentes, tomar conta das crianças ou daqueles que ficarão em casa para evitar a contaminação no ambiente de trabalho”.
  • “O vírus se disseminará rapidamente pelo mundo, e as consequências do rápido progresso da gripe vão criar desafios para os consumidores e a cadeia de fornecimento”.
  • “Os planos de contingência frequentemente subestimam os riscos da doença para os técnicos e diretores da companhia”.
  • “A higiene fará diferença: lavar as mãos, limpar com maior regularidade o escritório e jogar fora lenço de papel de forma segura são ações que poderão ajudar a reduzir a infecção”.

Com certeza podemos dizer que essas considerações continuam atuais. E, a partir delas pergunto novamente: “O que foi feito em matéria de preparação/prevenção para esse cenário se, em 2006, ele foi iminente?

De Volta para o Futuro...
Aqui estão alguns questionamentos do artigo de 2006 e tenho a certeza de que poucos gestores, executivos, técnicos e conselheiros das Empresas os fizeram em janeiro ou fevereiro de 2020:

- “Como será a produção nesse período?”
- “Os estoques estarão adequados?”
- “Como será a demanda?”
- “As decisões empresariais podem sofrer impactos?”
- “E se toda a diretoria da empresa estiver ausente ao mesmo tempo, sem condições de tomar decisões?”
- “Os fornecedores terão capacidade para continuar atendendo?”
- “Existirão clientes para o meu produto nessa fase?” - talvez nesse ponto os produtores dos produtos considerados “supérfluos” devam pensar com mais profundidade.
- “As companhias estão preparadas para manter o maior número possível do pessoal de escritório trabalhando em casa?”

E também:

- “Como estará o desenvolvimento do PIB mundial? E o do Brasil?”
- “O consumo sofrerá retração?”
- “Como estarão as relações internacionais nesse período?”
- “Haverá escassez ou a abundância de produtos?”
- “O mapa geopolítico sofrerá alterações?”
- “Em quais regiões a possível ocorrência da doença será mais (ou menos) aguda?”
- “Quais serão os riscos e as oportunidades?”

Acredito que as perguntas continuam atuais após catorze anos. E acrescento:

- “Como serão as relações entre os seres humanos pós-pandemia?”
- “Como estarão as relações de consumo?”
- “Quais valores, princípios, crenças e propósitos emergirão do pós-quarentena?”

Impactos e Tristeza
Ao analisar se as Empresas tivessem considerado seriamente o risco de uma pandemia, como estariam? Em 2006 escrevi: “O impacto na economia será enorme, afinal, os cidadãos procurarão evitar aglomerações. O impacto sobre os shopping centers, supermercados, ... será enorme, bem como para a cadeia de fornecedores, prestadores de serviços etc. desses segmentos. Sem contar os próprios ambientes de trabalho, como, por exemplo, os espaços que possuem circulação do mesmo ar”. Essas empresas provavelmente teriam se preparado e até alterado a arquitetura e o layout dos estabelecimentos para poder operar na crise e no pós-crise.

Triste é ver que as empresas, governos e toda e qualquer organização poderiam ter se preparado para diminuir os impactos e os prejuízos deste momento que ainda vivemos. Vamos torcer para que todos nós tenhamos aprendido e quando qualquer sinal for dado não o negligenciemos e muito menos lamentemos por não terem levado em consideração.

Em vez de ser chamado de “Nostradamus” eu preferia que o mundo tivesse se preparado e hoje tivéssemos muito menos mortes no globo. Foram catorze anos de oportunidades para a preparação...

Termino aqui com o mesmo apelo que concluí o artigo em 2006 - e espero que no futuro, ele seja desnecessário e desinteressante: “Se cada um fizer a sua parte, estaremos mais perto do ’céu de Brigadeiro‘ do que do ’inferno de Dante’”. Mas, antes, quero agradecer ao Ronnie Nogueira, editor da Revista RI, que teve a coragem, em 2006, de publicar o artigo e dando “chamada de capa”, pois o País vivia um momento muito bom; em fase de recordes de IPOs.

Roberto Sousa Gonzalez
é socio-diretor da iBluezone Governança Corporativa & Soluções Associadas, membro dos Conselhos da MCM Corporate, Reviq Parts, CDP Latin American e do Comitê de Ética da Empório Saúde.
roberto@ibluezone.com


Continua...