Gestão de Risco

RISCO CIBERNÉTICO: BATE À PORTA - E AO BOLSO!

O cenário de negócios digitalmente interconectado trouxe eficiências sem precedentes, mas também amplificou exponencialmente uma classe de risco que não pode mais ser relegada a um departamento técnico: o Risco Cibernético.

Incidentes recentes, como o acesso não autorizado a dados de clientes da XP Investimentos hospedados em um fornecedor externo (divulgado em março de 2025), e mesmo o blackout do final de abril na Espanha e Portugal, cuja primeira suspeita foi, pelo alto impacto, um ataque cibernético, servem como um alerta contundente e próximo da nossa realidade. Os eventos expõem vulnerabilidades inerentes ao ecossistema digital e levantam questões cruciais sobre a preparação das empresas e a comunicação com seus stakeholders, incluindo o mercado de capitais.

A compreensão da maturidade da empresa em relação à segurança e, mais importante ainda, à resiliência cibernética, tornou-se fundamental. Falhas podem resultar não apenas em custos operacionais diretos e multas regulatórias (como as previstas pela LGPD), mas também em danos reputacionais severos, perda de confiança do cliente e, consequentemente, impacto negativo no valor das ações e na percepção de risco da companhia. A segurança cibernética deixou de ser um custo de TI para se tornar um componente essencial da governança corporativa e da gestão estratégica de riscos.

O Elo Perdido: A Falha na Comunicação entre CISO e Conselho
Paradoxalmente, enquanto a importância estratégica da cibersegurança cresce, a comunicação eficaz entre os especialistas técnicos (liderados pelo CISO - Chief Information Security Officer) e o Conselho de Administração continua sendo um desafio significativo. Pesquisas recentes, como o "The CISO Report 2025" divulgado pela Splunk/Cisco, pintam um quadro claro dessa desconexão.

O estudo revela que, embora 82% dos CISOs agora se reportem diretamente ao CEO (um aumento expressivo de 47% em relação a 2023) e 83% participem frequentemente das reuniões do Conselho, um gap de habilidades e entendimento persiste. Significativamente mais membros do Conselho (55%) do que CISOs (40%) acreditam que os líderes de segurança precisam desenvolver mais visão de negócios. Da mesma forma, a comunicação (52% vs 47%) e a inteligência emocional (45% vs 35%) são apontadas como áreas de melhoria pelos conselheiros.

Essa dificuldade em traduzir riscos técnicos complexos para uma linguagem de impacto no negócio tem consequências tangíveis. Uma das mais preocupantes é a divergência sobre o orçamento: apenas 29% dos CISOs sentem que têm recursos adequados, enquanto 41% dos membros do Conselho acreditam que a área já está bem financiada. Essa dissonância não é trivial. O mesmo relatório aponta que 18% dos CISOs tiveram que abandonar iniciativas de negócio por cortes orçamentários no último ano, e alarmantes 64% desses CISOs afirmaram que essa falta de suporte levou diretamente a ciberataques. Para o investidor, isso se traduz em risco material não gerenciado adequadamente devido a falhas de comunicação e alinhamento estratégico no topo da organização.

Além da Muralha: A Imperativa Mudança para a Resiliência Cibernética
Diante da sofisticação crescente das ameaças e da constatação de que a prevenção total é uma utopia, a discussão estratégica precisa evoluir. O Fórum Econômico Mundial (WEF), em colaboração com a Universidade de Oxford, aborda essa necessidade no seu relatório "The Cyber Resilience Compass: Journeys Towards Resilience". O documento define a resiliência cibernética como "a habilidade de uma organização minimizar o impacto de incidentes cibernéticos significativos em seus objetivos primários de negócio e objetivos".

Essa definição muda o foco: não se trata apenas de construir muros mais altos (prevenção), mas de garantir que a organização possa absorver o impacto, continuar operando funções críticas e se recuperar rapidamente quando os muros forem inevitavelmente transpostos. O relatório do WEF, baseado em práticas de líderes globais, sistematiza a resiliência em sete áreas interconectadas, das quais duas são cruciais para a governança e, portanto, para a análise dos investidores:

  1. Liderança: Cabe ao Conselho e à alta administração um papel decisivo e estratégico na gestão do risco cibernético. A liderança deve definir claramente a tolerância ao risco cibernético, integrando-a plenamente ao planejamento estratégico da organização. É fundamental identificar e proteger as "joias da coroa" – processos e ativos críticos ao negócio –, priorizando a alocação de recursos para garantir sua proteção e recuperação. Além disso, compete à alta administração estabelecer e disseminar uma cultura organizacional sólida de segurança e resiliência, garantindo que as decisões relacionadas ao risco cibernético estejam sempre alinhadas aos objetivos estratégicos gerais da companhia.
  1. Governança, Risco e Compliance (GRC): Refere-se ao estabelecimento de estruturas claras de propriedade e responsabilidade pelo risco cibernético em toda a organização – não pode ser apenas "o problema do CISO". Inclui a avaliação contínua dos riscos (internos e do ecossistema de fornecedores), a implementação de medidas de mitigação e a garantia de conformidade com regulamentações (como a LGPD) e padrões setoriais. A governança eficaz garante que os controles estejam implementados e que haja um processo para monitorar sua eficácia.

O Plano de Resposta a Incidentes: Do Papel à Prática Exercitada
Um pilar central da resiliência cibernética é o Plano de Resposta a Incidentes (PRI). Contudo, ter um documento bem escrito arquivado não confere resiliência. A verdadeira medida está na capacidade de executar esse plano sob pressão. É aqui que muitas organizações falham.

Um Plano de Resposta a Incidentes (PRI) eficaz vai além de procedimentos técnicos, sendo um roteiro coordenado que inclui: detecção rápida e análise precisa da extensão do incidente; contenção imediata dos danos; erradicação completa da ameaça; recuperação técnica detalhada, priorizando a retomada dos serviços críticos com backups testados e protegidos; comunicação estratégica clara e antecipada com stakeholders, prevendo porta-vozes e mensagens pré-definidas para diferentes cenários; e, por fim, uma análise pós-incidente para identificar causas e aprimorar continuamente os controles de segurança e o próprio PRI.

A chave para a eficácia do PRI é o teste rigoroso e regular. Simulações de mesa (tabletop exercises) envolvendo a alta administração e o Conselho, exercícios de "war games" e testes técnicos de recuperação são essenciais para identificar falhas, familiarizar as equipes com seus papéis e garantir que o plano funcione na prática.

A Perspectiva do Investidor: Perguntas Chave sobre Resiliência Cibernética
Administradores e investidores precisam ir além das métricas financeiras tradicionais e incorporar a resiliência cibernética em sua avaliação de risco e engajamento com as empresas. Algumas perguntas pertinentes a serem feitas (ou buscadas nos relatórios da empresa) incluem:

  • O risco cibernético é tratado explicitamente na matriz de risco estratégico da empresa e discutido pelo Conselho de Administração?
  • Existe clareza sobre a propriedade e responsabilidade pelos riscos cibernético dentro da organização? O CISO tem acesso direto e comunicação eficaz com o Conselho?
  • Como a empresa avalia e gerencia o risco cibernético em sua cadeia de suprimentos e fornecedores críticos?
  • A empresa possui um Plano de Resposta a Incidentes abrangente e testado?
  • Existem métricas para medir a eficácia dos controles de segurança? Como o Conselho supervisiona essas métricas?
  • A empresa possui seguro cibernético? Qual a sua cobertura e como ele se integra à estratégia geral de gestão de risco?

Conclusão: Protegendo o Valor na Era Digital
A resiliência cibernética não é mais uma opção, mas uma necessidade estratégica e um imperativo de governança. Ignorar sua importância é expor a empresa a riscos financeiros, operacionais e reputacionais significativos, que inevitavelmente preocupam e afastam investidores. Por outra lado, também é um diferencial competitivo, protegendo não só o valor existente, mas também impulsionando futuras oportunidades de negócio.

Uma comunicação transparente e eficaz entre a liderança técnica e o Conselho, juntamente com um foco proativo na capacidade de resposta e recuperação – devidamente planejada e testada –, são fundamentais para construir e manter a confiança do mercado.

Para a área de Relações com Investidores, compreender e comunicar a postura de resiliência cibernética da empresa é, cada vez mais, parte essencial da narrativa de proteção e criação de valor a longo prazo.


Ricardo Castro
Bord Member, Senior Advisor A&M Performance. Conselheiro certificado pelo IBGC. Experiência como conselheiro e administrador em empresas de diversos setores. Formado em engenharia pela UFRJ, mestrado em Tecnologia da Informação pela PUC-Rio e com MBAs executivos na Stanford, Insead, Kellog, Columbia, FDC, StarSe/NovaLisboa. Co-autor do livro High Tech High Touch. Professor MBA FIA.
ricardo.castro@accurotec.com


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