“O regime informacional é a pedra angular da Regulação do Mercado de Capitais.” Vocês provavelmente já ouviram esta frase uma dezena de vezes, mas ela traz em si tantas mensagens que reforçam a importância de sua constante repetição.
No Mercado de Capitais, o papel da informação vai além de um pontual insumo: a informação é, por si, um ativo essencial. É ela que sustenta decisões, precifica riscos, orienta investidores em meio às estratégias de investimento e viabiliza a alocação de recursos. Em um ambiente eficiente, a informação é determinante para a adequada formação de preço dos ativos e um vetor indicativo dos movimentos nos mercados organizados. A qualidade, a tempestividade e a forma de divulgação da informação moldam diretamente o grau de confiança do investidor e a integridade do segmento.
Nesse contexto, o arcabouço normativo que rege a divulgação de informações precisa estar sempre atual, compreendendo e acompanhando a sofisticação do mercado, de seus agentes, a complexidade das operações e a velocidade com que dados circulam. Com isso em mente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apresentou a Consulta Pública SDM nº 01/25, propondo a revogação da Resolução CVM nº 44/2021 e sua substituição por uma norma ainda mais estruturada. Para tal, a Autarquia produziu duas Minutas.
A ‘Minuta A’ preserva a essência do regime regulatório vigente, promovendo ajustes estruturais que aprimoram a redação, consolidam entendimentos observados na prática e reforçam a coerência com normas mais recentes. Portanto, a ‘Minuta A’ reorganiza dispositivos, sistematiza temas, atualiza conceitos e incorpora, com força normativa, diretrizes antes contidas em ofícios circulares orientativos da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM. Busca-se, assim, uma regra que fortalece a governança informacional ao alinhar a regulamentação às melhores e modernas práticas do mercado.
Neste sentido, aspectos relacionados ao âmbito e à finalidade da regra foram, formalmente, ampliados. Os, agora propostos, cincos eixos essenciais relacionados a estes aspectos da norma e dispostos no art. 1º da ‘Minuta A’ estão voltados:
Adicionalmente, um dos méritos centrais da proposta é formalizar a convivência de dois canais distintos de divulgação: o Fato Relevante e o Comunicado ao Mercado.
O art. 5º da Minuta apresenta a conhecida e utilizada definição de Fato Relevante: qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:
Já o art. 6º introduz, pela primeira vez em norma, a definição de Comunicado ao Mercado como: o anúncio divulgado pelo emissor para veicular informação não considerada como fato relevante, mas que ainda assim seja exigida do emissor ou por ele interpretada como útil para os participantes do mercado de capitais. Adicionalmente, traz rol exemplificativo de potenciais situações em que instrumento Comunicado ao Mercado tende a ser utilizado:
Há razões históricas para a existência destas duas categorias, como instrumentos distintos com diferentes graus de materialidade informacional e, consequentemente, capazes de produzir efeitos também distintos em relação à divulgação da informação.
A maturidade do mercado brasileiro, que há décadas lida com o conceito de Fato Relevante — consagrado no art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76 —, permite agora o aprofundamento e a valorização do Comunicado ao Mercado, cuja frequência de uso exige respaldo normativo sólido. Trata-se de um avanço natural, que confere previsibilidade e proteção aos emissores e aos próprios investidores.
Ainda, a coexistência estruturada desses instrumentos atende a uma demanda prática e conceitual. Embora ambos sirvam à transparência, suas implicações, reforço, são distintas: o Fato Relevante impõe deveres mais estritos, pode ensejar suspensão de negociação dos papeis em bolsa e mercado de balcão, além de atrair riscos de responsabilização por uso indevido de informação privilegiada. Já o Comunicado ao Mercado, por ser menos sensível do ponto de vista regulatório, permite a manutenção de um fluxo contínuo de informações, sem acionar os gatilhos próprios da regulação de relevância.
Se, de um lado, a CVM é muito cuidadosa em valorizar as diferenças do “Fato Relevante” e do “Comunicado ao Mercado”, de outro lado, no âmbito da supervisão realizada pela SEP em relação às companhias abertas e os seus desdobramentos na atividade sancionadora não é a escolha de uma ferramenta de divulgação em detrimento da outra que, por si só, deve ensejar a existência de acusações em Processos Administrativos Sancionadores. Na análise dos casos concretos, quando há acusação a experiência ensina que o caso deve ser analisado mais detidamente, pois certamente haverá outros elementos adicionais envolvidos. Portanto, é sempre importante valorizar “a função para além da forma”. A premissa central é a realização da divulgação da informação, que deve chegar aos acionistas e ao mercado em geral. O importante é a divulgação da informação!
Neste sentido, veja-se que a ‘Minuta A’ busca qualificar o dever de informar. O art. 32 estabelece que a escolha entre Fato Relevante e Comunicado ao Mercado cabe ao Diretor de Relações com Investidores (DRI), em conjunto com demais administradores e controladores, conforme o caso. Essa escolha deve ser pautada por critérios objetivos e será presumida como legítima e de boa-fé — salvo demonstração clara em sentido contrário.
Essa diretriz se articula com o fortalecimento do dever de sigilo, reafirmado no art. 18 da Minuta. A norma impõe que todos os que detenham acesso privilegiado a informações relevantes — inclusive terceiros e ex-administradores — mantenham sua confidencialidade até a divulgação oficial. Essa regra é essencial para prevenir a assimetria informacional e o uso indevido de dados sensíveis, com respaldo inclusive na Lei nº 6.385/76 e nas sanções penais previstas para o uso de informação privilegiada (“insider trading”).
Outro eixo relevante da reforma diz respeito à divulgação de participações acionárias relevantes. Hoje, mesmo investidores que não tenham intenção de influenciar o controle ou a administração da companhia, devem reportar imediatamente o atingimento da participação mínima. A ‘Minuta A’ propõe uma flexibilização: nesses casos, admite-se o prazo de até três dias úteis para a comunicação, desde que o investidor se abstenha de exercer voto ou influenciar decisões durante esse período.
A norma também inova ao apresentar listas exemplificativas de condutas que indicam — ou não — a intenção de influenciar o controle ou a gestão. Além disso, impõe que, uma vez declarada a neutralidade, eventual mudança de posicionamento seja precedida de nova comunicação, observando-se preferencialmente um intervalo mínimo de três meses. Com isso, a CVM equilibra eficiência regulatória com proteção à transparência do mercado.
A ‘Minuta A’ promove, ainda, uma bem-vinda harmonização com a Resolução CVM nº 215/24, ao adotar o mesmo conceito de “pessoa vinculada” no contexto da divulgação de participações e das OPAS - Ofertas Públicas de Aquisição de Ações. Essa convergência promove maior coerência normativa, fortalece a integridade do sistema regulatório e o alinha às dinâmicas contemporâneas.
Do ponto de vista estrutural, a proposta reorganiza o texto em capítulos, seções e subseções, adota terminologia compatível com outras normas vigentes (como “emissor” em vez de “companhia”), e explicita a aplicabilidade da norma a emissores não registrados — o que reforça o caráter abrangente e sistêmico da regulação.
O aperfeiçoamento proposto também empodera o investidor. Ao sistematizar os critérios de divulgação e tornar mais claro a funcionalidade de cada ferramenta, a norma permite que os participantes do mercado avaliem melhor o conteúdo e a importância das informações prestadas. Trata-se de uma medida que amplia a segurança decisória, melhora a precificação de ativos e eleva o grau de confiança no ambiente regulado.
Complementarmente, é importante destacar que a ‘Minuta B’ propõe alterações na Resolução CVM nº 80/22, conferindo maior flexibilidade ao prazo de entrega das atas de reuniões deliberativas sobre emissões públicas, de modo a alinhar a divulgação ao estágio real de maturação da decisão estratégica. A medida contribui para comunicações mais precisas, relevantes e aderentes ao interesse informacional do mercado.
Portanto, estamos diante de mais um passo dentro de uma agenda contínua de modernização normativa conduzida pela CVM. Iniciativas anteriores, como a Resolução CVM nº 166/22, que flexibilizou exigências de publicações legais para companhias abertas de menor porte, demonstram o compromisso da Autarquia com a redução de custos, a proporcionalidade regulatória e o fomento ao acesso ao mercado.
Moderna, a reforma da Resolução CVM 44 organiza e fortalece o regime de governança informacional dos emissores. Ao reconhecer a diversidade do mercado atual e oferecer instrumentos compatíveis com sua sofisticação, a CVM reafirma seu compromisso com a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica, pilares indispensáveis para a confiança dos investidores e o desenvolvimento sustentável do Mercado de Capitais brasileiro.
João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br