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TRANSFER PRICING

A NORMA É COMPLEXA E COMUNICAÇÃO SERÁ DESAFIO PARA O PROFISSIONAL DE RI
O governo publicou no dia 28 de dezembro de 2022 a Medida Provisória 1.152, que altera a legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) introduzindo um novo marco legal para a matéria de preços de transferência no Brasil. A medida foi muito positiva para as empresas brasileiras, principalmente por adotar princípio arm's length, que leva a tratar as operações entre partes relacionadas de maneira equiparada às operações realizadas com terceiros.

O propósito da MP é corrigir lacunas e fragilidades existentes no sistema de preços de transferência brasileiro, instituído em 1996 e que ficou praticamente inalterado por décadas prejudicando o ambiente de negócios, a inserção do País nas cadeias globais de valor, a segurança jurídica e a arrecadação de receitas tributárias. A medida modernizou muitos procedimentos e colocou as regras brasileiras de acordo com as que são praticadas na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Esse alinhamento é positivo e deve capturar valor para a jurisdição brasileira, melhorando as perspectivas para as empresas transnacionais. É importante que o profissional de relações com investidores entenda os efeitos para sua companhia para que possa atender às demandas dos stakeholders.

A exposição de motivos da MP destaca que as medidas propostas reduzem o risco de que o País sofra redução significativa no nível de investimento atual e a perda da competitividade para atração de novos capitais, com impacto nos níveis de emprego, na economia, na transferência de conhecimento e tecnologia e, em última análise, pode também levar a perdas de receita tributária. A medida estabelece a adoção da norma de forma obrigatória a partir de janeiro de 2024.

Sugestões de aprimoramento
Desde que foi publicada, no final de dezembro do ano passado, a MP entrou na pauta de prioridades da Abrasca. Na primeira semana de janeiro a Comissão de Liquidez, Finanças e Tributação (CLIFT) analisou e discutiu profundamente esta medida com as empresas associadas e especialistas. O objetivo foi reunir sugestões para apresentar propostas de aprimoramento do texto e torná-lo mais próximo das práticas das companhias brasileiras que negociam no exterior.

Um dos pontos considerado muito relevante para as empresas é a alteração do artigo 46, para tornar obrigatória a adoção da MP a partir de 2025 e facultativa em 2023 e 2024. A adequação às novas regras exigirá um esforço relevante das companhias para identificar as transações afetadas; adequação da documentação aplicável; contratação de consultores, adaptação às novas obrigações acessórias, entre tantos outros procedimentos. Fica preservada, no entanto, a faculdade dos contribuintes, que assim desejar optar pela antecipação dos efeitos da MP, já a partir deste ano.

Outra mudança considerada relevante é a alteração do artigo 4º, que define o conceito de parte relacionada, para torná-lo mais objetivo e claro. Dentre as hipóteses que caracterizam partes relacionadas nos termos do parágrafo primeiro, o inciso VIII se refere “a entidade e a pessoa natural que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, de conselheiro, diretor ou controlador daquela entidade”. A Abrasca pede a exclusão do termo conselheiro, pois se trata de profissionais comumente contratados, para integrar órgãos colegiados das empresas, principalmente as de capital aberto.

A Abrasca sugeriu ajustes em vários outros pontos entre eles: alteração do artigo 45, que passa a permitir a dedução do pagamento a título de royalties, assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, sem limites, com base apenas na aplicação do princípio arm's length ou com base em metodologia admitida pela OCDE, devidamente justificada;

i) A supressão do inciso IV do artigo 17 da MP, que impõe uma taxa de 12% ao ano para ajuste secundário e espontâneo, de preço de transferência realizado a posteriori. A justificativa para a referida supressão, considera a aplicação do princípio arm's length, é a de que essa taxa deve ser a taxa de mercado no momento em que o ajuste for realizado;

ii) Alteração do artigo 41 da MP, que propõe alteração do artigo 24 da Lei 9.430/1996, e que obriga a aplicação das disposições da MP com partes relacionadas ou não, residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou adote tributação inferior a 50% da alíquota conjunta do IRPJ e CSLL vigente no Brasil; e

iii) Alteração do artigo 42 da MP, que propõe a inclusão de parágrafo segundo ao artigo 86 da Lei 12.973/2014, visando eliminar a dupla tributação, quando da aplicação das regras de preços de transferência a cada exercício social. 

É louvável o esforço realizado pela Receita Federal do Brasil e pela OCDE para atualizar e modernizar o sistema de preços de transferência do nosso país, principalmente por reduzir os riscos de dupla tributação e de erosão de base tributável. No entanto, a nova regulamentação é complexa e inspirada por conceitos e controles que estão sendo aprimorados há anos pela OCDE.

Por mais que as companhias abertas considerem a medida um grande avanço, elas precisam de mais tempo para adaptar seus sistemas e procedimentos à nova regra. Principalmente, a alteração no sistema de preços de transferência tende a alterar sobremaneira o entendimento da geração de lucros intragrupos e será mais um importante desafio para os profissionais de relações com investidores das companhias abertas.


Pablo Cesário

é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br


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