Há uma nova sensibilidade no ar. Investidores, consumidores, reguladores e a sociedade como um todo vêm cobrando das organizações algo que vai além da performance financeira: coerência entre discurso e prática. E essa coerência – ou a falta dela – impacta diretamente a percepção de valor, a reputação e o risco de mercado.
Neste contexto, governança e comunicação emergem como pilares indissociáveis para a construção de confiança e legitimidade. O livro “Comunicação e Governança: Parecer e Ser na Era da Transparência”, que lancei recentemente, parte justamente dessa interdependência. A obra nasceu da escuta de lideranças empresariais e especialistas de diversas áreas, e revela um ponto comum entre todas as falas: as palavras não sustentam mais as empresas — é preciso clareza, coerência e consistência.
Vivemos na era da transparência radical. Tudo é observado, interpretado e amplificado em tempo real. As incoerências, por menores que sejam, podem se tornar evidência de dissonância entre o que se diz e o que se faz — e isso mina a confiança. Como sabemos, confiança é o principal ativo de uma empresa no mercado.
Comunicação como estratégia de governança
Por muito tempo, comunicação foi tratada como uma função tática, voltada à gestão da imagem e do relacionamento com públicos estratégicos. Mas isso está mudando. Cada vez mais, as empresas que se destacam em suas relações com investidores e stakeholders são aquelas que incorporam a comunicação como parte da estrutura de governança.
Isso significa integrar a comunicação desde a formulação da estratégia até sua execução, com consistência narrativa e alinhamento entre lideranças. O investidor de hoje quer ver propósito em ação, não apenas no discurso. Quer ver indicadores alinhados à cultura, não apenas à conformidade. Quer ver transparência sem maquiagem.
A comunicação passa a ser, portanto, uma instância de integridade — e não apenas de reputação. E aqui está um ponto-chave para quem atua no mercado de capitais: a reputação é, cada vez mais, precificada.
Mais do que emitir mensagens, comunicar também é escutar. Escutar com qualidade é essencial para mapear percepções, compreender expectativas e identificar sinais que muitas vezes não aparecem nos relatórios. A escuta ativa dos diferentes stakeholders — clientes, investidores, colaboradores, comunidades, reguladores — oferece insumos valiosos para a tomada de decisão. Quando bem estruturada, essa escuta ajuda a evitar erros, a reduzir riscos e, muitas vezes, a antecipar oportunidades que só emergem a partir do diálogo. Um diferencial valioso para a tomada de decisão.
Empresas com governança opaca, comunicação fragmentada ou desalinhamento entre o discurso corporativo e as práticas operacionais enfrentam riscos reputacionais sérios — que podem, inclusive, impactar o valuation.
Casos recentes mostram como crises de confiança abalam o valor de mercado de companhias, mesmo que seus fundamentos financeiros estejam sólidos. Isso acontece porque, numa era de ESG e capital consciente, os intangíveis deixaram de ser invisíveis. Eles agora precisam fazer parte do que se mede, se monitora e se valoriza.
O contrário também é verdadeiro: empresas que conseguem alinhar propósito, cultura e conduta com autenticidade e consistência passam a atrair investidores de longo prazo, fortalecem sua posição no mercado e ampliam seu capital simbólico.
A cultura como elo invisível
No livro, tratamos com profundidade o papel da cultura organizacional como elo invisível entre comunicação e governança. A cultura é o solo onde essas duas dimensões se encontram. E é ela que define, no fim do dia, se uma empresa “parece” ou “é” o que afirma ser.
O desafio está justamente em tornar visível esse alinhamento — não apenas por meio de campanhas ou relatórios, mas por meio de práticas, escolhas e condutas que traduzem os valores em ação. É aí que a comunicação, como função estratégica, se revela: não como embelezamento, mas como espelho. Não como ferramenta de convencimento, mas como exercício de coerência. Não como protocolos cumpridos, mas como cultura de governança.
Hoje, não é mais possível fazer gestão por decreto. Engajamento não se impõe — se conquista. E engajamento é, em essência, comunicação que deu certo.
Na era da conectividade e da transparência, não basta decidir. É preciso decidir e criar condições para que o que foi decidido possa se realizar. E isso exige coerência entre estratégia, cultura e linguagem.
São os líderes — especialmente os CEOs e conselheiros — que definem os códigos simbólicos da organização. São eles que, com suas posturas, decisões e exemplos, modelam a cultura e comunicam, o tempo todo, o que é aceitável, desejado ou inegociável.
Líderes que compreendem a comunicação como um valor estratégico não delegam a reputação a especialistas. Eles vivem o discurso. Praticam a escuta. E cuidam da coerência como se cuida de ativo essencial — cultivando-a todos os dias, em cada decisão e em cada relação. Eles sabem que confiança não se impõe, se constrói. E que, sem confiança a governança é inócua. E que quando a governança vacila, os investidores recuam.
A governança que inspira confiança será cada vez mais transparente, sensível, conectada com as transformações do mundo e alinhada a valores vividos na prática. Empresas que souberem integrar discurso, cultura e conduta sairão à frente — seja no mercado, na preferência de talentos e consumidores, ou na relação com reguladores e a sociedade.
Afinal, confiança não se decreta. Confiança se cultiva — com coerência entre o parecer e o ser.
Vania Bueno
é jornalista, conselheira independente, professora e palestrante.
vb@vaniabueno.com