Ponto de Vista

UMA REFLEXÃO SOBRE A ESCASSEZ DE IPOs

Todo final de ano nos convida a reflexão. Ponderamentos sobre o que deu certo, o que deu errado, o que poderia ser diferente. Isso também nos ajuda a definirmos metas e objetivos para o ano seguinte. Funciona na vida profissional e pessoal. Nesse sentido, gostaria de fazer uma provocação para refletirmos sobre a escassez nas ofertas públicas iniciais (IPOs) no Brasil.

O mercado de capitais brasileiro tem enfrentado um período de notável estagnação em IPOs. O último IPO foi realizado em setembro de 2021, há mais de três anos. Desde então, as janelas de abertura de capital fecharam. Apesar de uma vez ou outra saírem notícias otimistas sobre o número de empresas na fila de IPO ou do potencial de crescimento de ofertas, nesse período de “seca” tivemos o anúncio do fechamento de capital de cerca de 10 empresas e cancelamento de registro de companhia aberta de outras 20 companhias (potenciais IPOs). Enquanto isso, nos Estados Unidos, segundo a Stock Analysis, apenas em 2024, considerando os dados até 15 de novembro, foram 193 IPOS, 34% a mais do que em 2023. Se considerarmos o acumulado desde 2021, foram 1.563 aberturas de capital, mais de três vezes o número de empresas listadas no Brasil. Até mesmo a BEE4, com dois anos de existência e explorando um mercado desafiador como de Pequenas e Médias Empresas (PMEs), já soma quatro listagens.

Mas o que poderia mudar tal cenário?
Pessoalmente, sempre tive a visão de que temos um problema de demanda e liquidez, e isso não se restringe exclusivamente em IPOs, mas também no pós IPO de small caps. Temos uma pequena parcela (proporcionalmente ao tamanho da população) que investe. Segundo um levantamento da ANBIMA de 2021, apenas um terço dos brasileiros investe em algum tipo de produto financeiro, sendo que, de tal parcela, 23% optam pelam poupança, 3% por fundos de investimentos e apenas 2% buscam investir diretamente em renda variável. Curiosamente, o investimento em criptomoedas, um produto, digamos, mais recente e complexo, tem o mesmo percentual do alocado em renda variável.

Para piorar, podemos dizer que o mercado de capitais ganhou mais um concorrente: as apostas online, conhecidas como Bets. Dados divulgados pela B3, reproduzindo um levantamento realizado pelo Itaú mostram que nos 12 meses encerrados em junho de 2024, os brasileiros gastaram, líquidos, R$ 23,9 bilhões em apostas online. O gasto líquido é resultado do gasto bruto no período que chegou a R$ 68,2 bilhões, enquanto os prêmios recebidos pelos apostadores somaram R$ 44,3 bilhões.

O fato do País historicamente contar com altas taxas de juros, que confere retorno com baixo risco nos investimentos em produtos de renda fixa, especialmente Tesouro Direto, pode ser um dos entraves para o crescimento da renda variável. Esse desafio pode, no entanto, ser superado. Para isso, deixo, então, alguns pontos para reflexão. Não são sugestões, mas provocações de medidas que poderiam contribuir para, mais uma vez, alavancar a popularização do investimento em renda variável e fomentar o mercado de capitais:

A mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta
Não podemos negar que o mercado de capitais no Brasil vem acelerando seu amadurecimento. Tanto em termos regulatórios, autorregularão, interesse e até a participação de pessoas físicas. Segundo a B3, no 2T24 eram mais de 3,9 milhões de investidores (medidos por número de CPFs), marca 2% maior do que 12 meses atrás. Temos um mercado mais profissionalizado, transparente, seguro, confiável e regulado do que uma década atrás, comparável com mercados de países mais desenvolvidos. Um grande exemplo disso, foi o Brasil ter sido o primeiro país a adotar as normas emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), IFRS S1 e IFRS S2. Paradoxalmente, não está imune a escândalos corporativos como acidentes ambientais, fraudes e corrupção, o que causa danos sérios e duradouro na credibilidade e confiança, especialmente de investidores pequenos e iniciantes. Pior do que os fatos em si é a ausência de punição. Esse cenário de impunidade gera uma percepção de insegurança e instabilidade, afastando investidores institucionais internacionais e pessoas físicas, que temem repetir a experiência de perdas significativas sem possibilidade de reparação.

É preciso uma resposta para tais acontecimentos. Uma segurança para os investidores. A proposta de revisão do regulamento do Novo Mercado endereça alguns pontos, mas talvez pudéssemos avançar de forma mais abrangente.

Pátria educadora
Para promover uma mudança cultural e ampliar o entendimento sobre as vantagens do investimento em ações, é necessário um trabalho educacional robusto, com a criação de iniciativas para popularizar o investimento em renda variável entre os brasileiros. Isso, no entanto, já foi tentado e testado algumas vezes. Quem não se lembra do “Bovespa vai até você”, capitaneado pelo pioneiro da popularização da Bolsa, o saudoso Raymundo Magliano Filho? Quando iniciou a campanha havia cerca de 86 mil investidores pessoa física investindo na Bolsa. A B3 chegou a ministrar cursos em parceria com a Força Sindical e percorrer praias e a meta inicial, de 1 milhão de investidores, foi alcançada em abril de 2019.

A história nos mostra que campanhas de educação já deram certo. Programas de educação financeira e incentivos para diversificação dos investimentos poderiam contribuir para que o mercado acionário brasileiro se tornasse uma opção mais atraente. Sugiro ainda um programa mais amplo. Além de renda variável incluir outros instrumentos como fundo de investimentos, PGBL, VGBL, planejamento de aposentadoria. Também envolver nossos legisladores, tirar o misticismo de que Bolsa é cassino.

Há uma clara preocupação de reguladores sobre o papel de influencers e recomendações de investimento por parte de profissionais não certificados. Isso para não mencionar práticas ilegais como front running e pump & dump. Contudo, acredito que essa força poderia ser utilizada para educação direcionada.

Boston teve seu chá, o Brasil precisa do seu incentivo
Durante o período de 1997 a 2007, o Brasil conviveu com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Um imposto provisório que durou 11 anos e que incidia sobre a maior parte das transações financeiras. Para aliviar os investimentos, foi criado em 2004 a conta investimento, uma conta que era isenta da CPMF e permitia acessar diversos produtos financeiros, como ações, fundos de investimentos, renda fixa e títulos públicos.

Atualmente, debatemos a cobrança de imposto sobre dividendos. Enquanto isso, temos exemplos em países como Canadá, Estados Unidos e algumas nações europeias, de mecanismos de incentivo fiscal que tornam o investimento mais atraente. No Canadá, por exemplo, existem diversas contas com objetivos diferentes, como a Tax-Free Savings Account (TFSA, uma conta para investimento geral). Nos Estados Unidos, instrumentos como o 401(k) e o IRA (Individual Retirement Account) incentivam a população a investir em ações e fundos de previdência com benefícios fiscais.

Esses modelos poderiam ser adaptados ao Brasil para fomentar uma cultura de investimentos de longo prazo. Contas de investimento com isenção de imposto, como a TFSA canadense, ajudariam a reter e atrair investidores para o mercado acionário brasileiro, além de oferecer aos brasileiros uma opção mais competitiva e vantajosa para a construção de patrimônio.

Outra discussão que precisamos ter seria sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma poupança compulsória de mais de R$ 15 bilhões. O FGTS tem um papel fundamental no funding imobiliário e para obras de saneamento e infraestrutura. A sua remuneração é muito criticada (TR+3%) a ponto de que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a correção não pode perder para o IPCA. E se liberássemos uma parcela do FGTS para investimentos discricionários? Podemos discutir diversos critérios para elegibilidade (por exemplo: empresas verdes e/ou setores específicos), mas é um montante relevante para, no final das contas, o cotista, o trabalhador, não poder decidir sobre a sua alocação.

Nem tudo o que reluz é ouro: a nossa responsabilidade
A retomada sustentável do mercado de IPOs no Brasil exige mais do que incentivos externos; depende também da responsabilidade e do compromisso de bancos de investimento, companhias emissoras e profissionais de Relações com Investidores. A última janela de IPOs trouxe exemplos de ofertas mal estruturadas ou excessivamente otimistas, que frustraram investidores e mancharam a reputação do mercado. Desempenhos decepcionantes também contribuíram para o ceticismo dos investidores em relação a novas ofertas. É imprescindível que as instituições envolvidas priorizem a transparência e realizem operações que atendam tanto aos interesses das companhias quanto à confiança dos investidores, contribuindo para um mercado pujante.

Além disso, a preparação de uma área de RI forte e capacitada é essencial para o sucesso das companhias de capital aberto, especialmente em um cenário onde a base de investidores precisa ser ampliada. O foco tradicional em investidores institucionais deve ser complementado com estratégias direcionadas a pessoas físicas e investidores estrangeiros, que muitas vezes encontram barreiras para acessar informações claras e compreensíveis. Profissionais de RI têm a missão de atuar como pontes entre a empresa e os stakeholders, promovendo diálogo, confiança e alinhamento de expectativas. Investir em comunicação eficiente e na inclusão de novos públicos pode ser um dos fatores decisivos para reaquecer o mercado de capitais brasileiro. Isso envolve desde a elaboração de materiais informativos como proatividade no atendimento da comunidade investidora.

Especialmente em termos de investidores estrangeiros, acredito que há espaço bastante amplo para o crescimento de small caps. Contudo, participação em eventos, materiais com traduções de inteligência artificial, calls com tradução simultânea, ausência de ferramentas e estratégias para acessar o investidor certo causam desperdícios de oportunidades, tempo e dinheiro.

Paulo Henrique Praes
é sócio-diretor da globalRI.
paulo.henrique@globalri.com.br


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