Diversidade | Educação Financeira | Em Pauta | Enfoque |
Espaço Apimec Brasil | Filantropia | Governança | Homenagem |
IBGC Comunica | IBRI Notícias | Opinião | Orquestra Societária |
Ponto de Vista | Registro | Voz do Mercado |
Em 23 de dezembro de 2022, a CVM entregou ao Mercado de Capitais o Marco Regulatório dos Fundos de Investimento no Brasil, por meio da Resolução CVM nº 175/2022. A CVM trouxe modernização e inovação ao ambiente regulatório dos Fundos de Investimento em nosso país.
A Resolução CVM nº 175/2022 resultou da revogação de, à época de sua publicação, 38 normas esparsas, que foram sistematizadas e organizadas em um único regramento formado por Normas Gerais aplicáveis a todos os Fundos de Investimento, complementadas por regras em Anexos Normativos, que regulam as diferentes categorias de fundos. Em adição, posteriormente, 6 normas foram editadas e consolidadas no marco regulatório. Assim, podemos afirmar que, até o novembro/2024, a Resolução CVM nº 175/2022 agrupou 44 normas em um único diploma regulatório, prestigiando a objetividade, a redução de custos de observância regulatória e a simplificação da jornada do investimento.
A iniciativa privada e os participantes do Mercado de Capitais em geral contribuíram de maneira especial para a construção coletiva da norma. A grande quantidade de manifestações e sugestões recebidas no âmbito da Consulta Pública realizada pela CVM está justamente relacionada à importância da regra. O resultado: entregamos à sociedade uma regra de reconhecida qualidade, que foi feita com 'muitas mãos'.
Assim, podemos afirmar que as modificações promovidas pela Resolução CVM nº 175/2022 são comparáveis a uma revolução, na medida em que a norma adequou o regramento do Brasil aos melhores padrões internacionais e adaptou a teoria às relações práticas da indústria de fundos.
Diretrizes da Produção do Marco Regulatório
A produção do Novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento seguiu cinco diretrizes fundamentais.
A primeira delas foi a necessidade de adaptação das regras então vigentes na CVM à Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019). A segunda, a adequação nas normas da CVM à Jurisprudência Administrativa da própria Autarquia, promovendo um alinhamento do direito positivo com as práticas de mercado, que já vinha sendo refletida em julgados das Áreas Técnicas e do Colegiado da CVM. A terceira diretriz foi o esforço coletivo para incorporar sugestões de agentes de mercado às regras definitivas, sempre com o enfoque principal de reduzir o custo de observância). O quarto ângulo adotado diz respeito à consolidação da reforma dos FIDCs, que já estava em andamento na atualização à antiga Instrução CVM nº 356/2001, ao arcabouço único e objetivo total dos fundos de investimento. Por fim, a quinta diretriz seguida estava relacionada aos comandos do Decreto nº 10.139/2019, que é um dos decretos regulamentadores da Lei da Liberdade Econômica.
Por conta das determinações do Decreto nº 10.139/2019, a CVM atuou no sentido de promover uma revisão e consolidação completa dos atos normativos existentes em relação aos Fundos de Investimento.
Anexos Normativos
Inicialmente, a Resolução CVM nº 175/2022 estabeleceu as Normas Gerais e os Anexos I e II, que são respectivamente referentes aos FIFs – Fundos de Investimento Financeiro e aos FIDCs – Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Estas foram inicialmente as categorias de fundos com maiores impactos em suas regras. Em seguida, por meio da Resolução CVM nº 184/2023, os demais anexos normativos foram entregues, à exceção do Anexo VI referente aos FIAGROS, cuja entrega aconteceu em setembro de 2024, por meio da Resolução CVM nº 214/2024. Sobre os FIAGROs, tive a oportunidade de escrever detidamente na minha coluna publicada em novembro de 2024, aqui, na Revista RI, que pode ser acessada por meio do QRCode ao final deste artigo.
Sendo assim, no mês de outubro de 2024, foi possível celebrar a completude dos Anexos Normativos da Resolução CVM nº 175/2022. O arcabouço ficou assim:
Anexo | Categorias |
---|---|
I | FIF – Fundo de Investimento Financeiro |
II | FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios |
III | FII - Fundo de Investimento Imobiliário |
IV | FIP - Fundo de Investimento em Participações |
V | ETFs – Fundos de Índice |
VI | FIAGRO - Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais |
VII | Fundos Mútuos de Privatização – FGTS |
VIII | Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional |
IX | FMAI - Fundos Mútuos de Ações Incentivadas |
X | Fundos de Investimento Cultural e Artístico |
XI | Fundos Previdenciários |
XII | Fundos de Investimento em Direitos Creditórios de Projetos de Interesse Social (FIDC-PIPS) |
Trabalho de Fôlego
A Resolução CVM nº 175/2022 é o que podemos chamar de “norma viva”. Veja-se que as entregas feitas pela Autarquia no âmbito da regra foram - e vão - além da própria resolução.
Sem dúvidas, o esforço de modernização do arcabouço normativo dos fundos de investimento tem sido um trabalho de fôlego. Eu digo isso no tempo verbal do presente; afinal, os trabalhos permanecem em andamento, embora o arcabouço normativo já esteja completo. Não à toa, ao longo dos anos de 2023 e 2024, por exemplo, foram publicados Ofícios Circulares das Áreas Técnicas SIN e SSE da CVM, que são respectivamente responsáveis pelos fundos em geral e pelos fundos em operações estruturadas. Agora estamos às voltas com as adaptações dos fundos às novas regras, que tem gerado reflexões e aprendizados para todos.
Por ser uma “norma viva”, no contexto do dinamismo regulatório que o método da Resolução CVM nº 175/2022 proporciona, a Autarquia está se dedicando à modernização do Anexo Normativo referente aos Fundos de Investimento em Participação (FIP). A CVM pretende, em breve, submeter à Consulta Pública as mudanças no Anexo IV, dos FIPs, com previsão para edição da norma em 2025.
Principais Aperfeiçoamentos da “Revolução 175”
Uma das inovações de destaque trazidas pela Resolução CVM nº 175/2022 diz respeito à possibilidade de constituição de classes de cotas, com direitos e obrigações distintos, tendo patrimônio segregado, dentro de um mesmo fundo de investimentos. Em vez de constituírem vários fundos com estratégias de investimentos diversificadas, a partir da Resolução CVM nº 175/2022, torna-se possível a existência de apenas um fundo com classes de cotas destinadas a diferentes estratégias de aplicação, desde que não misturem diferentes categorias de fundos e cruzem os respectivos Anexos Normativos da Resolução CVM nº 175/2022. Veja-se que, neste ponto, a CVM está sendo cuidadosa ao evitar que as classes alterem ou confundam o regime tributário do fundo de investimento.
O cuidado na preparação dos regulamentos tornou-se ainda mais relevante. Uma vez que cada fundo de investimento tem o seu regulamento próprio, os detalhes sobre as classes devem constar destes documentos, de modo a fazer com que os efeitos de uma determinada classe de um fundo possam não influenciar em outra classe do mesmo fundo, sempre respeitando o que estiver previsto no regulamento em específico.
Essas características permitem maior flexibilidade, evitando a necessidade de constituição de diversos fundos, na medida em que a nova abordagem regulatória fomenta a coexistência de diferentes estratégias de investimento dentro de um mesmo fundo. Veja-se, por exemplo, o caso dos FIFs. Tornou-se possível a existência de apenas um FIF com classes de cotas destinadas a diferentes estratégias de aplicação como Ações, Produtos Cambiais, Multimercado e Renda Fixa.
Além disso, houve inovações no âmbito de responsabilidade e patrimônio. Os fundos de investimento são uma comunhão de recursos em condomínio especial, o que gerou debates acerca da responsabilidade dos cotistas por eventuais prejuízos. Isso, pelo menos, até a previsão da possibilidade de limitação de responsabilidade trazida pela Lei de Liberdade Econômica e, posteriormente, a edição da Resolução CVM nº 175/2022.
Anteriormente, a Instrução CVM nº 555/2014 previa a responsabilidade dos cotistas por eventual patrimônio líquido negativo do fundo, inclusive incorrendo riscos de necessidade de aportar recursos adicionais para cobrir o prejuízo. No entanto, a Resolução CVM nº 175/2022, que revogou esta Instrução, passou a possibilitar que os regulamentos dos fundos prevejam a limitação de responsabilidade de cada cotista ao valor de suas respectivas cotas.
Foi adaptado, ainda, o instituto da insolvência civil à realidade dos fundos de investimento, conforme previsão na Lei de Liberdade Econômica. A Resolução CVM nº 175/2022 trouxe a regulação desse dispositivo, possibilitando a solicitação de insolvência civil de classe de cotas para fundos de responsabilidade limitada em casos de patrimônio líquido negativo.
A CVM apresentou um grande avanço no trabalho que já vinha conduzindo de reequilíbrio nos papéis do administrador fiduciário e do gestor. A regra promoveu uma redistribuição de atribuições e poderes entre esses dois participantes, que são os prestadores de serviços essenciais da indústria de fundos, transpondo para o normativo a experiência prática do Mercado de Capitais.
Historicamente, os administradores fiduciários atuavam como os guardiões (gatekeepers) dos fundos de investimento, assumindo amplas responsabilidades. Com o crescimento e especialização da indústria de fundos, esse protagonismo começou a ser compartilhado com os gestores. O ajuste do arcabouço regulatório alinhou o Brasil à abordagem internacional.
A Resolução CVM nº 175/2022 definiu com melhor clareza as funções de cada um dos prestadores de serviços essenciais, visando à eficiência, à redução de custos de observância regulatória e ao aumento da segurança jurídica. O administrador fiduciário é responsável pela manutenção do fundo e pelas relações com cotistas, enquanto o gestor tem atuação estratégica em relação à carteira de ativos e gestão dos recursos do fundo.
Adaptações em curso
As alterações trazidas pela Resolução CVM nº 175/2022 são amplas e profundas. A transformação dessa indústria, essencial para o Brasil, foi uma revolução necessária e a transição gradual e responsável tem sido primordial para o sucesso da implementação.
Conforme informações disponibilizadas pela Anbima, até outubro/2024, 4.793 fundos haviam se adaptado aos dispositivos da Resolução CVM nº 175/2022. Na esteira, 3.713 fundos foram criados, também, de forma alinhada ao normativo.
Os dados apresentados pela Anbima ainda nos permitem perceber que 61,5% dos fundos novos ou adaptados são destinados a investidores profissionais. Já 65% dos fundos declararam ter responsabilidade limitada do cotista.
As experiências concretas que vêm sendo observadas nas adaptações em curso merecem um artigo em separado aqui na nossa coluna periódica na Revista RI, pois a prática tem quebrado alguns paradigmas e expectativas, que nos trazem reflexões a serem compartilhadas. Como exemplo, veja-se que não são todos os fundos de investimento que têm optado pela limitação de responsabilidade. No caso dos fundos antigos, por exemplo, na dinâmica negocial entre os prestadores de serviços essenciais e os cotistas, há muitos casos em que não se pretende limitar a responsabilidade, uma vez que – sob a perspectiva dos prestadores de serviços essenciais – este aspecto os expõem a eventualidade de não poder demandar novos aportes aos cotistas em fundos que já estejam em andamento e possam precisar de recursos para seguir com suas atividades. Há, também, reflexões interessantes sobre o modelo de adaptação, que trarei de forma sistematizada em futuro breve aqui na Revista RI.
Desenvolvimento, Inclusão e Oportunidades
Por meio da reforma que culminou na Resolução CVM nº 175/2022, temos a convicção de que estamos no caminho certo: foco no espírito colaborativo, no diálogo e na escuta ativa, ações que a nossa Autarquia tem adotado em prol do desenvolvimento do Mercado de Capitais no Brasil.
A ‘Revolução CVM 175’ é, sem dúvidas, mais do que uma atualização normativa. Criou-se um “codex” dos fundos de investimento. As mudanças ali destacadas visam tornar o Mercado de Capitais cada vez mais democratizado, inclusivo e plural, por meio de um arcabouço regulatório preparado para acompanhar o seu dinamismo e apto a gerar oportunidades. Vamos em frente!
Link para: https://www.revistari.com.br/286/2268
João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br