Ponto de Vista

SEU CONSELHO ESTÁ IMUNE AOS VIESES QUE DISTORCEM DECISÕES?

As decisões no ambiente de Conselhos vão muito além da competência técnica ou da experiência acumulada. Exige disciplina cognitiva, pensamento crítico estruturado e, sobretudo, consciência dos riscos invisíveis que emergem da dinâmica do colegiado.

As decisões no ambiente dos Conselhos influenciam diretamente a perenidade, a competitividade e o legado das organizações. Diante de contextos marcados por incerteza, ambiguidade e complexidade, os conselheiros são desafiados a ir além da técnica e da experiência. É necessário desenvolver disciplina cognitiva, pensamento crítico estruturado e, sobretudo, sensibilidade para os riscos invisíveis que surgem das próprias dinâmicas humanas que moldam o processo coletivo de decisão. Mesmo em ambientes com processos de governança bem estruturados, as decisões podem ser impactadas por vieses cognitivos, que são distorções comportamentais capazes de influenciar a percepção de riscos, oportunidades e alternativas.

Excesso de confiança
O excesso de confiança é um dos vieses cognitivos mais recorrentes na dinâmica dos conselhos, manifestando-se na tendência de conselheiros superestimarem sua capacidade de previsão, controle e julgamento. Esse viés conduz, muitas vezes, a decisões marcadas por uma subestimação dos riscos, pela negligência quanto à volatilidade dos mercados e por uma visão excessivamente otimista sobre a própria capacidade de gerar valor ou mitigar incertezas.

A aquisição de uma participação relevante na Vale pela Cosan, anunciada 2022, foi justificada como uma aposta em um ativo estratégico com potenciais sinergias que jamais se materializaram. A operação aumentou significativamente a alavancagem da Cosan e foi recebida com ceticismo por analistas e investidores. Em menos de dois anos, a empresa teve de reduzir sua posição, acumulando perdas bilionárias. O episódio evidencia como o viés do excesso de confiança pode distorcer julgamentos estratégicos, enfraquecer a disciplina financeira e abalar a reputação da governança, especialmente quando faltam análise crítica, debate rigoroso e realismo na avaliação de riscos.

Heurística da disponibilidade
A heurística da disponibilidade é um viés cognitivo que leva à tomada de decisão com base em eventos recentes, marcantes ou de grande repercussão, que acabam distorcendo a percepção de risco, oportunidade e sustentabilidade. Quando esse viés se manifesta, o julgamento do conselho se ancora em informações imediatamente acessíveis ou emocionalmente salientes, em detrimento de análises estruturadas, avaliações de longo prazo e dados históricos mais robustos.

O caso da Peloton, que experimentou um crescimento explosivo durante a pandemia, ilustra esse viés ao tratar uma demanda claramente conjuntural por equipamentos domésticos de fitness como se fosse estrutural, levando seus líderes a adotarem decisões de expansão agressiva sem sustentação de longo prazo. O resultado foi o acúmulo de estoques, capacidade ociosa, aumento da dívida e colapso no valor de mercado em poucos anos. A confiança excessiva em padrões recentes comprometeu a resiliência operacional e a sustentabilidade financeira. Quando o julgamento estratégico é capturado pela disponibilidade imediata de experiências excepcionais, o conselho corre o risco de tomar decisões descoladas da realidade, com efeitos negativos duradouros sobre a geração de valor econômico e a reputação da organização.

Groupthinking
O fenômeno do groupthink se manifesta quando a busca excessiva por consenso e harmonia suprime o debate crítico, enfraquece o questionamento de premissas e desestimula a confrontação de riscos e alternativas. Nesses contextos, o desconforto gerado por opiniões divergentes é evitado a qualquer custo, favorecendo uma dinâmica onde a validação mútua substitui a análise rigorosa.

O colapso da Swissair é citado como exemplo de groupthinking. Nos anos 1990, a companhia aérea adotou a estratégia de aquisição de participações em companhias aéreas menores. A tese era construir uma rede própria de alianças, fortalecendo sua posição no mercado de forma independente das grandes coalizões que então se formavam, como Star Alliance, Oneworld e SkyTeam. Relatos indicam que esse movimento foi decidido dentro de um ambiente marcado por forte homogeneidade, dominado por uma cultura hierarquizada e pouco aberta ao dissenso. Alertas sobre os riscos financeiros, operacionais e estratégicos foram minimizados ou ignorados. Quando o mercado global foi brutalmente impactado pelos atentados de 11 de setembro de 2001, a Swissair já operava com elevada alavancagem e liquidez comprometida. Em outubro daquele ano, a companhia entrou em colapso, interrompendo suas operações por falta de caixa, em desfecho que parecia inimaginável para uma empresa até então considerada um ícone de solidez financeira.

Ilusão de Controle
A ilusão de controle leva conselhos a superestimarem sua capacidade de influenciar ou controlar variáveis que, na prática, estão fora de seu alcance. Esse fenômeno gera uma confiança desproporcional na habilidade da organização de mitigar riscos externos, adaptar-se rapidamente a cenários adversos ou manter padrões de desempenho inalterados, independentemente das externalidades.

Fundada em 2010, a WeWork experimentou um crescimento exponencial, lastreado em um modelo de negócios que pressupunha a assinatura de contratos de longo prazo para locação de grandes espaços e a subsequente sublocação desses mesmos espaços. Essa estratégia gerava um descompasso estrutural entre ativos e passivos, com obrigações rígidas e de longo prazo financiando receitas variáveis, dependentes de ciclos econômicos e da volatilidade da demanda. A crença interna era de que a empresa teria controle absoluto sobre sua capacidade de ocupação, retenção de clientes e expansão, com a premissa de ocupação acima de 90%, ignorando os riscos associados a mudanças no mercado imobiliário ou transformações no comportamento dos consumidores. Esta convicção levou a uma expansão desenfreada, financiada por sucessivas rodadas de capital, emissão de dívida conversível e a assunção de mais de dezenas de bilhões de dólares em obrigações de leasing.

Esse castelo de premissas começou a ruir em 2019, quando o fracasso do IPO revelou ao mercado a fragilidade do modelo econômico da companhia, sua dependência de fluxo de caixa negativo e sua enorme exposição a passivos fixos. O colapso foi acelerado pela pandemia de 2020, que reduziu drasticamente a demanda global por espaços de trabalho físicos, impondo uma crise de liquidez profunda. Em 2023, a empresa formalizou seu pedido de falência.

Reflexão
A prática demonstra que, muitas vezes, as decisões equivocadas são fruto de vieses cognitivos não reconhecidos, que distorcem análises, suprimem o debate e limitam a avaliação de riscos e cenários, independentemente do setor ou porte da organização. Uma boa governança não depende apenas de regras, processos e compliance. Ela exige intencionalidade na construção de ambientes que estimulem a diversidade de pensamento, o questionamento estruturado e a análise crítica. Conselhos que negligenciam esses fatores correm o risco de tomar decisões desconectadas da realidade, comprometendo o valor, a resiliência e a sustentabilidade de longo prazo das organizações que supervisionam.

Alexandre Oliveira, PhD, CCA, CCoAud
é Vice-coordenador da Comissão de Finanças, Fiscalização e Controles do IBGC, onde é professor do curso de formação de conselheiros. Presidente dos Conselhos Consultivos da Cebralog Educação e da Equosorriso Terapia. Conselheiro de Administração do Fundo Patrimonial Patronos. Pós-doutor em Strategic Thinking e doutor no uso de Inteligência Artificial nas Decisões Corporativas. Pós-graduado em Negócios Digitais, em Finanças e em Direito Digital. Engenheiro, mestre em Supply Chain e Especialista em Conformidade Regulatória.
alexandre@ibpsc.net


Continua...