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Governança, ESG e Ética no xadrez geopolítico: A visão de uma Conselheira Engenheira
Nesta edição, temos a honra e a satisfação de entrevistar a Conselheira certificada pelo IBGC, Adriana de Andrade Solé, que discorre sobre temas relevantes no cenário geopolítico crítico: Governança Corporativa, Sustentabilidade, ESG e Ética entre outros. Fiel ao estilo de sua produção acadêmica, nossa entrevistada traz informações estruturadas e atualizadas sobre esses temas.
Esta é a 14ª entrevista realizada com Conselheiras mulheres, certificadas pelo IBGC, em continuidade ao projeto de doutorado de Cida Hess, concluído em junho de 2023 – ESG: Uma partitura que está sendo escrita (link para a tese de doutorado ao final). A seguir, o currículo da nossa ilustre entrevistada fala por si.
Adriana de Andrade Solé é engenheira eletricista, pós-graduada em Engenharia Econômica pela Fundação Dom Cabral e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Conselheira de Administração certificada pelo IBGC, integrando presentemente o Conselho de Administração da Editora Fórum e os Conselhos Fiscais da Vale e da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME). Co-inventora da carta patente número PI-9100363: Estrado Modulado Ajustável e Sistema para Acondicionamento de Bobinas para o Transporte em Vagões Ferroviários. Sócia fundadora da empresa TradeCon Business Operations, com 25 anos de atuação, especializada em soluções para o desenvolvimento da governança corporativa, sustentabilidade e o crescimento de médias e pequenas empresas.
Adriana é também editora dos seguintes canais de comunicação da marca patenteada Governança Já: Site institucional tradeconbusiness (https://tradeconbusiness.com.br/); Blog (https://governancaja.com.br/); Canal no YouTube (https://www.youtube.com/c/governancaja) e páginas nas redes sociais LinkedIn, Instagram e Facebook.
Palestrante com mais de 1000 cursos e palestras pelo Brasil e com mais de 400 horas de capacitação e treinamento de conselheiros e executivos a cada ano. Professora convidada de organizações: Fundação Dom Cabral, PUC Minas, IBMEC-MG, HSM, KPMG, IEL/FIEMG, Fundação Escola de Governo de Santa Catarina e Fundação Centro de Excelência Portuária de Santos, em cursos de MBA, programas específicos de gestão avançada e formação de conselheiros de administração. Professora e pesquisadora da Fundação Gorceix, da Academia de Mineração e do Instituto Minere em Governança Corporativa, Compliance e Agenda ESG no setor de mineração.
Ex-assessora da Presidência e ex-gerente de Planejamento Corporativo do Sistema Usiminas, de 1994 a 2009 e Conselheira de Administração da SCGAS, de 2020 a 2022. Coautora de cinco livros, com vários artigos publicados nesta Revista RI (box ao final). A seguir, acompanhe a entrevista.
A JORNADA DE SONHO, CONTRIBUIÇÃO A DUAS NAÇÕES E MUITO MAIS
RI: Sua trajetória de vida e profissional é memorável. Poderia comentá-la conosco?
Adriana de Andrade Sole: Decidi cursar Engenharia para trabalhar na Usiminas, influenciadíssima pela trajetória profissional do meu pai Álvaro Luiz Macedo de Andrade nessa Empresa – um dos seus sete samurais – apelido dado carinhosamente pela Nippon Steel aos engenheiros da Escola de Minas de Ouro Preto, formados em 1958. Eles foram escolhidos pelo engenheiro Amaro Lanari Junior e o presidente Juscelino Kubitschek para serem treinados no Japão e trazerem a tecnologia a ser implantada na usina mineira. Fui testemunha tanto da construção da Usiminas quanto de Ipatinga. Os valores da cultura japonesa foram impressos na cultura empresarial desde então: trabalho em equipe, hierarquia, importância do desenvolvimento de uma comunidade, responsabilidade da nova usina nos impactos que ela provocava na paisagem local e, principalmente, preservação ambiental, tão cara a um País destruído por armas nucleares (Japão). Uma geração inteira de filhos dos primeiros engenheiros da Usiminas viu uma empresa de sucesso crescer e uma cidade diferenciada se desenvolver. A maioria – eu inclusive – foi seduzida e abraçou a Engenharia como profissão. Considero como marcos profissionais minha entrada na Usiminas como engenheira eletricista (dez/1986) – sonho de infância! – a conquista da minha patente (1991), o lançamento do meu livro de Governança em 2004, em parceria com o professor José Paschoal Rossetti, e as minhas promoções como gerente de planejamento corporativo e, adiante, assessora da Presidência da Usiminas. Outros marcos inesquecíveis viriam e a carreira profissional me permitiu fazer parte da assessoria técnica do Conselho Brasil-Japão para o século XXI (2006), do Wise Men Group (2007), grupo de trabalho que, juntamente com o Itamaraty e o Gaimusho-Japão, idealizou as comemorações para o centenário da imigração japonesa no Brasil e os novos focos bilaterais na relação Brasil- Japão. Foi inesquecível ter sido agraciada com a Medalha do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, concedida a 150 brasileiros reconhecidos por ambos os países pela contribuição prestada para o aprimoramento das relações bilaterais, bem como para a inserção da comunidade japonesa no Brasil e da comunidade brasileira no Japão. Evento esse que fechou com chave de ouro um ciclo profissional na Usiminas, um ano depois.
GOVERNANÇA NOS SÉCULOS XX E XXI E O XADREZ GEOPOLÍTICO
RI: Seu excelente livro Governança Corporativa – Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências, em coautoria com o professor José Paschoal Rossetti – irá para 8ª edição. Poderia comentar a evolução da Governança Corporativa no capitalismo, para os séculos XX e XXI, comparativamente?
Adriana de Andrade Sole: Agradeço a deferência ao livro Governança Corporativa: Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências, para o qual tive o privilégio de ser convidada como parceira nessa obra, por uma das mentes mais brilhantes que tive o privilégio de conhecer: professor José Paschoal Rossetti. E respondendo à pergunta, sintetizo a evolução do sistema capitalista, de suas empresas e da Governança Corporativa considerando os séculos XX e XXI, como a seguir:
SÉCULO XX | tivemos o boom corporativo e a emergência da Governança Corporativa: Um amplo conjunto de fatores ensejou o agigantamento das corporações e o despertar da governança corporativa. O professor Rosseti e eu dividimos tal conjunto em dois blocos: razões essenciais e razões adicionais. As razões essenciais são três: vícios e conflitos de relacionamento acionistas-corporações, questionável contribuição de conselhos de administração e atuação oportunista da gestão. As razões adicionais, por seu turno, abrangem as externas e aquelas internas às corporações. As primeiras são as mudanças do macroambiente, no ambiente de negócios e as revisões institucionais. Quanto às razões internas, mencionamos as mudanças societárias, os realinhamentos estratégicos e os reordenamentos organizacionais. Fato é que todos esses fatores determinam, até os dias de hoje, o desenvolvimento da Governança Corporativa.
SÉCULO XXI | convivemos inseridos em uma sociedade em rede muito ativista, em um contexto geopolítico dominante maior do que a economia. As estruturas de governança corporativa respondem com seus valores, em prol da perpetuidade das empresas: O século XXI, nas duas primeiras décadas, potencializou a Ciência da Administração pela tecnologia de informação, reestruturou o sistema capitalista através da intensificação da globalização financeira das atividades econômicas e criou a sociedade em rede, caracterizada por: flexibilidade, instabilidade de emprego, individualização de mão de obra, cultura de virtualidade. Ganharam força as redes sociais, que reforçaram uma nova forma de poder. Ao mesmo tempo em que ocorreu um aumento virtuoso na capitalização mundial, passando de 84,9 trilhões de dólares, em 2017, para 128,2 trilhões de dólares, em 2025, o ecossistema global dos mercados de capitais sofreu ataques que o vulnerabilizaram estruturalmente. E dois fatores atestam essa fragilização: 1) a concentração da propriedade acionária, que tem crescido de forma bem consistente ano após ano. De acordo com dados da OCDE em 2024, em 50 jurisdições, os três maiores acionistas detêm mais de 50% do capital social das suas empresas; e, 2) a drástica diminuição do capital disperso na capitalização mundial que, em 1998, era de 57%, e que passou para 27% em 2024, enquanto a participação dos investidores institucionais e dos investidores pessoas físicas neste mesmo ano representaram 44% e 8%, respectivamente. Isso significa que as bolsas de valores, que representavam no início do século XXI o financiamento mais democrático e barato para empresas, passaram a ser e atuar empresarialmente, tendo que responder também aos anseios de seus acionistas – em sua maioria, fundos de investidores institucionais e pessoas físicas individuais. Mudou literalmente o jogo, o financiamento passou a ter bandeiras!
RI: Como avalia os impactos da pandemia Covid e os movimentos dos investidores institucionais em anos recentes?
Adriana de Andrade Sole: Muito profundos os impactos da pandemia, principalmente na estrutura e dinâmica das Assembleias Gerais e reuniões de conselhos administrativos e fiscais, que tiveram que garantir não só a presença física dos participantes, como a interação, ao vivo, entre diretores e conselheiros, assim como dispositivos e estruturas para votação eletrônica. Formatos híbridos, participação presencial e virtual em curto espaço de tempo passaram a ser não só permitidos como estimulados. Na prática, o jogo da governança mudou, acirrando os conflitos de agência entre os grupos de acionistas majoritários e minoritários, transformando a instância maior de governança corporativa, que é a Assembleia Geral, em um show pirotécnico de demonstração de poder e força. Esse show tem exposto, muitas vezes, objetivos escusos e pouco republicanos dos grupos majoritários, através da indicação e escolha dos seus conselheiros, provocando uma reação forte e ativista de igual intensidade por parte dos acionistas minoritários. A força dos fundos de investidores institucionais pode ser resumida analisando o posicionamento da BlackRock, o maior deles, através do seu fundador e CEO Larry Fink nas suas cartas anuais, com impactos no mundo corporativo. A essência de cada mensagem, de acordo com o meu entendimento, pode ser assim sintetizada: primeira carta (2020) – só vamos investir em empresas e projetos aderentes à Agenda ESG; segunda carta (2021) – dos projetos mapeados, vamos colocar holofote em apenas 40%, por terem demonstrado equilíbrio entre as três letrinhas ESG; terceira carta (2022) – focaremos projetos ligados à transição verde e não utilizaremos mais o termo ESG, pela polarização que o termo está provocando na sociedade; quarta carta (2024) – focalizaremos projetos e empresas que demonstrarem resiliência financeira; e, quinta carta (2025) – trabalharemos buscando e estimulando a democratização de investimentos. BlackRock, pelo seu poder de fogo, se transformou em formador de opinião, influenciando os investimentos empresariais.
RI: Como o movimento anti-ESG tem impactado práticas de desenvolvimento sustentável e a concretização dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – da ONU?
Adriana de Andrade Sole: O poder de fogo dos investidores institucionais direcionou boa parte dos recursos existentes; em 2020, sinalizaram positivamente para a Agenda ESG e, alegando falta de materialidade em projetos específicos, mudaram o foco, a partir de 2023. Na minha opinião, quem definirá o futuro dos ODS e da Agenda ESG é a sociedade civil planetária. Quais serão suas escolhas neste ambiente geopolítico desastroso, como ficará esta polarização asquerosa a que chegamos, como criaremos resiliência em direitos humanos, com guerras, seus refugiados e com narrativas do tipo “dependendo do contexto, eu posso fazer qualquer coisa, inclusive matar”, ganhando força por aí. A sociedade definirá, como sempre definiu o seu futuro. No campo empresarial, isso pode ser trabalhado através dos códigos de conduta, evidenciando aqueles comportamentos que serão aceitáveis ou não dentro das empresas.
RI: Como avaliar Governança Corporativa, Sustentabilidade e ESG no xadrez geopolítico, com riscos consideráveis pelo Planeta – guerras, conflitos por insumos (ex.: combustíveis), ambientais e outros?
Adriana de Andrade Sole: No momento, entendo que uma nova governança global está sendo formatada, em um contexto geopolítico bélico de altíssima complexidade. Os papéis dos principais atores nacionais, internacionais, multilaterais, de mercado, investidores e todos os demais stakeholders têm sido colocados à prova. Por questão de sobrevivência, novas tomadas de decisões estratégicas precisam estar alinhadas tanto às metas e aos valores das empresas quanto aos planos de mitigação de riscos que se fizerem necessários, na busca de uma adoção equilibrada de focos, através de tecnologias digitais. Isso coloca à prova a competência dos conselhos empresariais e governamentais para orientarem esse desenvolvimento. Nesse novo tabuleiro do xadrez geopolítico que está sendo armado, coloca-se em xeque, novamente, a importância do mundo corporativo para direcionar suas empresas. A robustez do G de governança e a Agenda ESG dependerão, a cada dia, da qualidade e competência dos atores escolhidos e da direção da tecnocracia empresarial sobrevivente, decifrando e antecipando as jogadas geopolíticas, minimizando os respectivos impactos sobre as operações comerciais, as cadeias de suprimentos, a segurança dos funcionários – e mais, harmonizando os interesses de boa parte dos stakeholders dos territórios impactados pelas atividades empresariais.
RI: Há vários modelos de Governança Corporativa no mundo: anglo-saxão, alemão, latino-americano e outros apresentados em seu livro Governança Corporativa. Há um “melhor modelo” para empresas?
Adriana de Andrade Sole: Existe o modelo de Governança que funciona, aquele em que o acionista/dono está satisfeito dentro do país e isso está intimamente ligado à cultura nacional e à história recente de cada país. O professor Rossetti e eu acompanhamos seis modelos efetivamente praticados. Importante ressaltar que estamos explicitando nesta entrevista o modelo chinês, que não consta 7ª edição do nosso livro Governança Corporativa.
Os Grandes Modelos de Governança Corporativa
CARACTERÍSTICAS DEFINIDORAS |
MODELOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Anglo-saxão | Alemão | Japonês | Chinês | Latino-europeu | Latino-americano | |
1. Financiamento predominante | Equity | Debt | Debt | Debt | Indefinido | Debt |
2. Propriedade e controle | Dispersão | Concentração | Concentração com cruzamentos (Keiretsu) | Concentração estatal | Concentração | Familiar concentrado |
3. Propriedade e gestão | Separadas | Sobrepostas | Sobrepostas / kansayaku | Sobrepostas e frágeis | Sobrepostas | |
4. Conflitos de agência | Acionistas / direção | Credores / acionistas | Credores / acionistas | Majoritários / minoritários | ||
5. Proteção legal dos minoritários | Forte | Ênfase crescente | Ativismo em alta |
Fragilizada por classes distingas de ações | Fragilizada por classes distingas de ações e concentração do capital | |
6. Conselhos de administração | Atuantes, foco em direitos | Atuantes, foco em operações | Atuantes, foco em estratégia | Monitorados pelo Conselho Supervisor do Estado | Pressões para maior eficácia | Em reconstituição |
7. Liquidez da participação acionária | Muito alta | Baixa | Em evolução | Baixíssima | Baixa | Especulativa e oscilante |
8. Forças de controle mais atuantes | Externas | Internas | Externas / Governo | Internas migrando para externas | Internas | |
9. Governança corporativa | Estabelecida | Adesão crescente | Baixa ênfase | Frágil | Ênfase em alta | |
10. Abrangência do modelo de governança | Baixa | Alta | Baixa | Mediana | Em transição |
Fonte: Andrade/Rossetti. Governança Corporativa: Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências.
7ª edição, pág. 344. Atualizado pela entrevistada.
Todos esses modelos apresentam características específicas, como: 1) financiamento em equity via mercado de capitais, no modelo anglo-saxão; 2) as duas instâncias de conselho – a supervisora e a executiva – do modelo alemão; 3) as participações societárias cruzadas (keiretsus) e os conselheiros fiscais espalhados pela organização, com poder de polícia (kansayaku), no modelo japonês; 4) a estrutura de governança das empresas totalmente definida pelo Estado, no modelo chinês; 5) a diversidade de conselhos existentes em um mesmo país (unitário, duplo e híbrido), obedecendo aos critérios do Euro, pelos quais princípios definem mais que regras, do modelo latino-europeu (Espanha, Portugal, França e Itália); e, 5. a estrutura societária familiar concentrada do modelo latino-americano, em que três acionistas detém, em média, 70% do poder de mando de uma companhia.
RI: Considerando o tamanho do mercado nacional e a maturidade de suas empresas, não haveria um “modelo brasileiro” de Governança?
Adriana de Andrade Sole: Nós somos o país benchmark do modelo latino-americano pelo tamanho de mercado – nosso head natural –, por sermos um continente, por sermos uma das maiores economias do Planeta e por sermos riquíssimos em recursos naturais. Infelizmente, também por sermos benchmark mundial em corrupção no quesito capilaridade (exportamos o jeitinho brasileiro de corrupção para 28 países). E estamos lutando bravamente para nos tornar também o benchmarking mundial no quesito impunidade. Em termos de Governança latino-americana, encontramos a prevalência de empresas familiares de pequeno e médio porte passando da segunda para a terceira geração. Fase essa muito crítica, quando as empresas passam de uma sociedade entre irmãos para um consórcio entre primos.
CÓDIGOS DE CONDUTA E ÉTICA NAS EMPRESAS
RI: Abrimos este bloco homenageando o querido professor Lélio Lauretti, falecido em 2024, cuja inteligência nos encantava. Na edição 215 desta Revista RI (set/2017), nós comemoramos seus 90 anos. Como você vivenciou a parceria na criação, por ambos, do icônico livro Código de Conduta – Evolução, Essência e Elaboração?
Adriana de Andrade Sole: O professor Lélio Lauretti foi mais do que parceiro e coautor: fomos amigos. Em homenagens a ele nas redes sociais e nesta, digo: somente quem teve o privilégio da convivência sabe a profundidade da perda. Conviver com o Lélio foi um presente!
RI: O livro supracitado mostra a evolução dos códigos de conduta desde os primórdios, na Mesopotâmia, e um infográfico sensacional. O que esse infográfico – essa bela linha do tempo – nos ensina?
Adriana de Andrade Sole: O trabalho de construção desse infográfico – de fato, uma linha do tempo de construção laboriosa, mas muito reveladora – foi algo de um aprendizado incrível, decorrente de uma indignação que tive quando descobri os códigos de conduta publicados pela Odebrecht e Petrobras na época do Petrolão. Inicialmente, tive a percepção de que códigos de conduta empresariais seriam sempre um documento pró-forma e uma peça institucional. A pesquisa me revelou um entendimento de que a Humanidade, de uma forma geral, sempre precisou de códigos que balizassem as condutas dos povos, dentro de preceitos intimamente ligados à moral e à ética de cada época e de cada continente, evitando uma polarização e carnificina geral. Entender os 10 Mandamentos, a Torá e o Alcorão como códigos de conduta, assim como a importância do Código de Hamurabi nos modelos legais mundiais. foi algo que expandiu meu modelo mental sobre o assunto. Percebi, através desse infográfico, que os códigos de conduta aumentam a probabilidade de um número grande de pessoas se comportar de uma determinada maneira, orientando-as a agirem pelas coisas e causas certas, tornando o comportamento ético e probo um hábito e característica da cultura, inclusive a cultura empresarial. O código de conduta funciona como uma declaração profissional expressa em compromissos referentes a um conjunto específico de padrões morais e, principalmente, cria o orgulho de pertencer a um grupo e causas diferenciadas. E através dos códigos de conduta, pode-se entender a evolução da situação da mulher, como descrito no meu artigo A saga feminina contada através dos Códigos de Conduta da humanidade, publicado nesta Revista RI, em março de 2022.
RI: Como você vê o papel de sócios – majoritários, minoritários e de referência – e líderes na criação de uma cultura ética? Ética e eficiência asseguram postos de liderança empresarial?
Adriana de Andrade Sole: A empresa é aquilo que o dono quer que ela seja. Se tivermos acionistas probos, a empresa da qual ele participa será ética; se tivermos acionistas de baixo padrão moral, a empresa responderá de acordo com esse padrão. Ética e eficiência devem ser pré-requisitos de um líder, mas, por si só, não asseguram posições corporativas. Estar ou não em uma boa posição na estrutura de poder corporativa hoje é circunstancial, não significa que a vida profissional do líder, como líder, está garantida. A situação pode mudar a qualquer momento, a depender das mudanças de sócios ou do seu modo de pensar. A consolidação dos setores econômicos, cada vez mais, acirra mudanças de estruturas de poder. É preciso absoluta clareza e não haver ilusões: quem tem o poder de mando tem o poder efetivo nas escolhas de seus representantes nas estruturas empresariais.
RI: Sobre o Novo Mercado, como viu a recente rejeição à sua revisão?
Adriana de Andrade Sole: Lastimável não terem sido aprovadas, pelo menos em parte, as novas regras para o Novo Mercado! Sinaliza ao mercado estagnação e continuidade de práticas que já não estavam sendo bem-vistas e, muito menos, funcionando bem. A luta em direção às boas práticas, principalmente por parte dos acionistas minoritários, se intensificará, assim como a desconfiança dos investidores em relação ao mercado brasileiro.
RI: Como reduzir o gap entre o código de ética e as práticas empresariais?
Adriana de Andrade Sole: Não existe governança corporativa sem fiscalização e controle – considero esta frase uma espécie de mantra. Fortalecer os controles internos e as instâncias de compliance e auditoria, a meu ver, são a saída.
RI: Qual é sua mensagem final aos nossos leitores?
Adriana de Andrade Sole: Dirijo-me aos jovens que escolhem suas profissões: escolham bem! Engenharia (uma das minhas paixões) é um curso de peso e vale a pena investir nessa carreira, na qual moldamos um modelo mental pró-soluções e com forte objetividade na vida prática. E não transfiram ao RH a responsabilidade por sua evolução pessoal e profissional. Organizações são meios de realizar sonhos, mas a jornada é pessoal. Façam dela sua obra-prima, sem medo de ser felizes... Boa sorte e foco!
Adriana de Andrade Solé mais do que realizou o sonho de ser engenheira na siderurgia, em um ambiente tecnológico outrora tipicamente masculino. A chegada à Engenharia, o aprimoramento profissional contínuo e a disposição de buscar novos desafios lhe reservariam uma jornada ímpar, com um papel de relevo na integração Brasil-Japão e uma nobre missão nos fronts da governança corporativa e da ética e seus códigos.
Livros publicados pela professora Adriana de Andrade Sole:
Governança Corporativa – Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências (Editora Atlas, 7ª edição, a caminho da 8ª edição. Publicado em coautoria com o professor José Paschoal Rosseti, trata da governança corporativa em sua complexidade, integrando teoria e prática em aspectos legais, econômicos, culturais e estratégicos. Abrange temas como concentração acionária, propriedade e gestão, proteção aos sócios minoritários e papel do mercado de capitais entre outros. Apresenta a metodologia própria dos “8 Ps” da governança – propriedade, princípios, propósitos, papéis, poder, práticas, pessoas e perpetuidade. Destaca a liderança ética como pilar essencial de trabalho e antecipa tendências, de maneira abrangente e prática.
Código de Conduta – Evolução, Essência e Elaboração (Editora Fórum, 2ª edição). Publicado em coautoria com o professor Lélio Lauretti, apresenta uma sólida perspectiva histórica dos códigos de conduta criados pela humanidade, desde o ano 2450 antes de Cristo, por meio de um elucidativo infográfico e seu detalhamento. Desenvolve uma abordagem teórico-prática de construção e operacionalização de códigos de conduta, criados para efetivamente promover valores éticos nas organizações e consolidar uma cultura baseada na integridade e responsabilidade social.
Artigos nesta Revista RI:
De 2020 a 2024, foram publicados nesta Revista diversos artigos pela professora Adriana. Mais recentes: O impacto da geopolítica atual na agenda ESG e nos processos de governança (2023, edição histórica de 25 anos da Revista RI) e Governança corporativa em um mundo bélico (2024).
Desejamos que esta entrevista ilumine o futuro de jovens engenheiras, engenheiros e talentos de todas as áreas de conhecimento que a lerem: o potencial de chegar à Alta Administração das organizações é de vocês! E como sempre tem sido, receberemos com satisfação os insights dos leitores sobre esta entrevista.
Nota: Tese de doutorado de Cida Hess: https://repositorio.unip.br/wp-content/uploads/tainacan-items/198/102440/MARIA-APARECIDA-HESS-LOURES-PARANHOS19.pdf
Cida Hess
é Assessora da Presidência da Prodesp em Negócios Estratégicos. Head do Comitê de Inovação e Tecnologia do 30% Club Brazil. Conselheira certificada pela Board Academy, palestrante, professora e mentora. Doutora em Sustentabilidade (UNIP/SP), Mestre em Ciências Contábeis (PUCSP), economista e contadora, com MBA em Finanças (IBMEC). Atua há mais de 30 anos em multinacionais europeias e grandes empresas nacionais, liderando projetos de transformação dos negócios, com estratégicas de inovação e sustentabilidade. Coautora de diversos livros. Colunista (desde 2014) e Conselheira Editorial (desde 2023) da Revista RI.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é Assessora da André Mansur Advogados Associados (BH/MG). Tem atuado como conselheira administrativa, fiscal e consultiva em várias organizações, gerente de planejamento corporativo e engenheira de distribuição de energia (Grupo Cemig/MG), bem como professora. Certificada como CNPI-P pela Apimec. Editora do site espacogovernanca.com.br para universitários e demais interessados. Mestre em Administração pela PUC Minas e graduada em Engenharia Elétrica e Direito pela mesma Instituição, com cursos no Brasil e no exterior. Coautora de diversos livros. Colunista (desde 2008) e Conselheira Editorial (desde 2023) da Revista RI.
mbran2015@gmail.com