Diversidade

DA LUTA PELO VOTO À LIDERANÇA GLOBAL: A JORNADA DAS MULHERES E O VALOR DA DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

No final do século XIX, mulheres em diversos países começaram a se organizar para conquistar um direito básico: o direito ao voto. Conhecidas como sufragistas, essas pioneiras enfrentaram resistência social, política e até violência para garantir que suas vozes fossem ouvidas nas urnas. Lideranças como Emmeline Pankhurst no Reino Unido e Susan B. Anthony nos Estados Unidos foram fundamentais para que, décadas depois, o voto feminino se tornasse realidade em países como Nova Zelândia (1893), EUA (1920), Reino Unido (1928) e Brasil (1932, com Bertha Lutz à frente da mobilização).

Com o tempo, as mulheres passaram a ocupar espaços antes restritos aos homens, como na política, nos negócios e na ciência. Esse avanço, no entanto, ainda é desigual. A pandemia de COVID-19, por exemplo, foi um momento decisivo para mostrar o impacto da liderança feminina. Estudos publicados na Harvard Business Review revelaram que países liderados por mulheres, como Nova Zelândia (Jacinda Ardern), Alemanha (Angela Merkel) e Islândia (Katrín Jakobsdóttir), tiveram respostas mais eficazes à crise sanitária, com menor número de mortes e comunicação mais empática. Além disso, uma análise de mais de 60 mil líderes mostrou que as mulheres foram avaliadas como mais eficazes em 13 das 19 competências de liderança, incluindo resiliência, empatia e colaboração.

A presença de mulheres e outros grupos diversos em cargos de liderança não é apenas uma questão de justiça social. Também é boa para os negócios. Segundo o relatório “Diversity Matters: América Latina”, da McKinsey, empresas com mais diversidade de gênero na liderança têm 14% mais chances de superar seus concorrentes em performance financeira. Globalmente, esse número sobe para 39% quando se considera diversidade étnica. A EY Brasil também destaca que conselhos com diversidade de gênero tomam decisões mais equilibradas e inovadoras. No entanto, apenas 19,6% das posições de conselhos das empresas listadas são ocupadas por mulheres, e somente 22,9% dos conselhos têm três ou mais mulheres, de acordo com a pesquisa realizada pela Vila Nova Partners em setembro de 2024.

A 6ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC (2023) reforça a importância da diversidade, equidade e inclusão como pilares da boa governança. O documento recomenda que a composição dos conselhos de administração considere uma matriz de competências que contemple diversidade de gênero, cor ou raça, faixa etária, orientação sexual, experiências e conhecimentos. A diversidade deve refletir a realidade da organização e de suas partes interessadas, promovendo um ambiente de segurança psicológica e colaboração inclusiva. O conselho deve garantir que a diretoria desenvolva políticas que propiciem igualdade de oportunidades para grupos sub-representados em posições de liderança. A composição da diretoria executiva também deve seguir os mesmos princípios de diversidade, sendo considerada indutora de inovação e sustentabilidade.

Mesmo com dados que mostram o valor da diversidade nas empresas, esse percentual nas lideranças ainda evolui lentamente. Um dos principais obstáculos são os vieses inconscientes, que afetam decisões de forma sutil, mas persistente. Entre os mais comuns estão o viés de afinidade (tendência a preferir pessoas com perfis semelhantes ao próprio), o viés de confirmação, estereótipos de gênero e raça, e o viés de performance passada. Esses vieses influenciam processos de recrutamento, promoção e avaliação, criando barreiras invisíveis à diversidade.

Para transformar esse cenário, as empresas precisam treinar líderes sobre os vieses inconscientes, estabelecer metas claras de diversidade, criar ambientes inclusivos onde todas as vozes sejam ouvidas e revisar processos de recrutamento e promoção com critérios objetivos. A diversidade não é apenas uma meta de RH. É uma estratégia de inovação, reputação e sustentabilidade.

Os acionistas institucionais, como fundos de pensão, gestoras de ativos e investidores ESG, têm um papel fundamental na promoção da diversidade. Eles podem buscar mais transparência, votar em assembleias contra conselheiros de empresas que não demonstram progresso, engajar-se com conselhos e CEOs para estabelecer metas, e priorizar empresas com boas práticas de ESG. No Brasil, a CVM e a B3 vêm reforçando esse papel com normas como o Anexo ASG. Além disso, o IBGC destaca que conselhos e acionistas devem estabelecer metas claras e mensuráveis para diversidade, com prazos definidos.

Esse movimento não é apenas uma questão de justiça, mas busca, principalmente, trazer às organizações mais inovação, melhor desempenho, menos riscos e sustentabilidade a médio e longo prazos.

Valéria Café
é Diretora Geral do IBGC, Conselheira do Advisory Board 30% do Club Brazil e de outras entidades do terceiro setor.
30percentclubbrazil@30percentclubbrazil.org


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