O Centro de Estudos em Mercado de Capitais e Relações com Investidores (CEMCRI) fruto da parceria entre IBRI e Fecap, investigou a associação entre a remuneração de executivos e a prática de recompra de ações no Brasil, considerando o período de 2018 a 2022.
A pesquisa se fundamenta na literatura internacional sobre política de payout, que abrange tanto dividendos quanto recompras, e dialoga com teorias como sinalização, flexibilidade financeira e conflito de agência. Esta última sugere que gestores podem utilizar recompras de forma oportunista, visando aumentar sua própria remuneração em detrimento da maximização do valor para todos os acionistas.
Foram analisadas 401 empresas listadas na B3, totalizando 1.401 observações. A coleta de dados incluiu informações de remuneração executiva disponibilizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), dados de recompra de ações obtidos no Centro de Estudos em Mercado de Capitais e Relações com Investidores (CEMCRI) e indicadores financeiros extraídos da base Economatica.
A variável principal de interesse foi a remuneração baseada em ações, tratada como uma dummy para identificar companhias que adotaram esse tipo de incentivo. O valor das recompras foi mensurado de três formas: (i) valor total em milhares de reais; (ii) valor médio por ação e (iii) percentual sobre o lucro líquido. Para maior robustez, o estudo aplicou regressões em painel com efeitos fixos para empresa e ano, controlando fatores como percentual de ações em circulação (free float), retorno sobre ativos (ROA), tamanho da empresa, alavancagem e índice book-to-market.
A análise evidenciou que 42,3% das empresas da amostra incluíram programas de remuneração baseados em ações. Os dados mostraram que tais companhias realizaram recompras em volumes significativamente maiores em comparação às demais. A associação foi estatisticamente significativa quando medida pelo valor total das recompras, mas não apresentou robustez nos indicadores de recompra por ação ou em relação ao lucro líquido.
A investigação também mostrou que, em média, as recompras representaram 1,5% do lucro líquido das empresas no período. O setor de Petróleo, Gás e Biocombustíveis se destacou com os maiores valores de recompra, enquanto saúde e consumo apresentaram valores mais modestos.
Esses achados sugerem que as recompras no Brasil, além de servirem como instrumento de gestão de capital e política de distribuição, podem refletir o uso estratégico por parte dos executivos para potencializar seus ganhos pessoais. Tal conclusão reforça a relevância do tema no debate sobre governança corporativa, especialmente em um mercado que ainda consolida suas práticas de transparência e proteção aos acionistas minoritários.
O estudo se diferencia por ser o primeiro no Brasil a relacionar diretamente a remuneração executiva em ações à prática de recompra de ações. Os resultados oferecem implicações práticas tanto para investidores, que passam a interpretar de forma mais crítica os anúncios de recompra, quanto para reguladores, que podem avaliar a necessidade de ajustes nas normas relacionadas a remuneração variável e recompras de ações.
Além disso, o trabalho abre espaço para futuras pesquisas, especialmente no sentido de comparar o comportamento das companhias em períodos distintos, como pré e pós-pandemia, ou ainda em fases de crescimento e retração econômica.
No ano de 2024, foram abertos 101 programas de recompra, quase o triplo de 2023, representando o maior patamar desde 2013, segundo matéria publicada no jornal Valor Econômico, cujo título é: “Com recorde de recompras, podem ‘faltar’ ações na bolsa”. Um aspecto importante a ser analisado é o fator liquidez que afeta o retorno das ações, o interesse por parte dos analistas e institucionais locais e estrangeiros. De acordo com Christian Keleti, presidente da gestora AlphaKey, perdemos cerca de R$ 260 bilhões do free float do mercado.
Ao evidenciar a correlação entre incentivos executivos e recompras, o estudo desenvolvido pelo IBRI-Fecap, amplia a compreensão sobre as motivações que permeiam as políticas de payout no Brasil. Mais do que uma prática de retorno ao acionista, a recompra pode representar um mecanismo de maximização de ganhos individuais, demandando, portanto, um olhar atento sobre governança, sustentabilidade e alinhamento de interesses no mercado corporativo.
Nota: O artigo completo foi apresentado no XVIII Congresso ANPCONT e no 35º ENANGRAD: https://doity.com.br/anais/35-enangrad/trabalho/404832