Simplificar é sofisticar, e o DRI é quem traduz essa sofisticação em coerência e em transparência. O Regime de Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens (Fácil) é, em sua essência, um convite à maturidade. Simplificar processos regulatórios e incentivar a entrada de PMEs no mercado de capitais brasileiro não representa apenas um gesto ingênuo de desburocratização. É o reconhecimento de que o mercado de capitais brasileiro já dispõe de profissionais, instrumentos e infraestrutura maduros o suficiente para sustentar a confiança por meio da qualidade e da tempestividade da informação.
O regime FÁCIL entra em vigor em 2 de janeiro de 2026 e entre as principais propostas, destaca-se a simplificação de obrigações para companhias com receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões. Nesse novo ambiente, além da redução do custo de observância das companhias - ao permitir uma atuação mais racional, eficiente e proporcional ao grau de maturidade do emissor - a postura das empresas, sobretudo do Diretor de Relações com Investidores (DRI), ganha ainda mais destaque e protagonismo.
Com a publicação do Regime Fácil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ratifica uma agenda de simplificação que substitui as formalidades por uma aposta na reputação e no comportamento responsável. Isso significa que o foco deixa de ser apenas o cumprimento mecânico das regras e se desloca para o sentido do cumprimento relacionado à transparência, coerência e tempestividade. Trata-se de uma mudança de eixo, que reposiciona a importância da conduta, e isso muda tudo. Essa mudança sinaliza uma nova fase regulatória, em que a confiança passa a ocupar o centro da relação entre regulador, companhia e mercado.
O Regime Fácil representa um avanço significativo na modernização do mercado de capitais brasileiro, ao ampliar o acesso e trazer companhias de menor porte para o mercado local. Ao estruturar o Fácil, a CVM parte do princípio de que o mercado brasileiro atingiu um novo grau de maturidade. A mensagem é clara: “confio em você para fazer o certo, sem a necessidade de exigir comprovações formais em todos os formulários atualmente requeridos pelas listagens tradicionais”.
A empresa que optar por aderir ao Regime Facil deve compreender que a simplificação procedimental vem acompanhada de uma ampliação de responsabilidades. A dispensa de determinados ritos formais não deve ser interpretada como sinônimo de menor rigor ou fragilidade na governança, mas sim como um sinal de maior confiança no emissor.
No entanto, essa confiança é um ativo que se conquista e sua manutenção dependerá da prática e do mérito na conduta das empresas. Portanto, é fundamental que as companhias estejam preparadas para sustentar, com consistência, as informações que disponibilizam ao mercado, sem depender da intermediação constante do regulador. Isso exige estrutura, governança e uma cultura corporativa orientada à transparência como valor, e não apenas como obrigação.
No Regime Fácil, o que antes era mera formalidade documental transforma-se em um verdadeiro teste de reputação. O mercado, mais do que nunca, distingue quem simplifica com base na credibilidade de quem apenas busca atalhos. A simplificação, portanto, não deve ser entendida como escudo, e sim como vitrine – e é justamente nessa vitrine que o papel do Diretor de Relações com Investidores ganha destaque. Mesmo com a flexibilização regulatória, a responsabilidade não diminui e, em muitos casos, até aumenta: cabe ao DRI assegurar que as informações cheguem ao mercado de forma clara, precisa e tempestiva.
Importante lembrar que a informação é para o analista de valores mobiliários (CNPI), sua matéria-prima, sua bússola. Cada número, cada nota explicativa, cada dado econômico-financeiro traduz-se em análise, recomendação e decisão de investimento.
Para que esse processo funcione de forma eficaz, é essencial que os dados circulem com clareza, completude e coerência. É aí que o DRI assume um papel central como elo entre a companhia e o mercado, é ele quem estrutura e traduz a informação, garantindo acesso equitativo a todos os públicos relevantes.
O Regime Fácil, ao reforçar a transparência como princípio estruturante, torna o DRI ainda mais estratégico. Mesmo com a flexibilização de obrigações formais, cabe a ele assegurar que o mercado receba informações relevantes de forma clara e tempestiva, inclusive quando sua divulgação não for obrigatória. Assim, ao propor simplificação e previsibilidade na entrega de informações, o Regime Facil não reduz responsabilidades, ao contrário, reforça o protagonismo do DRI, que passa ser também o guardião da integridade da comunicação financeira.
Neste novo cenário, o diretor de Relações com Investidores assume o papel ainda mais estratégico de guardião da confiança. Ele é, ao mesmo tempo, o intérprete da regulação, o curador da narrativa corporativa e o mediador entre companhia, o mercado e seus públicos de interesse. Sua atuação ratificará, ou não, a confiança depositada pelo regulador ao lhe permitir maior liberdade informacional.
Na prática, essa confiança redefine a essência de seu papel. A responsabilidade do DRI vai além da divulgação formal de fatos relevantes: ele é o ponto de intersecção entre a informação, o contexto e a percepção do mercado. É ele quem traduz o que a empresa faz em uma linguagem que o mercado interpreta e transforma em liquidez e preço – e, sob o Regime Fácil, essa função está ampliada. A dispensa de algumas etapas processuais pressupõe que a companhia mantenha uma comunicação eficiente com seus investidores. O que se simplifica em rito, se aprofunda em critério.
Quando essa comunicação é estruturada com consistência e coerência, o resultado é perceptível na resposta do mercado. O mercado recompensa com precificação e liquidez as empresas cujo DRI consolida, de forma clara, o diálogo fragmentado entre as áreas jurídica, contábil, financeira, de compliance e de comunicação. A boa prática consiste em integrar esses universos para que a informação ao investidor seja coerente, tempestiva e verdadeira. Em última instancia, o DRI é o agente da coerência, aquele que organiza o discurso externo para refletir, com precisão, a realidade interna da companhia.
A simplificação regulatória não dilui responsabilidades; ela as concentra. No modelo tradicional, havia um certo conforto no formalismo em que cada etapa, cada documento protocolado servia como uma camada de proteção. No Regime Fácil essa tranquilidade se reduz e o olhar do mercado ganha destaque. Isso exige do DRI e da administração uma postura de accountability real, que vai além do cumprimento literal da norma. É preciso compreender o espírito do regime. Substituir o controle formal pela responsabilidade reputacional.
Um deslize na comunicação, uma omissão involuntária ou uma interpretação apressada de evento relevante, podem ter efeitos imediatos na credibilidade da companhia. O Regime fácil encurta a distância entre ação e consequência, o que é excelente para o mercado, mas exige prudência, preparo e senso de dever.
Mais do que nunca, o DRI precisa ser visto como executivo estratégico. Ele deve participar das decisões que possam afetar a percepção do mercado, antecipar cenários e aconselhar a administração sobre riscos reputacionais. Simplificar exige inteligência e consciência do impacto de cada escolha na comunicação. O Regime Fácil, só é ”fácil” de fato para quem tem consciência de sua complexidade e abrangência.
De certa forma, o nome carrega certa ironia, que de fato é ”fácil” na forma, mas exige o difícil em substância: ética, consciência e maturidade institucional. As empresas que compreenderem esse movimento estarão à frente. O Regime Fácil não é apenas uma mudança administrativa, mas uma nova gramática no relacionamento entre regulador, companhia e principalmente, o investidor. Ele se sustenta em algo que nenhum formulário substitui: a confiança.
Empresas que há décadas cultivam esse compromisso são prova de que a transparência não nasce da obrigação, mas da convicção. Algumas delas realizam apresentações públicas para investidores há mais de trinta anos e já receberam o Selo Esmeralda da Apimec Brasil, reconhecimento que distingue quem transforma a prestação de contas em cultura. Mesmo após as regras de listagem deixarem de exigir tais encontros, elas seguiram promovendo suas apresentações, reafirmando que a comunicação com o mercado é um valor e não um requisito formal. Nesse contexto, essa cultura de continuidade é fortalecida por instituições como o IBRI, que há décadas contribuem para o desenvolvimento da função de Relações com Investidores, promovendo boas práticas, capacitação e o protagonismo do profissional de RI na construção de um mercado cada vez mais transparente e maduro.
Essas iniciativas, somadas, sustentam um ecossistema de confiança que transcende normas e períodos. Esse histórico de coerência e continuidade reforça que a credibilidade é um ativo construído com disciplina e presença. Quando o diálogo com investidores se mantém vivo por iniciativa própria, ele consolida o verdadeiro sentido do Regime Fácil: a confiança mútua entre empresa, regulador e mercado, sustentada por reputação, não por rito.
Nesse contexto, como ponto de equilíbrio, está o DRI. Ele garante que a simplificação não se transforme em superficialidade, que a agilidade não comprometa a precisão e que a comunicação continue sendo o principal instrumento de construção de valor.
Vale reforçar que a credibilidade é cumulativa e silenciosa. Leva tempo para se consolidar, mas se perde em um instante. Por isso, o desafio do DRI é ser, todos os dias, o guardião dessa confiança – a mesma que torna o Regime Fácil não apenas possível, mas verdadeiramente sustentável.
Mara Limonge
é Vice-presidente da APIMEC e membro de conselhos, com sólida experiência em mercados de capitais. Especialista em DCM.
limonge.mara@gmail.com
Renata Oliva Battiferro
é Presidente do Conselho de Administração do IBRI (2024–2025), com mais de 20 anos de experiência em Relações com Investidores, e forte atuação em Governança Corporativa e Comunicação Estratégica.
renata.oliva@ibri.com.br