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HUMANOIDES: A TECNOLOGIA QUE PODE REDESENHAR O VALOR DAS COMPANHIAS

Enquanto conselhos e lideranças ainda avaliam a IA generativa, robôs humanoides já começam a redesenhar cadeias operacionais inteiras. O impacto será direto: empresas que adotarem essa tecnologia poderão multiplicar seu valor de mercado. As que resistirem, perderão espaço.

Três anos. Esse foi o intervalo entre duas das maiores revoluções tecnológicas do século: o lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022, e o anúncio do NEO, o primeiro robô humanoide comercial do mundo, em outubro de 2025.

Se isso ainda não causou desconforto, deveria. Porque o ciclo tradicional de mudança, que durante décadas permitiu planejamento, avaliação, aprovação e execução, está sendo substituído por uma nova realidade. As revoluções agora chegam em ciclos cada vez mais curtos e a próxima pode surgir antes mesmo de a anterior ser compreendida.

A história da tecnologia costumava permitir um certo fôlego. Da Revolução Industrial à adoção da internet, do surgimento dos smartphones à inteligência artificial, havia tempo para observar tendências, contratar consultorias, montar comitês e testar protótipos. Esse modelo mental, confortável e reativo, já não funciona mais.

Hoje, a tecnologia não apenas transforma produtos e serviços. Ela redesenha indústrias inteiras e, com elas, os fundamentos que sustentam o valor de mercado das companhias. E não se trata mais apenas de software. A nova revolução é física, concreta, operacional. São robôs humanoides capazes de executar tarefas cotidianas com custo reduzido, desempenho constante e potencial de escala global.

Para conselheiros e líderes empresariais, isso significa que a governança, a gestão de riscos e a alocação de capital precisam ser repensadas sob uma nova ótica: a da velocidade.

Velocidade para entender, decidir e agir. Velocidade para adaptar estruturas, revisar projeções e comunicar ao mercado. Porque o capital vai migrar rapidamente para as empresas que demonstrarem preparo para surfar, e não para serem engolidas, pela próxima onda tecnológica.

DO SOFTWARE AO CORPO: A MATERIALIZAÇÃO DA IA
Em novembro de 2022, o ChatGPT escancarou ao mundo o potencial da inteligência artificial generativa. Em poucos dias, milhões de pessoas começaram a utilizá-lo em tarefas que antes exigiam capital humano qualificado. O que parecia uma novidade futurista rapidamente se tornou uma ferramenta de produtividade cotidiana. Agora, em outubro de 2025, uma nova fronteira foi cruzada: a IA deixou de ser apenas software e ganhou corpo. Literalmente.

O NEO, lançado pela 1X Technologies, não é um experimento de laboratório. É um produto comercial, com preço definido, funcionalidades práticas e previsão de entrega em 2026 para o mercado norte-americano. São trinta quilos de engenharia inteligente, capazes de levantar mais do que o próprio peso, com precisão motora equivalente à de um ser humano, silêncio absoluto em operação e capacidade de aprendizado contínuo via atualizações de software.

E ele não está sozinho. Tesla desenvolve o robô Optimus. A Figure AI já testa o Figure 02 em fábricas da BMW. A Agility Robotics comercializa o Digit para tarefas industriais. A Unitree, na China, aposta em modelos de menor custo. A Richtech Robotics lançou o Dex para automação de manufatura. Não se trata mais de ficção científica. Trata-se de uma corrida comercial de bilhões de dólares.

Segundo o Morgan Stanley, o mercado global de robôs humanoides e de serviços poderá ultrapassar 400 bilhões de dólares na próxima década. Estima-se que, até 2050, cerca de 80 milhões de humanoides estejam operando em residências, empresas e indústrias. Um número que parece distante, mas que já está em movimento.

Essa nova geração de robôs representa muito mais do que automação. Ela simboliza a convergência entre inteligência artificial, robótica avançada, conectividade 5G e poder computacional em miniatura. E para as companhias listadas no mercado de capitais, isso significa que os fundamentos operacionais e as projeções financeiras precisarão ser reavaliados sob uma nova perspectiva: a da substituição física do trabalho humano.

Empresas que se anteciparem a essa adoção poderão redefinir seus modelos de negócios com base em margens operacionais ampliadas, escalabilidade quase infinita e níveis inéditos de eficiência. Por outro lado, empresas que ignorarem esse movimento correm o risco de ver sua competitividade diluída e, com ela, seu valor de mercado.

O IMPACTO NA OPERAÇÃO: SERVIÇOS QUE PODEM SER SUBSTITUÍDOS
Para investidores e conselhos atentos ao valor das companhias, uma análise realista e fria do impacto operacional dos humanoides revela um cenário inevitável: cadeias inteiras de funções podem ser redesenhadas com custos significativamente menores, maior confiabilidade e escalabilidade sem precedentes.

O primeiro ponto a considerar é o custo. O valor inicial estimado para um robô como o NEO gira em torno de 500 dólares por mês, aproximadamente 2.800 reais. Isso o coloca em linha com o custo mensal de um funcionário de baixa qualificação no Brasil. Porém, enquanto o trabalhador humano opera por 44 horas semanais, o robô pode operar 24 horas por dia, sete dias por semana, sem pausas, faltas ou limitações trabalhistas. A conta é simples e devastadora para modelos baseados em mão de obra intensiva.

Veja algumas das funções e serviços que podem ser substituídos, total ou parcialmente, nos próximos anos, com base em capacidades já demonstradas pelos humanoides atuais:

  • Atendimento presencial e hospitalidade: recepcionistas, controladores de acesso, porteiros, recebedores de entregas.
  • Limpeza e conservação: faxineiros, auxiliares de serviços gerais, jardineiros, piscineiros, zeladores.
  • Logística e armazenagem: estoquistas, empacotadores, separadores de pedidos, conferentes, operadores de empilhadeira, carregadores, auxiliares de logística.
  • Varejo e alimentação: repositores, atendentes de fast food, operadores de caixa, garçons, cozinheiros de pratos padronizados.
  • Manufatura e construção civil: auxiliares de produção, montadores, ajudantes de obra, manipuladores de materiais.
  • Serviços domésticos: empregados domésticos, babás auxiliares, cuidadores de idosos.
  • Saúde básica e apoio: atendentes, técnicos de enfermagem, cuidadores e, futuramente, até médicos em tarefas protocolares.

O impacto disso sobre o valor das companhias é direto. Empresas que se reestruturarem para operar com essa nova força de trabalho poderão reduzir seus custos fixos em até 60% em determinadas cadeias. Margens operacionais aumentadas, maior previsibilidade de resultados, menores riscos trabalhistas e maior flexibilidade de escala são fatores que influenciam positivamente qualquer modelo de valuation.

Já aquelas que permanecerem ancoradas em modelos tradicionais terão suas margens comprimidas, sua competitividade reduzida e sua atratividade junto ao mercado significativamente abalada. Em setores como logística, varejo, alimentação e serviços, a adoção em massa desses recursos será uma vantagem competitiva difícil de ser acompanhada por quem não se antecipar.

Não se trata apenas de eficiência. Trata-se de sobrevivência estratégica em um mercado onde o capital busca retornos rápidos, sustentáveis e consistentes. E robôs humanoides podem ser, paradoxalmente, o novo diferencial humano.

O IMPACTO NO VALOR DAS COMPANHIAS
O valor de uma empresa no mercado de capitais é, em sua essência, a antecipação de fluxos futuros de caixa ajustados ao risco. Tudo aquilo que afeta significativamente os custos, a margem, a eficiência operacional ou a escalabilidade afeta diretamente a percepção de valor. A introdução dos humanoides comerciais altera essas variáveis de forma contundente.

Empresas que incorporarem essa nova força de trabalho terão a possibilidade de reduzir de forma estrutural seus custos operacionais, aumentar a produtividade por metro quadrado, eliminar riscos trabalhistas recorrentes e ganhar flexibilidade para escalar ou ajustar sua operação com mais agilidade. Em setores intensivos em mão de obra, como varejo, logística, saúde, limpeza e construção civil, essa equação pode mudar completamente a lógica de valuation.

Os múltiplos de EBITDA, por exemplo, tendem a se expandir em empresas que elevam sua margem bruta e reduzem sua alavancagem operacional. A adoção de humanoides pode ser a ponte para alcançar esse resultado. Além disso, há um ganho adicional de previsibilidade: robôs não adoecem, não pedem demissão, não entram em greve, não exigem planos de carreira. Isso reduz o grau de incerteza futura e torna os ativos mais “modeláveis” sob a ótica dos analistas e gestores de fundo.

Por outro lado, empresas que resistirem ou demorarem a adaptar-se poderão ser penalizadas pelo mercado. Não apenas porque terão estruturas de custo menos competitivas, mas porque sinalizarão ao investidor que não estão preparadas para a próxima etapa da transformação digital. Isso afeta diretamente sua atratividade, seu posicionamento estratégico e, por consequência, seu valor de mercado.

Em um cenário onde cadeias de valor são reorganizadas com base em automação física, os setores que não se anteciparem perderão espaço para modelos mais enxutos, mais rápidos e mais adaptáveis. E o capital, que naturalmente flui para onde há mais retorno e menos risco, acompanhará quem tiver essa visão clara e corajosa do futuro.

A NOVA DUE DILIGENCE: TECNOLOGIA COMO FATOR DE VALOR
Durante décadas, as análises de due diligence se concentraram em aspectos clássicos: estrutura de capital, compliance, posição de mercado, governança, sustentabilidade e qualidade dos ativos. No entanto, em um mundo moldado por ciclos de inovação cada vez mais curtos, a capacidade de absorver e escalar tecnologias emergentes tornou-se um novo critério fundamental de análise estratégica.

A adoção de robôs humanoides não é apenas uma escolha operacional. É um fator que impacta diretamente a estrutura de custos, a resiliência operacional e a capacidade de adaptação futura das companhias. Logo, passa a ser também um indicador de valor. Um investidor atento já começa a perguntar: essa empresa tem uma estratégia clara de automação física? Está mapeando processos substituíveis? Está testando soluções e criando competências internas para escalar essa tecnologia?

A ausência de respostas para essas perguntas, em pouco tempo, será vista como um sinal de obsolescência ou inércia estratégica. Assim como hoje a ausência de uma agenda ESG estruturada já afasta investidores institucionais, amanhã será a ausência de uma agenda de automação com humanoides que vai sinalizar atraso tecnológico e risco competitivo.

Conselhos de administração e lideranças empresariais devem entender que o “capital tecnológico”, ou seja, a prontidão para absorver inovação disruptiva, passa a ser um dos ativos intangíveis mais relevantes na avaliação de uma companhia. Isso inclui não apenas a infraestrutura, mas também a cultura organizacional, a governança da inovação e a agilidade decisória.

Empresas que forem transparentes quanto às suas iniciativas de automação, que comunicarem claramente seus avanços em relatórios de sustentabilidade, apresentações de resultados ou encontros com investidores, estarão não apenas fortalecendo sua imagem, mas elevando sua percepção de valor diante do mercado.

RECOMENDAÇÕES PRÁTICAS PARA LÍDERES E CONSELHOS
A transformação que se avizinha não será opcional. Empresas que se prepararem desde já terão vantagem competitiva clara, com reflexos positivos sobre seu valor de mercado. A seguir, apresento um conjunto de recomendações práticas para que conselheiros e lideranças empresariais possam iniciar ou acelerar sua jornada de preparação estratégica frente à adoção dos robôs humanoides:

1. Faça um diagnóstico de potencial de automação física
Mapeie todas as funções operacionais da organização que envolvem tarefas repetitivas, previsíveis e de baixa variabilidade. Avalie quais delas poderiam ser parcialmente ou totalmente realizadas por robôs humanoides nos próximos 3 a 5 anos.

2. Inclua o tema na pauta permanente do conselho e da liderança executiva
A discussão sobre humanoides não deve estar restrita às áreas de tecnologia ou inovação. Trata-se de uma questão estratégica, com impacto direto sobre produtividade, competitividade e estrutura de custos.

3. Comece por testes-piloto controlados
Considere áreas com alta rotatividade ou dificuldade de contratação como ambientes ideais para pilotos. Isso permite entender os ganhos reais, os desafios operacionais e a curva de aprendizado necessária.

4. Desenvolva um plano de transição tecnológica e de gestão de pessoas
A adoção de humanoides exigirá requalificação de colaboradores, gestão de mudanças e revisão de estruturas organizacionais. Planejar essa transição é tão importante quanto a adoção da tecnologia em si.

5. Comunique-se de forma transparente com o mercado
Investidores querem saber como a empresa está se preparando para o futuro. Incorporar temas como automação física e uso estratégico de IA em relatórios anuais, apresentações públicas e materiais de RI pode aumentar a percepção de valor e atratividade da companhia.

6. Estabeleça indicadores de inovação e eficiência operacional tecnológica
Além de ROI e produtividade, é hora de incluir métricas que revelem a capacidade da empresa de absorver, escalar e integrar novas tecnologias como parte da estratégia de longo prazo.

7. Crie mecanismos ágeis de tomada de decisão tecnológica
Estruturas lentas, comitês engessados e ciclos de aprovação longos serão incompatíveis com o novo ritmo de disrupção. Inove também na governança: conselhos mais rápidos, mais informados e com liberdade para testar e corrigir rotas terão mais chances de liderar.

CONCLUSÃO: A HORA DE DECIDIR É AGORA
Enquanto conselhos e lideranças ainda discutem os impactos da inteligência artificial generativa, a revolução dos humanoides já deixou de ser promessa e se tornou produto. Com preço, cronograma de entrega e aplicações práticas, ela inaugura uma nova fase da automação: não mais apenas digital, mas física, tangível e escalável.

Empresas que entenderem isso a tempo terão a chance de reestruturar suas operações, aumentar margens, reduzir riscos trabalhistas e ganhar velocidade. Mais que isso, terão seus modelos de negócios reposicionados como referências de eficiência e resiliência, refletindo diretamente no interesse de investidores e no valor de mercado.

Já aquelas que resistirem ou postergarem a decisão enfrentarão concorrentes com estruturas de custo incomparavelmente menores, com entregas mais rápidas e margens mais amplas. O resultado será inevitável: perda de competitividade, compressão de múltiplos e reprecificação pelo mercado.

A próxima década será marcada pela reconfiguração de cadeias operacionais inteiras. A grande questão para conselheiros e líderes não é mais se isso vai acontecer, mas quando e, principalmente, como suas organizações estarão posicionadas quando isso ocorrer.

Porque, neste novo ciclo, não vencerão os maiores ou os mais tradicionais. Vencerão os mais preparados. E a preparação começa com uma decisão: agir agora.


Marcelo Murilo
é Co-Fundador e VP de Inovação e Tecnologia do Grupo Benner, Palestrante, Mentor, Conselheiro, Embaixador e membro do Senior Advisory Board do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Embaixador e Membro da Comissão ESG da Board Academy BR e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research – Fala sobre Inovação, Governança e ESG.
marcelo.murilo@benner.com.br


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