Educação Financeira

QUANDO A GENTE FICA VELHO?

ENTRE ETIMOLOGIA, LITERATURA E EXPERIêNCIA: O VALOR SIMBóLICO DE UMA PALAVRA QUE OS AFORTUNADOS IRãO HABITAR

Mudei-me de Lages, no Planalto Catarinense, em 1974. Naquela época, devido à precariedade das estradas de terra, a comunicação da capital com o Planalto e o Oeste catarinense era muito limitada. Por causa da BR-116, que já era asfaltada, a ligação dessas regiões era muito maior com as capitais dos estados vizinhos do que com a nossa própria capital.

Claro que havia um grande estranhamento entre os adolescentes. Os da capital chamavam aqueles que vinham “de cima das serras” de bois de bota e, para revidar, nós os ofendíamos chamando-os de manezinhos. Muitas vezes, tudo acabava em briga feia.

A etimologia da expressão manezinho vem de Mané, diminutivo de Manuel, nome comum entre os colonizadores açorianos da Ilha de Santa Catarina no século XVIII. Inicialmente usado de forma pejorativa, para designar o ilhéu típico, associado ao provincianismo e ao atraso, o termo começou a mudar de conotação a partir dos anos 1970, com o resgate da cultura local por autores como Franklin Cascaes. Desde então, manezinho passou a expressar orgulho, identidade e pertencimento cultural dos florianopolitanos, sentimento que se acentuou com o sucesso do tenista Gustavo Kuerten, que sempre se orgulhou de ser um autêntico manezinho.

O que mudou de lá para cá? Certamente a etimologia da palavra permanece a mesma; o que mudou foi o valor simbólico. Essa mesma transformação, que vi acontecer com manezinho, é a chave para entender a pergunta que dá título a este artigo: quando a gente fica velho?

Há um podcast em que a apresentadora começa sempre com a pergunta “Quando a gente fica velho?”. Pelas respostas, fica claro que o valor simbólico da palavra não está pacificado.

A etimologia de uma palavra diz respeito à sua origem histórica e à evolução de sua forma e significado ao longo do tempo. É um campo objetivo, ligado à linguística histórica, que busca reconstruir o caminho que um termo percorreu desde suas raízes em línguas antigas até o uso atual. A etimologia explica, por exemplo, que velho vem do latim vetulus, diminutivo de vetus, que significa “antigo”. Da mesma origem etimológica vem a palavra veterano, de vetus e veteranus, “aquele que tem experiência ou idade avançada”.

Esse estudo revela a estrutura e o sentido original de uma palavra, mas não necessariamente o que ela representa em determinado contexto cultural.

Já o valor simbólico pertence ao domínio da cultura, da literatura e da experiência humana. Constrói-se nas camadas de uso, nas imagens e emoções que a palavra desperta, indo muito além de sua origem literal. É campo de estudo de linguistas da área da semiótica, de sociólogos, antropólogos e psicólogos, entre outros.

Assim, velho, que etimologicamente significa apenas “antigo”, adquire ao longo da história sentidos simbólicos de sabedoria, decadência, ternura ou resistência, dependendo do contexto e da intenção do autor. O valor simbólico é, portanto, mutável e interpretativo, moldado pelas sensibilidades de cada época e pela imaginação coletiva.

Na literatura em língua portuguesa, a figura do velho sempre oscilou entre respeito e decadência. Em Os Lusíadas, Camões cria o “Velho do Restelo”, figura da dúvida e da cautela, símbolo da prudência diante do ímpeto juvenil das navegações. Padre António Vieira usa “velho” em seus sermões como símbolo da sabedoria madura, o tempo que depura o homem. Em Machado de Assis, o “velho” é mais um estado de espírito do que uma idade biológica, frequentemente usado de forma irônica para falar de desencanto.

Já em José Saramago, o velho aparece de forma complexa e, por vezes, contraditória. Em Ensaio sobre a Cegueira, a idosa da casa é a sobrevivente, a memória viva, o último elo com uma humanidade desvanecida, uma velhice que resiste. Em As Intermitências da Morte, a velhice surge como um fardo social, quando as pessoas param de morrer e a sociedade se vê assoberbada por uma população que envelhece sem fim, questionando o valor da vida longeva em um mundo puramente utilitarista.

Para um dos meus autores prediletos, Cervantes, viejo é muitas vezes figura de sabedoria ridicularizada, como Dom Quixote, o “viejo loco” que encarna a tensão entre idealismo e decadência.

Essa diferença de percepção sobre o que é ser velho está muito presente na minha casa. Tenho o maior orgulho de ser velho, enquanto a Celina rejeita essa ideia. Para ela, velho é quem se torna ultrapassado no modo de pensar e agir, quem ficou para trás, perdeu o ritmo e deixou de sonhar.

Para mim, ao contrário, a velhice é um prêmio: é liberdade, é leveza, é a serenidade de quem cumpriu o dever e pode, finalmente, escolher o próprio tempo. Eu fiquei velho no dia em que completei 60 anos e ganhei os privilégios de estacionar em vagas preferenciais, pagar meia-entrada e embarcar antes no avião.

Ela, mesmo tendo passado dos 60, ainda não se considera velha. O que para ela é uma linha de chegada, para mim é a largada para uma nova forma de viver. O mesmo marco etário, os 60 anos, é interpretado de formas radicalmente opostas.

Quando é que a gente realmente fica velho?
Na minha perspectiva, é quando a sabedoria do caminho nos liberta, liberta da pressão de ser quem não somos e da corrida incessante por reconhecimento. É o momento em que a avaliação dos outros perde força diante da nossa própria autoavaliação.

Por isso, enxergo a velhice não como decadência, mas como uma forma de triunfo. É a fase em que a ansiedade cega da juventude é substituída por uma serenidade ativa. A vontade de lutar pelos sonhos permanece intacta, mas a noção de se satisfazer com o possível substitui a angústia de ter que ir sempre “além”.

A vida, então, não diminui: ela se aprofunda. O fim da corrida pela acumulação dá lugar ao começo da fruição plena, o sabor de um café, a qualidade de uma amizade, a paz de um dia quieto. Não se trata de desencanto, mas de um desapego que, no fim das contas, é o que finalmente nos permite viver de verdade.

A linguagem ajuda a entender esse deslocamento. Velho, que já significou sabedoria e também desgaste, ainda carrega essa ambiguidade: é o mesmo vocábulo que designa tanto o cansaço quanto a experiência, tanto o fim quanto a plenitude. Cada um escolhe o lado que deseja enxergar.

A cultura do desempenho e da juventude tende a associar velhice à perda; já quem olha a vida como processo entende o envelhecer como realização, um tempo de síntese e liberdade interior.

Por isso, ficar velho pode ser bom ou ruim, depende de quem narra a própria história. Mas há uma verdade inescapável: apenas os afortunados chegam a descobri-lo. Envelhecer, com todas as suas rugas e revelações, é um privilégio existencial.

Porque a única alternativa a não envelhecer é, simplesmente, não estar mais aqui.


Jurandir Sell Macedo, CFP
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e diretor da Alento Educação Financeira.
jurasell@gmail.com


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