Ponto de Vista

LIDERANÇAS COMUNICACIONAIS PARA O MERCADO DE CAPITAIS: DA REGULAÇÃO À ESTRATÉGIA

O mercado de capitais brasileiro vive uma transformação profunda. Talvez, a mais relevante das últimas décadas. Um conjunto consistente de medidas normativas e programas estratégicos conduzidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos últimos anos está redesenhando o ambiente de captação e de investimentos. Iniciativas como o Open Capital Market (ABERTO), a portabilidade de investimentos e o Regime FÁCIL são exemplos de um movimento coordenado que busca reduzir barreiras, ampliar o acesso e tornar o mercado mais inclusivo, competitivo e conectado a padrões internacionais de inovação regulatória.

Esse novo ciclo regulatório não é apenas jurídico ou operacional: ele exige uma nova forma de liderança. São as lideranças comunicacionais que terão a capacidade de transformar normas em estratégia, de ler oportunidades no desenho regulatório e de traduzi-las em narrativas de confiança para investidores, companhias e demais stakeholders.

Mais do que dominar tecnicamente as regras, essas lideranças precisam construir pontes de comunicação estratégica, transformando a regulação em instrumento de diferenciação e crescimento. Em outras palavras, comunicar será o grande divisor de águas entre quem apenas acompanha as mudanças e quem se posiciona como protagonista desse novo mercado de capitais.

ABERTO: o mercado como espaço de oportunidades
O Open Capital Market (ABERTO) sintetiza a agenda transformadora da CVM. Trata-se de um programa estruturado para abrir o mercado de capitais brasileiro a novos emissores, intermediários e investidores, combinando medidas de simplificação, flexibilização e modernização regulatória.

Ao lado do desenvolvimento regulatório, o ABERTO também nos faz pensar em um ponto crucial: a transparência e a clareza da comunicação não são mais acessórias, mas condições centrais para o funcionamento saudável e inclusivo do mercado.

Nessa lógica, lideranças comunicacionais não apenas divulgam informações, mas as transformam em estratégia de engajamento e confiança. São elas que conseguem promover caminhos e explicar, com clareza, as novas oportunidades de emissão, os riscos de cada operação e os diferenciais de governança, fortalecendo o círculo virtuoso que une transparência, liquidez e captação.

O ABERTO é, portanto, mais do que uma agenda regulatória: é um marco de abertura competitiva que exige lideranças preparadas para comunicar de forma precisa, tempestiva e estratégica.

Comunicação como fator de retenção e fidelização
A portabilidade de investimentos, objeto das Resoluções CVM 209 e 210, talvez seja o exemplo mais eloquente da centralidade da comunicação. Se antes a barreira de saída dos investidores era alta e favorecia a inércia, em breve, quando da entrada em vigor das regras, o cenário será o oposto: o investidor poderá movimentar seus ativos com fluidez entre diferentes instituições. Será, de fato, o chamado “Pix do mercado de capitais”.

Percebam que, nesse contexto, a fidelização deixa de ser um resultado de barreiras artificiais e passa a ser consequência direta da qualidade da relação estabelecida. Essa relação, por sua vez, é construída pela clareza da comunicação sobre custos, riscos, comparabilidade de produtos e experiência de atendimento.

Lideranças comunicacionais que saibam traduzir essas dimensões de forma objetiva e estratégica terão não apenas mais capacidade de retenção, mas também maior poder de atrair novos clientes em um mercado cada vez mais competitivo.

O FÁCIL - Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens -, resultado das Resoluções CVM 231 e 232, é outro marco que merece a nossa atenção. Voltado a companhias de menor porte, ele cria um corredor regulatório sob medida para que novos emissores possam acessar o mercado de capitais com menos barreiras e mais eficiência.

Mas as normas, por si, não resolvem o desafio. É preciso que lideranças saibam compreender as normas e explicar o processo de captação a emissores inexperientes, traduzindo linguagem técnica em mensagens acessíveis e seguras. Ao mesmo tempo, é necessário comunicar riscos e oportunidades de forma clara aos investidores, para que a inclusão seja acompanhada de confiança e não de vulnerabilidade.

Aqui, a comunicação deixa de ser uma ferramenta de suporte e se torna o elemento-chave que permitirá com que o FÁCIL cumpra seu potencial de democratização.

Modernização regulatória e a centralidade do disclosure
A Resolução CVM 160, que modernizou as ofertas públicas, trouxe mais previsibilidade e flexibilidade. Já a Resolução CVM 175, que redesenhou o regime de fundos de investimento, estruturou um arcabouço mais objetivo, seguro e atrativo. Em ambos os casos, a equação é clara: governança e disclosure produzem e geram ainda mais valor quando bem comunicados. Não basta estar em compliance; é preciso comunicar compliance de forma estratégica, com clareza, tempestividade e narrativa de confiança. E esse ambiente é propício para o surgimento de um perfil de liderança comunicacional.

Estamos nos referindo à liderança:

  • técnica, pois domina o conteúdo regulatório e sabe interpretar a norma;
  • estratégica, pois transforma essa interpretação em direcionamento competitivo para a organização;
  • comunicativa, pois traduz, educa, engaja e constrói confiança junto a públicos diversos — conselhos, investidores, clientes, reguladores e imprensa.

Essa liderança entende que, em mercados abertos, comunicar é competir. Afinal, a clareza da informação tende a reduzir o custo de captação, ampliar a base de investidores, acelerar a entrada de novos participantes e proteger reputações. Mais do que eliminar atritos e ruídos, a comunicação cria oportunidades. É por meio dela que líderes conseguem educar investidores, fortalecer governança, explicar produtos complexos e construir narrativas que diferenciam suas instituições em um ambiente de competição aberta.

O desafio do futuro (presente!)
O Brasil vive um momento raro: o futuro do mercado de capitais está sendo moldado, agora, em tempo real, pela regulação. O sucesso desse processo dependerá, em grande medida, da qualidade das lideranças que souberem unir compreensão regulatória e comunicação estratégica.

O desafio é grande. De igual maneira, grande é a oportunidade de uma geração:

  • transformar normas em propostas de valor;
  • redesenhar operações para competir em ambiente de portabilidade;
  • tratar a confiança como ativo mensurável;
  • industrializar a comunicação de governança, convertendo disclosure em vantagem competitiva.

O ciclo está ABERTO, e a provocação é clara: quem formar lideranças comunicacionais preparadas ocupará um espaço privilegiado no novo mercado de capitais. O mercado ABERTO pela CVM vai além de um espaço de emissores e investidores: trata-se de um ambiente de narrativas sólidas, educadoras e confiáveis, onde a comunicação será a verdadeira fronteira de competitividade.

O futuro já começou, e ele é comunicacional.

Nota: As informações e opiniões expressas neste artigo são de caráter pessoal e não refletem, necessariamente, a posição institucional da CVM.

João Mançal
é Superintendente de Comunicação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
joaomancal@hotmail.com


Continua...